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Judiciário: Barril de pólvora

O autor apresenta críticas sobre o sistema Judiciário brasileiro, "que mais se presta para assegurar o poder das elites do que propriamente para distribuir justiça para os necessitados".

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Atualizado em 4 de julho de 2013 14:55

No mês de junho, 45 anos depois da "Passeata dos cem mil", no RJ, os estudantes, desvinculados da UNE, que preferiram ser assalariados do governo, os trabalhadores, afora aqueles sindicatos que tornaram extensões do poder ou dos partidos políticos, juntamente com o povo em geral, repetiram os movimentos nas ruas em todo o Brasil; desta vez, para protestar contra os aumentos abusivos dos transportes públicos, contra a corrupção, os maus serviços públicos e contra a impunidade.

Os governantes escondem-se nos palácios, mistificando o povo com o futebol, o carnaval, o bolsa família, o bolsa estiagem, a luz para todos e muitos outros programas que mais servem para manipular o futuro eleitor do que respeitar a dignidade do cidadão.

O povo já não tolera as taxas, os impostos, as contribuições, os programas assistencialistas que fazem do pobre refém dos governantes de plantão, os gastos com propagandas para perpetuação no poder, a construção dos monumentais estádios de futebol, resultando na contribuição exagerada para manutenção do status quo, sem compromisso algum com os programas anunciados antes das eleições; afinal, todo o dinheiro ganho pelo cidadão em cinco meses é recolhido pelo poder público para funcionamento da máquina estatal. E o pior é que não se vê aplicação desses recursos em benefício do povo.

A crise pela qual passamos já desfigurou o Legislativo, agigantou o Executivo e torna frágil o Judiciário, que mais se presta para assegurar o poder das elites do que propriamente para distribuir justiça para os necessitados.

A judicialização, tão criticada, é fenômeno imposto pelas autoridades públicas, seja através das arbitrariedades praticadas contra o indefeso cidadão, que se obriga a reclamar contra o Estado, seja pelas ações de cobranças, por vezes de valores insignificantes. Registra-se que, na mudança de governo, centenas de executivos fiscais são encaminhadas ao Judiciário.

Onde o respeito à Constituição, quando assegura que "o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população"? 

Em função de tudo isso e muito mais, a morosidade da justiça já não constitui novidade, mesmo com a garantia constitucional de razoável duração do processo; a situação se assemelha com a seca no Nordeste, promete-se solução, mas não se toca nos pontos nevrálgicos, capazes de agilizar a máquina.

E os problemas internos da magistratura passa pela manutenção de lei promulgada pela ditadura militar por culpa exclusiva do próprio Judiciário que não demonstra interesse em encaminhar o projeto de lei para o Congresso Nacional, conforme preceito constitucional de 1988. Esse estatuto desatualizado e ditatorial concede férias e recesso para os magistrados de 75 dias no ano; punição para juízes corruptos de disponibilidade ou de aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais.

O orçamento, os servidores, os juízes, enfim todo o patrimônio físico dos tribunais continua sendo dirigido por presidentes de tribunais que não possuem maiores aptidões administrativas, contribuindo apenas para prolongar o estouro do barril de pólvora.

O Judiciário da Bahia é achincalhado com muita frequência sob o argumento de que os juízes não julgam. Ninguém aparece para orientar. Mas como julgar se não tem juiz, não tem servidor, não tem fórum; e quando tem juiz, falta promotor e quando tem promotor não existe delegado nem presídio. Enfim falta estrutura humana para trabalhar.

Já dissemos em outros trabalhos que o devedor, o Estado infrator, o bandido, o corrupto são premiados pelo sistema judicial, pois quem é credor, quem cumpre suas obrigações de cidadão, quem é honesto deve contratar advogado, passar por muitos aborrecimentos, perder muito tempo e esperar o julgamento que atrasa muito e, por vezes, mostra-se injusto. Ainda assim, mesmo que seja vitorioso na demanda,  pode ter uma vitória de Pirro, ou seja, ganha, mas não leva. A impunidade anima os marginais, porque o processo de homicídio, por exemplo, passados 20 anos sem julgamento ocorre o fenômeno da prescrição, ou seja, o criminoso sem pena, em função da incúria do Judiciário.

A justiça de toda a Bahia ressente a falta de concurso público, mas o interior passa por maiores agruras, pois dá-se a promoção do juiz e não se cuida do andamento dos processos nas comarcas que ficam acéfalas, apesar de dispositivo legal impedir o deslocamento dos promovidos sem a posse do novo titular. A solução encontrada é simplista, consistente na desativação de 37 comarcas, medida inusitada nos anais do Judiciário do Brasil, mas registrada na Bahia. O outro grande equivoco cometido pelo Tribunal, por interferência política, foi criar comarca sem servidor e sem fórum.

Mas o CNJ sabe de tudo isso, porque a Corregedoria das Comarcas do Interior já pediu providências que nunca chegam.

Os cartórios sedimentam rotinas do trabalho costumeiro, um servidor passa para o outro os vícios ou acertos que aprendeu, sem que haja treinamento algum para os aprovados antes da assunção no cargo, porque a preocupação maior reside no ato de nomeação.

Enfim, prioriza-se a capital e descuida-se do interior!

São ocorrências verificados no Judiciário e que bem demonstram sua fraqueza, em benefício do monopólio do poder como Executivo.

Há evidente "inoperância, burocracia e desvio de recursos" e o acúmulo de todos esses grosseiros erros apressa o estrondo do barril de pólvora. 

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* Antonio Pessoa Cardoso é desembargador do TJ/BA e corregedor das comarcas do interior.


 

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