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República

"Dizem que essa figura estampada em todas as cédulas da nossa moeda nacional representa a República do Brasil. Não conheço nada mais atual e representativo de um estado de coisas tão melancólico."

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Atualizado em 2 de agosto de 2013 13:46

De um modo geral, o dinheiro demora a chegar ao bolso, mas quando sai é rápido e a gente quase nem percebe direito a configuração da cédula.

Estou aqui com uma cédula de cinco reais - de um lado o desenho de uma garça com os pés afundados num lago qualquer, o bico reto, o olhar concentrado, certamente a mirar a sua presa na caçada.

Do outro lado, não sei se é o anverso, essa figura de ar vencido, triste, expressão de desânimo como se não mirasse em nada, até porque tem os olhos arregaladamente ocos, melhor dizendo, vazados.

Dizem que essa figura estampada em todas as cédulas da nossa moeda nacional representa a República do Brasil. Não conheço nada mais atual e representativo de um estado de coisas tão melancólico.

A República nas cédulas parece impaciente, talvez incomodada, como se dissesse me tira daqui, me tira daqui. Em quantos quadrantes deste nosso mui amado Brasil, a República em sua concepção ideológica e verdadeira efetivamente chegou?

O país seguia sossegado sob o poder moderador de um monarca tolerante, intelectual, mais a influencia de uma filha politica e de um genro querido, sim, mas quem não os tem, quando um marechal amigo meio sem saber direito das consequências do que fazia, tirou o boné e erguendo-o de cima de um cavalo bradou - Viva a República!

Poucos sabiam o que era aquilo. O próprio Imperador, ao sabê-lo, não opôs resistência. Houve quem dissesse que ele também já não aguentava mais a coroa.

A República, sobre cujos pilares se assentam os princípios da igualdade de todos perante a lei e o da rotatividade dos governantes que devem ser eleitos livremente, sem fraudes e sem abusos de poder, desponta nas cédulas da moeda nacional brasileira com esse ar de quem só inspira frustração e melancolia.

O Lobão uma vez me contou que antevendo a quebradeira no Banco do Estado mandou identificar todos os inadimplentes pretendendo algum acordo ou, em ultimo caso, a execução das dívidas.
Um dia foi procurado no Palácio por um deputado que o questionou. Mas, governador, o banco não é do Estado? É sim, do Estado. O senhor não é o governador do Estado? Sim, sou o governador do Estado? E eu não sou deputado do Estado? Sim, deputado, o senhor é deputado do Estado. E então, o senhor é governador do Estado, eu sou deputado do Estado e sendo o Banco do Estado, então doutor Lobão, o banco é nosso!

Não foi piada, não. O deputado existiu mesmo, com nome, sobrenome e grotão eleitoral.

Fico ainda a contemplar na minha cédula de cinco reais a figura de ar sombrio, triste, de olhar nenhum que alguém desenhou e algum burocrata achou que é a cara da República brasileira. Mesmo.

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* Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA.




 

 

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