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A falaciosa determinação da aplicação da guarda compartilhada

Deve-se sempre buscar o que é mais vantajoso e benéfico para o crescimento sadio do menor.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Atualizado em 14 de março de 2014 14:39

A guarda dos filhos, assim como todo o Direito de Família, veio a sofrer alterações, como o caso do parágrafo 2º do artigo 1.584, em seu inciso II, acrescentado pela lei 11.698/08, que aduz que, "quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada sempre que possível a guarda compartilhada".

Com o divórcio dos pais, os filhos menores diante de uma intensa relação de litigiosidade entre os pais, acabam por ficar a mercê da decisão do magistrado, que não raro tem feito a aplicação do tal dispositivo elencado. O possível fator da alienação parental tem sido o maior responsável pela recusa da aplicação da guarda individual exclusiva.

Todavia, se não há consenso entre os pais, se torna falaciosa a aplicação da guarda compartilhada, ora, se não é possível um mero acordo a respeito da convivência familiar do menor, imagine em relação às decisões do cotidiano, tão corriqueiras e essenciais para a formação deste.

Em comentário ao aludido dispositivo, AURÉLIA L. BARROS CZAPSKI aduz que, o compartilhamento poderia ser interessante desde que existisse consenso entre os pais, o que veio a ser afastado pela nova lei, que faz a previsão em sentido antagônico1. Para JORGE SHIGUEMITSU FUJITA, o exercício da guarda compartilhada exige a compreensão e a boa vontade dos pais, o que após a separação se tornam elementos de rara presença, não existindo em um relacionamento hostil entre estes, que também devem continuar residindo nas imediações um em relação ao outro2. ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO ensina que a guarda compartilhada é uma boa iniciativa para os pais que demonstram amizade e não se mostram egoístas para com eles e suas opiniões em relação à criação dos filhos3.

MARIA BERENICE DIAS diz que a guarda compartilhada é possível, mas, "sua aplicabilidade exige dos cônjuges um desarmamento total, uma superação de mágoas e das frustações que porventura ainda tenham para que, ao final, não se torne inócua a medida, ou, pior, fomentadora de mais problemas do que soluções". Conforme dito em sua previsão final, é comum que esta modalidade de guarda, por determinação, venha a ocasionar futuras contendas entre os pais, acometidos por atos de revanchismo, que não admitem que o antigo parceiro, decida sobre a vida do filho, levando todas as futuras questões para o judiciário.

A jurisprudência mostrou-se acertada logo após o acréscimo no texto legal, como no seguinte caso em tela:

Ação de guarda de menor. Guarda Compartilhada. Relação conflituosa entre os genitores. Impossibilidade. Risco de ofensa ao princípio que tutela o melhor interesse do infante. Procedência do pedido. Provimento da irresignação. Inteligência do art. 227 da Constituição da República e arts. 1583 e 1584 do Código Civil, com redação dada pela Lei n. 11.698/2008. A guarda compartilhada não pode ser exercida quando os guardiões possuem relação conflituosa, sob o risco de se comprometer o bem-estar dos menores e perpetuar o litígio parental. Na definição de guarda de filhos menores, é preciso atender, antes de tudo, aos interesses deles, retratado pelos elementos informativos constantes dos autos. (TJMG, Ap. cível n. 1.0775.05.004678-5/001/Coração de Jesus, 5ª Câm. Cível, rel. Des. Dorival Guimarães Pereira. J. 07.08.2008, DJEMG 27.08.2008)

O maior problema de tal determinação são as futuras contendas ocasionadas pela guarda compartilhada, que atolariam ainda mais o Judiciário, pois quaisquer problemas nas decisões sobre a vida do filho logo seriam levados a este. Há uma série de exemplos que podem ser citados, como o caso da escolha do colégio, em que os pais dificilmente entram em algum consenso, às vezes até pela distância em que ambos residem.

A solução se dá pelo argumento que antes existia, e foi afastado pela nova lei, onde os aplicadores do Direito entendiam que a guarda compartilhada só seria possível e eficaz se existisse consenso entre os pais, o que se mostrava e ainda se entende como lógico, ao contrário da falsa inteligência do novo dispositivo que determina a sua aplicação nos casos em que não há o mínimo de consenso entre estes. Bem como, se deve sempre buscar o que é mais vantajoso e benéfico para o crescimento sadio do menor e não apenas o que venha a satisfazer o interesse individual de apenas algum dos pais.

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1 CZAPSKI, Aurélia L. Barros, CHINELLATO. Silmara Juny (org). Código Civil Interpretado artigo por artigo, parágrafo por parágrafo, 6.ed. São Paulo: Manole, 2013. p. 1334.

2 FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009. p.90.

3 In: FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009. p.90.

4 BERENICE DIAS, Maria.Manual de Direito das Famílias, 5º ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 402.

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* Guilherme Oliveira Atencio é do escritório Clito Fornaciari Júnior - Advocacia.

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