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STF: Prorrogação de competência em caso de prerrogativa de foro

STF: Prorrogação de Competência em caso de Prerrogativa de Foro

A regra de competência absoluta deve ser respeitada e, uma vez infringida, torna nulo qualquer ato judicial praticado no processo.

domingo, 13 de abril de 2014

Atualizado em 11 de abril de 2014 10:45

Recentemente, o STF analisou uma questão extremamente corriqueira, especialmente sob o prisma político-jurídico no Brasil: políticos que são processados e, no decorrer da ação, terminam seu mandato ou são eleitos para outro, diverso1. Qual juízo será o competente para continuar a analisar a ação?

Sendo assim, o STF precisou enfrentar este promissor impasse a fim de averiguar qual o juízo competente para analisar recurso interposto por réu que, na data do julgamento de sua apelação (Tribunal de Justiça julgou parcialmente procedente a ação), foi eleito deputado Federal.

Desta feita, ante a prerrogativa de foro que acobertam os deputados Federais para serem julgados pelo STF, recorreu a defesa pedindo a nulidade do referido acórdão e, consequentemente, da condenação, para que o STF analisasse o mérito da ação.

Prima facie, há que se destacar que, por força do artigo 102, inciso I, letra "b", da Constituição Federal (matéria de competência absoluta, portanto), compete ao STF processar e julgar os membros do Congresso Nacional (evidentemente compreendidos os deputados Federais). Este fato, por si só, já enseja a incidência da conhecida vis atractiva do STF, fazendo com que os processos em curso "subam" até o Supremo quando o réu se tornar membro do Congresso Nacional (além das demais hipóteses contidas no referido artigo constitucional).

Portanto, em um primeiro momento, tem-se por acertada a opção da defesa em recorrer ao STF, para que esse Tribunal pudesse analisar o mérito da ação, vez que o réu foi eleito deputado Federal e, assim, faz jus à prerrogativa de foro constitucionalmente previsto.

Ocorre que o caso sub studio possui uma peculiaridade bastante interessante: a defesa conhecia o fato do réu já estar eleito para o cargo de deputado Federal antes do início do julgamento. Entretanto, optou por aguardar o deslinde da causa e, ao verificar o acórdão parcialmente procedente (logo, contrário aos interesses do réu), comunicou, na data do julgamento, o fato de que o réu não poderia mais ser julgado por Tribunal de Justiça, dada a vis atractiva que, naquele momento, já se estendera ao STF.

Desta feita, o STF reforçou seu entendimento de que se trata, de fato, de competência absoluta e que os membros do Congresso devem ter seus processos remetidos ao Supremo.

Nada obstante, tendo em vista relevante peculiaridade do caso concreto, em que se vislumbra a má-fé processual, com fim evidente de protelar ainda mais o julgamento da ação, o STF julgou válido o acórdão proferido por Tribunal de Justiça.

Com efeito, a regra de competência absoluta deve ser respeitada e, uma vez infringida, torna nulo qualquer ato judicial praticado no processo. Todavia, até mesmo em razão do princípio da instrumentalidade das formas, evidenciando-se fato reprovável que beneficia seu perpetuador, a nulidade dele decorrente não pode ser reconhecida, sob pena de flagrante injustiça.

Por fim, destaca-se outra posição do STF, em situação contrária à ora abordada: em meados de 2009, o Supremo definiu, por meio de julgamento em Plenário que, uma vez estando com o STF a ação, ela jamais regressará à Justiça comum.

Isto é, imagine-se que um deputado Federal esteja sendo processado no STF. Como sabido, a ação terá seu trâmite bastante lento, nada impedindo que o réu não mais seja deputado Federal à época do julgamento (não teria mais o foro privilegiado).

Mesmo neste caso, a ação permanecerá na Suprema Corte, definindo o STF que quando o réu perde a prerrogativa de foro no curso da ação já iniciada no Supremo, não haverá deslocamento da competência para a Justiça comum2.

Desta forma, ante todo o exposto, há que se atentar para duas situações diametralmente opostas:

a) Quando o réu, no trâmite de ação iniciada na Justiça comum, consegue se eleger para cargos com competências de julgamento do STF, será o processo remetido ao Supremo, em razão de ser matéria de competência absoluta;

b) Destarte, quando o réu tiver foro privilegiado e for processado no STF, ali seguirá a ação até seu término, ainda que o réu não mais possua a prerrogativa de foro.

Por fim, elogiável a postura do STF ao analisar a peculiaridade do caso ora em comento perante uma regra de competência absoluta. Fica mais uma vez evidenciado que a interpretação jurisprudencial tem o condão de buscar toda a elasticidade da norma com a finalidade de adaptá-la às necessidades modernas do suum cuique tribuere. Resta fazer coro ao pensamento de Maximiliano: "A Hermenêutica é ancila do Direito, servidora inteligente que o retoca, aformoseia, humaniza, melhora, sem lhe alterar a essência"3.

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1Informativo 734, STF.

2INQ 2.295/MG, DJe de 5.6.2009

3Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 33.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.



 

* Antonelli Antonio Moreira Secanho é advogado, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.

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