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A perene questão dos dividendos

Ninguém em boa consciência entra para uma sociedade, como acionista ou sócio, sem objetivar o recebimento de lucros diante de seu investimento de capital.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Atualizado em 28 de janeiro de 2014 13:17

Um aspecto essencial das sociedades anônimas - e, também das limitadas - diz respeito aos dividendos, ou seja, à distribuição dos lucros. Porque ninguém em boa consciência entra para uma sociedade, como acionista ou sócio, sem objetivar o recebimento de lucros diante de seu investimento de capital.

Tanto que, o direito a dividendos é consagrado (art.109 I da lei 6.404) como direito essencial dos acionistas, não podendo deles ser privado nem pelo estatuto social nem pela assembleia geral. O direito político por excelência, o direito ao voto não se a ha assim contemplado, podendo sofrer limites e supressões pelo estatuto (art.111).

Quanto às limitadas não há no trato específico deles, no CC, sua lei básica de regência, nenhuma qualificação da essencialidade na participação nos lucros, mas o art. 997, VII, do código, cuidando das sociedades simples, afirma que o contrato social deve conter cláusulas sobre distribuição dos lucros. Ora, como o artigo 1.053 prevê que as limitadas, na omissão de regras próprias se regulam pelas normas das sociedades simples, vemos aí a compulsória inserção da distribuição de lucros no seu contrato social. De resto, se expressa à opção legal (art.1053 parágrafo único) pela subsidiariedade da lei das anônimas as limitadas estariam cobertas pela compulsoriedade de pagar dividendos contida na lei 6.404.

Resta o problema de sua quantificação, algo que inexistente em outros tratos legislativos só encontra regras na própria lei 6.404.

A questão se centra em que tais balizas legais se restringem ao patamar global de um dividendo mínimo obrigatório, (art. 202 da lei) e a regulação de sua eventual limitação (Inciso II do artigo acima), o modelo de sua quantificação dentro limite GLOBAL (parágrafo 1º DO MESMO ARTIGO). Veja se que já aqui o legislador determinou que essa quantificação há que ser feita "com precisão e minúcia" e não sujeite os minoritários "ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria".

Aqui encontramos o reflexo desses princípios básicos da apropriação dos lucros por acionistas e sócios. Ou seja, há uma certa maleabilidade para que o estatuto, contrato social, ou mesmo a assembleia modelem o quantum ,fixo ou percentual sobre o lucro ou sobre o capital investido mas dentro de parâmetros de precisão e clareza e sem abuso de poder.

Traduzindo tais normas abstratas em exemplificação corrente, qualquer deferimento razoável de lucros a uma classe de acionistas ou mais de uma, seria aceitável, desde que não se lhes suprima um básico acesso aos lucros. De se ver sempre que, no caso das ações preferenciais alterações nas preferências em dividendos ou criação de uma classe com mais vantagens permite direito de recesso pelos prejudicados (arts. 136 I e 137 da lei 6.404)

A desproporção de lucros distribuíveis face à matemática numérica do capital encontraria obstáculo no art. 109 da lei, em seu parágrafo 1º, tratando, pois de direitos essenciais dos acionistas e expressando que "as ações de cada classe conferirão iguais direitos aos seus titulares". Assim observa Carvalhosa nos seus comentários à lei 6.404 (2º vol. pgs.337/338)

"Com efeito, não pode o acionista dispor e renunciar em abstrato e a priori os direitos essenciais declarados na lei".

O entendimento é bem questionável, pois uma coisa seria total exclusão do acionista dos lucros distribuíveis, outra coisa seria o estatuto social contemplar um aporte de dividendos desproporcional ao numero de ações. Outra coisa não faz a lei quando permite ao ato estatutário distribuir dividendos mais generosos em valor aos preferencialistas.

Há quem sugere o emprego de ações preferenciais de classes diversas para resolver a questão de pagar mais dividendos por ação a certos acionistas. De todo modo, os minoritários ficam protegidos pelas regras dos arts. 136 I e II e 137 da lei, quando lhes abre a porta do recesso, com reembolso de suas ações.

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* João Luiz Coelho da Rocha é advogado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados.

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