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Controverso precedente do TJ/SP sobre arbitrabilidade da ação de exibição de documentos sociais

Guilherme Leporace e Luisa Cabral de M. M. Coelho

A controvérsia se deve ao afastamentode de preliminar de arbitragem suscitada à vista de cláusula compromissória em acordo de quotistas firmado entre as partes, o qual continha regras sobre o acesso a tal documentação.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Atualizado em 14 de janeiro de 2015 09:12

Em fevereiro de 2014, a 1ª câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ/SP proferiu controverso acórdão (Processo: 0020852-59.2011.8.26.0002) a respeito da arbitrabilidade de litígios sobre o direito do sócio de obter a exibição dos livros sociais e demais documentos pertinentes à sociedade e seus negócios.

A controvérsia se deve ao afastamento, em ação de exibição de documentos proposta por minoritário de sociedade limitada contra os controladores, de preliminar de arbitragem suscitada à vista de cláusula compromissória em acordo de quotistas firmado entre as partes, o qual, entre outros aspectos, continha regras sobre o acesso a tal documentação.

Segundo o acórdão, o direito do sócio de fiscalizar e ter acesso aos documentos referentes à vida social teria a natureza de direito potestativo e, como tal, não seria passível de discussão em sede arbitral. Em outras palavras, o acórdão entendeu que litígios sobre direitos potestativos não seriam arbitráveis.

Essa tese não parece estar correta, pois somente não podem ser submetidas à arbitragem disputas sobre direitos indisponíveis. Os direitos potestativos, se disponíveis, como é o caso do direito de pleitear a exibição de documentos sociais, podem, sim, ser objeto de processo arbitral.

De todo modo, a questão referente à arbitrabilidade da ação de exibição de livros e outros documentos sociais merece, sim, uma reflexão.

Existe o entendimento de que as ações mandamentais, i.e., aquelas em que se visa à obtenção de ordem determinando que a parte ré faça ou entregue (ou se abstenha de fazer ou de entregar) algo, como é o caso da ação exibitória, não poderiam ser objeto de arbitragem, pois faltaria aos árbitros o poder de coerção essencial à eficácia das sentenças proferidas em tais ações.

No entanto, a corrente preponderante é no sentido de que ações mandamentais podem ser objeto de arbitragem, cabendo ao Tribunal Arbitral decidir quanto à existência da obrigação e, não havendo cumprimento voluntário da sentença arbitral, a respectiva execução forçada deverá ser promovida perante o Judiciário.

Por exemplo, no caso de sociedade anônima, o pedido de exibição por inteiro dos livros sociais somente é cabível quando sejam apontados atos violadores da lei ou do estatuto, ou haja fundada suspeita de graves irregularidades. Não é incomum que haja controvérsia quanto ao preenchimento desse requisito. Por outro lado, é bastante frequente que a companhia se oponha ao pedido de exibição ao argumento de que o sócio requerente estaria, na realidade, buscando ter acesso a segredos comerciais para uso em seu benefício próprio. Assim, se admitida a arbitrabilidade da ação de exibição de livros e documentos sociais, o Tribunal Arbitral, existindo convenção de arbitragem, poderia enfrentar tais questões e declarar a existência (ou não) do direito do sócio de obter a exibição integral dos livros sociais.

Outra questão interessante diz respeito à possibilidade de submissão de ação de exibição de livros e outros documentos sociais à arbitragem com base em cláusula compromissória constante de pactos parassociais celebrados entre sócios (como, por exemplo, acordos de acionistas ou quotistas).

Em regra, o direito do sócio de exigir a exibição de livros e outros documentos sociais, que é corolário do seu direito legal de fiscalizar a administração, é detido contra a sociedade e não contra o controlador ou outros sócios. Portanto, o pleito exibitório deduzido por sócio contra a sociedade com lastro nesse direito legal somente será submetido à arbitragem caso exista cláusula compromissória estatutária. A existência de cláusula compromissória em pactos parassociais celebrados entre os sócios, nos quais a sociedade figure como mera interveniente-anuente, não torna a jurisdição privada impositiva para litígios entre sócios e a sociedade.

Por outro lado, em algumas hipóteses restritas, em especial quando todos os sócios de determinada sociedade sejam parte de pacto parassocial e a sociedade figure como interveniente-anuente, as circunstâncias de fato concretas podem eventualmente evidenciar que a vontade de todos tenha sido submeter também os litígios entre sócios e a sociedade à arbitragem. Nessas hipóteses, não se pode descartar que os efeitos da cláusula compromissória do pacto social sejam estendidos para atingir também a companhia.

A submissão de ação de exibição de livros e outros documentos sociais à arbitragem apresenta inúmeras vantagens, como a especialização dos árbitros em temas societários e, sobretudo, a confidencialidade (se contratada), que evita a divulgação de segredos empresariais a terceiros, como ocorreria no processo judicial. No entanto, em vista das questões aqui levantadas, convém que se avalie com cuidado os riscos inerentes à submissão dessa espécie de litígio à via arbitral.

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* Guilherme Leporace é sócio de Lobo & Ibeas Advogados, com atuação nas áreas de Contencioso, Arbitragem, Contratos, Licitações, Private Equity e Energia / Óleo & Gás.

** Luisa Cabral de M. M. Coelho é advogada associada de Lobo & Ibeas Advogados, com atuação nas áreas de Contencioso cível e Arbitragem.

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