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Anonymous e Black Blocs: Liberdade de expressão X garantia da ordem pública

O povo brasileiro pode e deve protestar em razão do que acredita ser desonesto, pejorativo e, portanto, prejudicial para desenvolvimento do país.Entretanto, há regras que precisam ser observadas, justamente para harmonizar todos os direitos trazidos em nosso ordenamento.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Atualizado em 16 de setembro de 2013 13:59

Em virtude do feriado nacional de 7 de setembro, diversas decisões - notadamente no Rio de Janeiro - foram amplamente difundidas pela imprensa no sentido de proibir manifestantes mascarados de participarem de protestos nas ruas, sob pena de condução coercitiva à delegacia de polícia, para identificação civil e criminal da pessoa encapuzada.

Inicialmente, destaca-se que muitos movimentos foram citados como grandes forças das manifestações, tais como o Passe Livre; Anonymous (integrantes adotam a famosa máscara do filme "V de Vingança") e os Black Blocs. Estes últimos são conhecidos como um movimento de protesto contra a ordem estatal em que seus integrantes se vestem de preto e todos se apresentam obrigatoriamente mascarados.

Ainda assim, tem aquelas pessoas que não participam de movimento algum, mas que também escondem seu rosto (com máscaras ou camisetas amarradas à face) para protestar.

Pode-se verificar, deste modo, que interessantes questões jurídicas emanam do tema em apreço e instigam o curioso intérprete a racionalizar a aplicação do direito pátrio. Tem-se que os direitos da personalidade nada mais são do que uma fatia dos direitos fundamentais da pessoa humana, com a mesma proteção e alcance.

Previstos no capítulo II, do título I, artigos 11 a 21, do atual Código Civil (em consonância com a CF/88, em seu artigo 5º), os direitos da personalidade podem ser compreendidos como um conjunto de qualidades inerentes à pessoa humana e que são tutelados pelo Direito.

Dentre esses direitos, destaca-se o direito à integridade intelectual (liberdade de pensamento e de expressão, por exemplo) e à integridade moral (honra, privacidade, imagem e identidade, por exemplo). Todos esses citados aparecem de maneira bastante contundente nos atos de protesto do país.

Com efeito, o povo brasileiro pode e deve protestar em razão do que acredita ser desonesto, pejorativo e, portanto, prejudicial para desenvolvimento do país.

Entretanto, há regras que precisam ser observadas, justamente para harmonizar todos os direitos trazidos em nosso ordenamento. Quer-se com isso afirmar que, ainda que haja proteção à identidade, imagem, liberdade de expressão e de pensamento, até mesmo em grau constitucional, não se deve esquecer das limitações que garantem o uso proporcional e razoável das garantias. Canotilho, muito sabiamente, já advertia a respeito da aplicação do princípio da proporcionalidade que deve ser ponderado cum grano salis.

A mesma CF/88 garante a livre manifestação do pensamento, mas veda o anonimato (art. 5º, inciso IV) como forma de garantir o direito de resposta. Do mesmo modo, nosso Código Civil traz restrições aos direitos de personalidade (art. 20), mencionando expressamente a manutenção da ordem pública como situação excepcional.

Logo, sob o prisma dos direitos da personalidade das pessoas envolvidas nos atos de protesto, tem-se que a limitação destas ações, obrigando que todos se apresentem sem suas máscaras, é lícita e apta a garantir que os protestos ocorram respeitando-se a integridade dos envolvidos, não apenas dos manifestantes.

Outra questão importante atinge a seara penal: qual o embasamento legal para que a Justiça Estadual pudesse estabelecer a restrição sub studio? Considerando que, nos moldes do artigo 22, inciso I, da CF/88, a União possui competência privativa para legislar sobre Direito Penal e Processual Penal, resta necessária que uma lei Federal regule a matéria em questão.

Nestes termos, a vedação foi estabelecida com base na lei 12.037/09, que prevê a identificação quando necessária às investigações. Ora, se muitas pessoas usam o subterfúgio do protesto para cometer crimes de dano (em que pese grande parte da imprensa e da cultura popular atribuir a prática de vandalismo aos protestos com violência, são crimes distintos. O vandalismo está previsto na lei de crimes ambientais, art. 65; enquanto que o crime de dano está no artigo 163, do Código Penal) torna-se necessária atuação firme e convergente do Poder Judiciário, Ministério Público, OAB e as polícias para inibir essa prática delitiva.

É certo que muitos dos presentes (se não a maioria) estão protestando de forma lícita, por acreditar em valores que devem ser por todos respeitados. Nada obstante, existem arruaceiros (que nada mais são do que verdadeiros criminosos) que se valem desta legítima manifestação popular para saquear lojas, danificar o patrimônio de lojistas que trabalham de forma honesta e causar grave instabilidade à ordem pública.

Tanto é que a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou projeto de lei que proíbe a utilização de máscaras em protestos, com exceção de eventos culturais como o carnaval, por exemplo. Segue agora para a sanção do governador. Idêntica propositura foi feita na Câmara Federal pelo deputado Jorge Tadeu para incluir o artigo 40-A à lei das contravenções penais com a intenção de penalizar aquele que fizer uso de máscaras em manifestações populares.

Logo, a imediata identificação da pessoa mascarada, como forma de garantir a responsabilização em investigação de crimes de danos ou de qualquer natureza conexos com os protestos é medida de rigor e em nada afronta os ditames legais. "A violência é força sem medida, acentua Bobbio. A força é violência com medida. E dela distingue três aspectos: segundo se aja com medida, conforme a medida, com a finalidade da medida. O guarda é expressão de força, mas é um bom guarda se age com medida, fazendo gestos regulares, claros e precisos, conforme a medida, aplicando fielmente o regulamento, com a finalidade da medida, se aje com o objetivo de restabelecer a ordem". 1

Por fim, mas não menos importante, deve-se atentar para o basilar princípio do nemo tenetur se detegere (a ninguém é lícito produzir prova contra si mesmo). Poder-se-ia imaginar que, na hipótese de alguém ser compelido à identificação civil e criminal na delegacia de polícia, haveria grave ofensa a esse princípio.

Não se pode perder de vista, todavia, que se trata de uma ação prévia, de cunho investigativo (a autorizar a incidência da lei 12.037/09). Isto é, não diz respeito ao fato já praticado, mas sim a uma atuação preventiva da polícia militar, totalmente de acordo com as normas vigentes (um policial militar possui a autoridade de exigir a identificação de qualquer pessoa quando se está diante de uma situação de anormalidade da ordem pública, sob pena de se frustrar toda a garantia e proteção que os policiais trazem à sociedade em geral).

Portanto, ante todo o exposto, conclui-se que o Poder Judiciário do Rio de Janeiro (assim como os das demais unidades da federação que agiram de forma similar) com acerto inquestionável: o povo pode e deve protestar, até porque é o titular do poder, conforme artigo 1º, parágrafo único, da CF/88.

Porém, é preciso que os oportunistas, cuja única finalidade é se aproveitar da manifestação popular para promover a prática de crimes, sejam devidamente identificados e punidos, pois assim se garante ainda mais credibilidade à importantíssima manifestação dos brasileiros, que não se coadunam com a prática de condutas lesivas ao interesse de toda a coletividade.

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1 Bobbio, Norberto. O terceiro ausente: ensaios e discursos sobre a paz e a guerra. Tradução Daniela Beccaccia Versiani; Barueri, SP, Manole, 2009, p. 192.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado e advogado; Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado e pós-graduado "Lato Sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.

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