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Se eu fosse jogador de futebol, por Eudes Quintino

Se eu fosse jogador de futebol...

A bola é a personagem que circula por todos os cantos e só se aloja no gol quando for tocada com maestria por algum jogador.

domingo, 22 de junho de 2014

Atualizado em 18 de junho de 2014 15:30

Assistindo aos jogos de futebol, principalmente os disputados nos campeonatos de divisões inferiores, nos quais germinam os futuros craques, projeto-me para o interior do campo e me imagino como um jogador em início de carreira, disputando a peleja exibida pela televisão. Talvez vergue a camisa oito ou a dez, mas com função primordial de trabalhar no meio de campo, justamente por se encontrar numa posição mediana, com a ligação entre a defesa e o ataque. É o símbolo do equilíbrio.

Colocaria várias metas para serem atingidas. Iria aprimorar meu preparo físico para que seja um diferencial entre os demais atletas. Correria mais, pois hoje as equipes contam com técnicos especializados em marcar o tempo de movimentação em campo, até mesmo a velocidade desenvolvida. Saltaria mais alto para que a imagem em câmara lenta pudesse descrever a impulsão majestosa, o rosto contorcido, o suor escorrido para alcançar a bola. Um verdadeiro bailar na altura.

Procuraria ser um exímio batedor de bola parada. Antes, porém, iria estabelecer um contato muito íntimo com a bola. Falar com ela a mesma língua. Quer queira, quer não, é a personagem que circula por todos os cantos e só se aloja no gol quando for tocada com maestria por algum jogador. Ensaiaria a folha seca, com uma pitada de afeto, a trivela, com um arrasador efeito no escanteio, de ponta de pé, para o certeiro pênalti, de rosca, para fazer a bola dançar como um pião, de voleio ou sem-pulo apanhando-a ainda no ar, de bico, o mais simples, o reto, o correto e o mais importante para alcançar a vitória.

Faria lançamentos com mais profusão calculando milimetricamente a trajetória da bola e a velocidade do jogador que se deslocou para recebê-la. Daria dribles curtos, com agilidade e elasticidade. Conversaria com os demais jogadores em campo para mudar a estratégia da partida, mesmo contrariando a ordem do técnico. Viraria o jogo não só no placar, como também de uma lateral para outra. Envolveria a torcida de tal forma que o canto se tornasse um hino para atingir a vitória, arrancando os merecidos aplausos.

É a trajetória perfeita para se chegar à seleção.

Depois de ter sido reconhecido e conquistado a fama procuraria estudar mais, dando preferência para as carreiras relacionadas com a administração de bens e contas bancárias, por onde desembocam expressiva quantidade de dinheiro em razão dos contratos de propaganda. Também me interessaria pela história política e social do meu país para poder repassar à população mais carente o conhecimento necessário de sua cidadania. Daria entrevistas me expressando bem na minha língua e, quando for contratado para jogar no exterior, adotar com a mesma fluência o outro idioma.

Acordo do enlevo e me vejo novamente envolvido naquela partida de futebol, sem graça e sem qualquer atrativo. São realmente onze contra onze e nada mais. São números disputando com números, num ritual cansativo de um vai e vem sem qualquer emoção, dando a impressão de um pacto selado para não abrir o placar. Somente os dois técnicos se agitam e gritam desesperadamente e a torcida ansiosamente aguarda o apito final.

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* Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, com doutorado e pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.



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