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O empresário e a arbitragem

Uma questão de assimetria informacional e de poder econômico?

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Atualizado às 09:22

Quem trafega costumeiramente pela estrada da arbitragem sabe que o instituto tem se desenvolvido largamente no Brasil, especialmente em sua forma institucional, ou seja, conduzida segundo as regras de um centro ou câmara de arbitragem. O número crescente do recurso a esta forma de solução de conflitos está crescendo significativamente ano a ano. Mas nem tudo são flores ou, melhor ainda, algumas dessas flores têm se tornado em ornamento do caixão no qual são enterrados os processos de alguns empresários desavisados que entraram no jogo sem conhecer suas regras e sem saber o preço das fichas. Foi com o objetivo de esclarecê-los que escrevi um livreto intitulado "Os Segredos da Arbitragem para o Empresário que não Sabe nada e para o Advogado que Sabe Pouco". Incluí os advogados como destinatários porque se trata de uma novidade ainda relativa, que muitos jamais estudaram no seu tempo de faculdade, destacando-se que são poucas as escolas que têm incluído a arbitragem nos seus currículos acadêmicos. E quando o fazem dão destaque ao seu lado processual e não ao do chamado negócio jurídico da arbitragem, objeto de curso de pós-graduação estrito senso que ministrei recentemente na USP juntamente com meus diletos colegas Rachel Sztajn e Marcos Paulo de Almeida Salles e que contou como convidado especial o Prof. Guy Horsmans da Bélgica, sendo relevante informar que os trabalhos dos alunos foram publicados na Revista Rede.

Ainda não foi feito, ao que eu saiba um levantamento do número de processos arbitrais que morrem na praia, ou seja, terminam sem sentença definitiva. Precisamente uma das causas mais frequentes é o inadimplemento de uma das partes que, depois de instaurado o processo, não consegue acompanhar os seus custos, especialmente no que diz respeito aos honorários dos árbitros e às despesas de administração da câmara arbitral. No caso de necessidade de perícia a situação é indiferente, pois tal despesa também seria devida no Judiciário. Somam-se, ainda, os honorários dos próprios advogados, que tocam o processo em favor dos seus clientes empresários.

A morte precoce de processos arbitrais se deve muitas vezes à falta de conhecimento dos empresários sobre o assunto e à adoção da arbitragem pelos seus advogados nos contratos celebrados em favor dos seus clientes, descuidados quanto aos fatores acima citados, parecendo que às vezes aderiram à arbitragem como quem segue a moda do momento.

De maneira geral, as partes devem depositar recursos para cobrir os honorários iniciais mínimos dos árbitros, geralmente correspondentes às 100 primeiras horas de trabalho, que serão devidos integralmente ainda que venha a ser feito acordo logo no início da disputa entre as partes. Quando não se trata de árbitro único, o tribunal arbitral no mais das vezes é formado por três componentes, devendo o custo dos honorários, então, ser multiplicado por esse número. Por exemplo, tendo em conta que o preço médio dos honorários arbitrais nas câmaras mais tradicionais é da ordem de R$ 500,00 a hora, um painel arbitral formado por três árbitros custará no mínimo R$ 150.000,00. Isto sem contar, como se disse, com os custos da entidade arbitral, os honorários dos respectivos advogados e eventuais honorários periciais.

Não tem sido rara a situação em que a parte vencedora como resultado de uma sentença parcial tão somente de mérito não tem recursos para pagar a perícia destinada à apuração do valor da condenação da parte vencida. Esta, como se o problema não fosse com ela, finge-se de morta e não paga o que deve. O resultado será a extinção do processo no estado em que se encontra. Ou seja, o vencedor ganha, mas não leva. Se o vencido não paga, o vencedor tem o dever de cumprir também a parte daquele e se não puder, está com um grande problema no colo.

Ainda que muitas vezes, com a concordância do tribunal arbitral, seja concedido pela câmara de arbitragem um parcelamento do que é devido por uma das partes, se ainda assim esta não tiver condições ulteriores de honrar o acordo, o resultado será o mesmo acima referido.

Veja-se que não se trata de injustiça praticada em detrimento do vencedor inadimplente e do vencido de má fé. A arbitragem tem natureza privada e não pode conviver com o inadimplemento sob pena de tornar-se inviável.

Uma solução dada no direito norte-americano é o financiamento concedido por terceiro em favor da parte interessada em obter recursos para dar início ao processo e levá-lo até a sua conclusão. Este terceiro pode ser até mesmo o escritório de advocacia que ajuíza a causa. Mas por vários motivos tal modelo não se aplicaria ao Brasil. O primeiro deles é representado pelo elevado custo da operação, consideradas as altas taxas de juros internos e uma elevada imprevisibilidade quanto ao resultado do caso. Afinal de contas, dado o sigilo dentro do qual os processos arbitrais costumam se desenvolver, não se estabelece uma jurisprudência arbitral, que daria um certo norte aos seus usuários. Na arbitragem não existem súmulas e nem enunciados.

Observe-se, a propósito, que nos Estados Unidos a advocacia tem um caráter fortemente empresarial e os escritórios que ali a exercem podem arriscar o seu patrimônio em uma causa na qual acreditem, dando financiamento ao seu cliente e beliscando ao final um gordo resultado, tendo em vista o risco assumido. Aqui isto não acontece.

Desta maneira, quando um pequeno empresário se encontra dentro de um processo arbitral, em luta contra outro de grande porte, em muitas situações ele chegou a tal situação porque não sabia no que se metia ao assinar a cláusula compromissória e nem quanto lhe poderia custar a brincadeira. Ou seus advogados foram descuidados quanto ao aspecto patrimonial da questão ou eram também ignorantes a respeito do assunto (sem ressentimentos da laboriosa classe porque, como dizia sempre o saudoso Prof. Oscar Barreto Filho, a ignorância é um estado provisório, no sentido de que todos os dias podemos e devemos aprender uma coisa nova).

No quadro acima, o grande empresário, sempre bem protegido por uma corte de excelentes advogados pode levar grande vantagem na briga, que já começa em situação de desigualdade por parte do seu oponente. Não se trata de abuso de poder econômico porque ninguém é obrigado a aceitar a arbitragem como meio de resolver questões. Isto se daria, sim, se a parte mais forte forçasse a outra a aceitar a cláusula compromissória sob pena de não haver negócio entre elas.


Como se verifica, a assimetria informacional pode ser superada, mas o lado econômico é uma realidade. Ou o dinheiro existe para bancar o jogo, ou deve-se fugir dele porque o remédio arbitral poderá se revelar pior do que a doença.

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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP e consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.

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