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Sem Heroísmos

Por que nós, brasileiros, já estamos com tanto medo assim de entrar numa ambulância, isso quando há ambulância?

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Atualizado em 3 de outubro de 2013 18:03

Imagina só alguém caído no meio-fio da avenida, o sangue escorrendo feio. Num primeiro momento nem dá para se saber exatamente. Mas depois se sabe que o sangue que escorre sai de algum lugar da cabeça.

Mais curiosos vão chegando à cena e de repente uma voz de medo dá mais relevo ao pânico propondo chamar uma ambulância, chamem uma ambulância com urgência, uma ambulância, por favor.

Não, não, ambulância não, reage o homem caído no meio-fio do calçadão, estancando com a mão o sangue que ainda lhe escorre da testa. Ambulância não, pelo amor de Deus, ambulância não.

Temendo ser vencido, afinal já era possível ouvir ao longe a sirene da ambulância, o homem tira a camisa e a enrola comprimindo-a no lugar da ferida, monta na bicicleta de guidão retorcido e parte com a cabeça enfaixada como se fosse um fugitivo da guerra no Afeganistão.

Todos nós temos um momento de dissimular o medo não fazendo questão nenhuma em bancar o herói.

É o medo que viaja, sim, meu camarada, por todos os trilhos da terra. Quando o medo com sua voz interior nos fala bem alto, temos que ser muito precavidos.

Mas por que nós, brasileiros, já estamos com tanto medo assim de entrar numa ambulância, isso quando há ambulância?

A cidadania no Brasil se afirma ainda que a conta-gotas, mas o bastante para seguir desconfiando cada vez mais dos serviços públicos de saúde, de educação, de segurança, de transportes, de agua potável e se enumerarmos aqui as mazelas todas, nem haverá espaço.

Todos nós concordamos todos que o dinheiro público disponível para uma politica de saúde que possa ser levada a serio não é o bastante. Concordamos também que muito desse dinheiro se perde nos desvios e nos desperdícios.

Houve o tempo das AIH - Autorizações de Internação Hospitalar que faziam a festa dos políticos que para serem donos de hospitais nem precisavam entender de medicina.

Que nem hoje. Para serem donos de faculdades nem precisam ser professores, nem mesmo terem algum rudimento de educação.

O quente hoje é ter o controle das verbas da saúde e ao mesmo tempo da educação em alguma Prefeitura ou Secretaria de algum Estado.

As verbas da saúde e da educação são de repasses obrigatórios. São razões mais certas. Infalíveis. Por isso mesmo, as preferidas dos políticos nos acordos para as eleições e até da agiotagem informal no financiamento das campanhas.

A falta de médicos sobre a qual se faz até marketing político por aí é hoje apenas um detalhe de um problema que se avoluma e mais se agrava a cada dia.

Já nem é mais impactante dizer, por exemplo, que a saúde pública em tudo quanto é lugar no Brasil pede socorro. Ambulância, não! Pelo amor de Deus, ambulância não.

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* Edson Vidigal é ex-presidente do STJ e professor de Direito na UFMA.

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