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O direito dos credores em razão da reorganização societária dos devedores

Linhas gerais sobre o direito dos credores em razão da reorganização societária dos devedores

André da Silva Sacramento

Operações de reorganização societária não prejudicam os direitos dos credores, pois há respaldo legal que os preserva frente a essas ocorrências.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Atualizado em 5 de agosto de 2014 13:38

Inicialmente, destaque-se que esse trabalho não tem a menor intenção de tratar do complexo tema da reorganização societária. A proposta é traçar, em linhas gerais, quais direitos assistem aos credores quando verificadas as hipóteses de transformação, incorporação, fusão e cisão. Colocada essa premissa, passemos ao exame do tema.

Segundo escólio de Fábio Ulhoa Coelho, a reorganização societária ou operações societárias são mutações no tipo ou na estrutura da sociedade empresária. Compreendem a transformação, incorporação, fusão e cisão.1

Entende-se por transformação, a mudança do tipo societário, sem que ocorra sua dissolução, como por exemplo, quando uma sociedade anônima se converte em limitada. Com a transformação, a sociedade continua a existir normalmente, bastando que se realizem às adequações necessárias para sua constituição. Essa operação societária está prevista nos artigos 1.113 a 1.115 do CC/02.

Já a incorporação, prevista nos artigos 1.116 a 1.118 do Estatuto Civil, é a operação pela qual uma sociedade (incorporada) é absorvida (por completo) por outra (incorporadora).2 Com a incorporação, a sociedade incorporada deixa de existir, ocorrendo sua extinção sem dissolução ou liquidação patrimonial, permanecendo apenas a sociedade incorporadora.3

Todos os direitos e obrigações da empresa absorvida são transferidos para incorporadora sem que haja a necessidade de anuência dos credores, os quais, se prejudicados, poderão postular pela anulação do negócio nos termos do artigo 1.122 do Estatuto Civil.4

A fusão, ancorada nos artigos 1.119 a 1.121 do CC/02, consiste na união de duas ou mais empresas para formação de uma nova. A fusão ocorre pela somatória de patrimônios líquidos de duas ou mais sociedades, da qual resultará sua extinção, com o nascimento de nova pessoa jurídica.5

Nessa modalidade, a nova sociedade criada recebe todo o patrimônio das empresas envolvidas na operação, inclusive o passivo, sem a necessidade de anuência dos credores, os quais podem resistir à fusão, tal qual ocorre na incorporação, nos termos do artigo 1.122 acima mencionado.

Por fim, a Cisão consiste na operação societária através da qual uma sociedade transfere para outra (s) parcelas de seu patrimônio ou a totalidade. Fábio Ulhoa Coelho explica que se a operação envolve a versão de parte dos bens da cindida em favor de uma ou mais sociedades, diz-se que a cisão é parcial; quando vertidos todos os bens, total.6 E nessa hipótese, haverá a extinção da cindida.

A cisão está prevista no artigo 229 da lei das sociedades por ações, não tendo sido disciplinada pelo CC, que apenas faz menção no artigo 1.122, que igualmente autoriza ao credor se opor à cessão.

A toda evidência, as operações societárias repercutem na esfera de direito dos credores, os quais tem seus direitos preservados pela lei, o que trataremos na sequência.

Como visto, o artigo 1.122 do Código Civil assegura aos credores o direito e pedir a anulação da operação societária que os prejudique. Naturalmente, o patrimônio da sociedade é que garante o pagamento de seu crédito, sendo que seu perecimento poderá prejudica-lo, o que torna o interesse processual do credor manifesto.

Dispõe o citado artigo de lei:

Art. 1.122. Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.
§ 1º A consignação em pagamento prejudicará a anulação pleiteada.
§ 2º Sendo ilíquida a dívida, a sociedade poderá garantir-lhe a execução, suspendendo-se o processo de anulação.
§ 3º Ocorrendo, no prazo deste artigo, a falência da sociedade incorporadora, da sociedade nova ou da cindida, qualquer credor anterior terá direito a pedir a separação dos patrimônios, para o fim de serem os créditos pagos pelos bens das respectivas massas.

O primeiro ponto a ser observado é que o prazo de noventa dias para ajuizamento da ação anulatória é decadencial. Essa é a lição de Silvio de Salvo Venosa:

O prazo decadencial para o exercício da demanda anulatória é de noventa dias, contados da publicação dos atos relativos à reorganização.7

Como verificado no parágrafo primeiro do citado artigo, o depósito em juízo do crédito prejudicará o pedido de anulação. Se ilíquida, a sociedade devedora poderá suspender o curso da anulatória mediante a caução do juízo. Isso porque, a causa de pedir seria justamente a insolvência das empresas, que acabaria por prejudicar seu direito de crédito.

Mas não é só. Outros mecanismos legais protegem os interesses dos credores diante das operações de reorganização societária.

Na transformação, nos termos do artigo 1.115 do Código Civil, os direitos dos credores não serão afetados:

Art. 1.115. A transformação não modificará nem prejudicará, em qualquer caso, os direitos dos credores.

A lei 6.404/76 prescreve igual direito:

Art. 222. A transformação não prejudicará, em caso algum, os direitos dos credores, que continuarão, até o pagamento integral dos seus créditos, com as mesmas garantias que o tipo anterior de sociedade lhes oferecia.
Isso quer dizer que a transformação da sociedade em nada altera os direitos e obrigações do credor, tampouco, exonera a sociedade que promoveu a restruturação de sua responsabilidade, ficando mantidas as garantias que já assistiam ao credor.
Na incorporação e na fusão, o credor da pessoa jurídica extinta, seja pela incorporação, seja pela fusão, poderá exercer seu direito de crédito contra a incorporadora ou contra a nova empresa criada após a fusão, posto que, a lei expressa nos artigos 1.116 e 1.119 do Código Civil, que tanto a incorporadora quanto a nova empresa formada, sucedem suas antecessoras em direitos e obrigações:
Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.
Art. 1.119. A fusão determina a extinção das sociedades que se unem, para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obrigações.

O mesmo é expresso nos artigos 227 e 228 da lei 6.404/76:

Art. 227. A incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.
Art. 228. A fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações.

Assim, é forçoso concluir que as garantias dos credores são mantidas, bem como, a obrigação das empresas em liquidarem os débitos existentes.

No caso de cisão, a regra é que a responsabilidade das empresas envolvidas na operação, perante os credores da cindida, é solidária, nos exatos termos do artigo 233 da lei 6.404/76:

Art. 233. Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da companhia extinta. A companhia cindida que subsistir e as que absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.

Depreende-se da leitura do dispositivo supra que, tratando-se de cisão total, a (s) empresa (s) que absorver (em) o patrimônio da cindida, terá (ão) responsabilidade solidária pelas obrigações contraídas da sociedade extinta. Em se tratando de cisão parcial, a responsabilidade é solidária pelas obrigações existentes até a data da cisão.

Por óbvio, quando se tratar de crédito decorrente da legislação do trabalho, tributário ou previdenciário, o regime jurídico correspondente confere ao credor garantias para que a operação societária, seja ela qual for, não o prejudique.

Conclui-se, dessa forma, que as operações de reorganização societária não prejudicam os direitos dos credores, pois há respaldo legal que os preserva frente a essas ocorrências de maneira suficiente.

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1 Curso de Direito Comercial, volume 2.: direitos de empresa. .15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 512.

2 Coelho, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, volume 2.: direitos de empresa. .15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 513.

3 Venosa, Silvio de Salvo. Direito civil; direito empresarial. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 206.

4 Art. 1.122. Até noventa dias após publicados os atos relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado, poderá promover judicialmente a anulação deles.

5 Venosa, Silvio de Salvo. Direito civil; direito empresarial. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 206

6 Curso de Direito Comercial, volume 2.: direitos de empresa. .15 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 513.

7 Direito civil; direito empresarial. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 210.

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*André da Silva Sacramento é advogado do escritório CMMM - Carmona Maya, Martins e Medeiros Advogados.

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