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O assédio sexual e a revista íntima no ambiente de trabalho

Abuso de mulheres é uma realidade social que urge por mudança.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Atualizado às 09:34

O século 20 é noticiado como o "boom" da inserção da mulher no mercado de trabalho. Todavia, a mentalidade social não caminha na mesma velocidade que as questões econômicas. Uma pesquisa divulgada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) indica que 52% das mulheres economicamente ativas já foram assediadas sexualmente. Tal resultado demonstra uma situação flagrante: o abuso de mulheres é uma realidade social que urge por mudança.

O assédio sexual pode ser entendido como "conduta de natureza sexual não desejada que, embora repelida pelo destinatário, é continuadamente reiterada, cerceando-lhe a liberdade sexual", conforme explana o jurista Rodolfo Pamplona. Em outras palavras, é qualquer ação de cunho erótico indesejada pela vítima, que lhe cause constrangimento. Ressalta-se que para a caracterização do assédio sexual não há necessidade de que o ato seja praticado diversas vezes pelo assediador, basta uma única conduta para ser caracterizada a conduta ilícita que infringe a intimidade da vítima.

A lei 10.224/01 alterou o art. 216-A do CP para prever uma sanção de um a dois anos de prisão para o autor do assédio. Na esfera trabalhista, a punição por tal ato ocorre através da condenação em pagamento pecuniário pelos danos morais causados.

A caracterização do assédio não exige que a atitude seja realizada através de um contato físico. Qualquer expressão verbal, incluindo as famosas cantadas, pode, se feita de maneira ostensiva, inconveniente ou que cause constrangimento à vítima, ser enquadrada como assédio.

No entanto, as investidas precisam ser comprovadas pela vítima, e é aí que reside a dificuldade nesse tipo de ação. A prova pode ser uma gravação, uma testemunha, um e-mail ou outro tipo de mensagem trocada por meio eletrônico ou não. Essa exigência faz com que grande parte dos processos não logrem êxito.

Outro ponto que gera controvérsia é o valor do dano moral que, em geral, não é alto. Raramente a indenização ultrapassa os R $ 10 mil, que não atinge o objetivo pedagógico da medida. Tal fato não coíbe a prática, ou sua prevenção, especialmente nas grandes empresas (que têm recursos financeiros amplos para pagar o dano moral), terreno fértil para a ocorrência desses casos.

Importante destacar também o assédio sexual ambiental, que nada mais é quando a conduta de assediar sexualmente algum empregado parte dos demais empregados da empresa. Ou seja, o assédio sexual também pode ser caracterizado quando o autor do assédio não é o superior hierárquico e sim os próprios colegas de trabalho da vítima, sendo que neste caso o responsável por reparar o dano causado é o empregador, que tem o dever de observar as condutas de seus funcionário e coibir tais atitudes ilícitas.

Outro fato que pode acarretar indenização por dano moral no ambiente do trabalho, que atinge a intimidade da trabalhadora tanto quanto o assédio sexual é a revista intima.

Podemos conceituar como revista íntima qualquer espécie de revista que atinja a intimidade do empregado. É o meio pelo qual o empregador revista o empregado de modo a lhe ferir o direito à intimidade, como forma de proteger o patrimônio da empresa. Frise-se que a proteção à intimidade é garantida pelo artigo 5º, X da Constituição Federal.

São exemplos de revista íntima o casos em que o empregador determina para que seus empregados tirem a blusa, abaixem as calças, fiquem nus. A revista íntima consiste ainda pelo fato do empregador revistar bolsas, mochilas, armários, sacolas, e até mesmo apalpar seus empregados em busca de bens ou pertences furtados da empresa.

Tanto a CLT (artigo 273-A, VI) quanto à jurisprudência vedam a revista íntima para mulheres no ambiente de trabalho, haja vista a revista íntima ferir a intimidade da trabalhadora. Ainda, para que o empregador possa proceder a revista aos pertences da trabalhadora, como bolsas, mochilas ou sacolas, é necessário que tal conduta seja estabelecida através de cláusula específica em Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho, e depende ainda do ramo de atividade praticado pelo empregador, sob pena de anulação da referida cláusula normativa pelo Poder Judiciário e a consequente condenação do empregador em indenizar por danos morais a trabalhadora submetida à tal situação vexatória.

Insta observar que, além da vedação expressa na CLT, atualmente existem diversos métodos que o empregador pode utilizar para coibir possíveis furtos no ambiente do trabalho, como por exemplo, fornecer uniformes sem bolsos, disponibilizar armários para que as empregadas possam guardar seus pertences ou bolsas fora do ambiente do trabalho, dispositivos de segurança nas mercadorias com detectores nas portas do estabelecimento de emprego, entre outros, evitando assim que as trabalhadoras passem por tamanho constrangimento ao serem coagidas à revista íntima. Destaca-se ainda que, até as câmeras instaladas no ambiente de trabalho precisam seguir algumas regras, como por exemplo, não podem ser instaladas em banheiros ou vestiários das empresas.

Nesse contexto, tanto como na configuração de assédio sexual, caso o empregador exponha a trabalhadora em situação vexatória através da revista íntima, gera o direito à reparação por dano moral, com o intuito de coibir tais atitudes no ambiente de trabalho, uma vez que deve ser preservada a intimidade da trabalhadora. Em resumo, apesar de tantos avanços em nossa cultura, costumes e legislação, vê-se o quão importante é o desenvolvimento de mecanismos de proteção à mulher pelo Poder Legislativo e Judiciário, não limitando apenas em relação aos constrangimentos e dissabores advindos do ambiente de trabalho, mas também dentro de seu próprio lar e nas demais relações em que a mulher possa fazer parte, com o principal objetivo de manter intacta sua integridade moral, física e psíquica.

Principais vítimas desse abuso, as mulheres, devem ficar atentas à ocorrência dessas situações, buscando, sempre que possível, meios para registrar a investida, visando a condenação desse ato libidinoso. Cabe, ainda, à sociedade por inteiro, denunciar a situação aos órgãos de controle, tais como sindicatos da categoria e o Ministério Público do Trabalho. Fato é que a perspectiva histórica do machismo e da subjugação da mulher tende a se perpetuar, caso essas ações continuem em segredo.

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*Aline Carla Lopes Belloti é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.





*Vítor Santos de Godoi é advogado do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.






 


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