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A resiliência do terceiro lugar

Essa realmente é a "Copa das Copas" e por inúmeras razões que passam ao largo de gols, defesas, craques, técnicos, táticas, times, recordes, jogo bonito e torcida. Esse torneio foi o catalisador de revelações fantásticas!

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Atualizado às 08:28

Essa realmente é a "Copa das Copas" e por inúmeras razões que passam ao largo de gols, defesas, craques, técnicos, táticas, times, recordes, jogo bonito e torcida. Esse torneio foi o catalisador de revelações fantásticas! A esquizofrenia de grande parte da imprensa nacional, a bipolaridade de muitos compatriotas, a paranóia de boa parte da população e a mesquinhez do mundo político que quer capitalizar a nossa mega derrota na semifinal. Embora a ressaca seja forte, a vida continua e só nos resta seguir em frente (no futebol e em todo o demais). É como diz a canção de Paulo Vanzolini: "reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira. E dá a volta por cima".

É assim para o Brasil, é assim para a Holanda. Pelo menos, é o que anda dizendo por aí o técnico da seleção neerlandesa. Além de equiparar o nosso 7x1 à perda da semifinal nos pênaltis (em que mundo ele vive?!), ele insiste em se rebelar contra a partida pelo terceiro lugar. Afirma que não tem sentido realizar um jogo entre equipes que não tem chance de conquistar o único prêmio do campeonato. O desânimo dele por perder a taça é tão grande que escolheu como mote para motivar sua equipe a volta para casa sem nenhuma derrota no tempo regulamentar. Seja lá como for, o esporte ensina e exige isto de seus praticantes: resiliência. Cada por si na hora de encontrar sua motivação. Superação, disciplina, humildade, dignidade, etc..

Além da motivação, o selecionado da Holanda tem outras virtudes em que se apoiar. Tem tradição no futebol, sendo considerada uma potência apesar de ainda não ter conquistado um título mundial. Participaram de dez Copas, ocupando o segundo lugar em três delas (1974, 1978 e 2010). Venceram a Eurocopa de 1988. Encantaram o mundo na Copa de 1974 com um esquema tático conhecido por Carrossel Holandês, em que os jogadores não tinham posição fixa e circulavam pelo campo, fazendo a bola passar de pé em pé, até chegar no gol adversário. Nessa época, foram carinhosamente apelidados de Laranja Mecânica. Na Copa 2014, a equipe neerlandesa conta com um dos melhores ataques do campeonato (que inclui um temível 5x1 em cima da Espanha) e uma defesa forte.

E a força holandesa não se limita ao campo de futebol. Na política internacional, a posição de neutralidade, que marcou sua atuação até a invasão alemã durante a II Guerra Mundial, foi substituída pelo destacado apoio à cooperação internacional. Foi membro fundador da OTAN e da Comunidade Europeia. É a sexta maior economia da zona do Euro, altamente industrializada e focada tanto no comércio internacional, como no setor financeiro internacional. Isso significa, evidentemente, que a crise de 2008 impactou sua economia: depois de 26 anos de crescimento econômico ininterrupto, em 2009, houve retração de 3,5%. As medidas governamentais então adotas incluíram a estatização de dois bancos, altos investimentos em instituições financeiras privadas, expansão dos gastos públicos em infraestrutura, benefícios fiscais para evitar demissões e crédito facilitado para exportação. A recuperação (questionável) da economia significou déficit no orçamento público, o que redundou em medidas de austeridade.

No campo das relações de trabalho, há uma certa estabilidade. A taxa de desemprego, embora tenha sido afetada pela crise financeira, é baixa. O arcabouço jurídico tende a ser protetivo. A Holanda é membro da OIT desde 1919, tendo ratificado todas as convenções fundamentais do trabalho e de governança. Atualmente, estão vigentes 67 convenções. Não há registro de violações à liberdade sindical (última observação da Comissão de Expertos da OIT sobre a aplicação da Convenção 98, sobre direito de organização e negociação coletiva, data de 2010). A Justiça não dispõe de um ramo especializado em direito do trabalho.

Mas, é claro que todo mundo tem problemas. Embora a tendência de flexibilização das relações de trabalho tenha sido compensada com a ampliação do sistema de seguridade social (flexiseguridade), isso não foi o suficiente para evitar a precarização das condições de trabalho. Aumento exacerbado da pressão por produtividade e dos riscos à saúde, diminuição da autonomia, da segurança no emprego e das oportunidades de formação e capacitação. Além disso, os gastos crescentes com benefícios da seguridade social, somados a questões demográficas, apontam para a necessidade de reformar o sistema e cortar gastos sociais.

Conclusão: resiliência no futebol, na política, na economia, nas relações de trabalho. Resiliência! E bom jogo para todos nós. No sábado, 12 de julho, e depois.

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* Fernanda Caldas Giorgi é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

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