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PL 8058/14. Nonsense Jurídico.

PL 8058/14. Intervenção em políticas públicas pelo Judiciário. Participação do poder público e da sociedade nas decisões. Quebra da independência do magistrado. Nonsense Jurídico.

Luiz Fernando Gama Pellegrini

"Esperamos que o bom senso arquive esta nefasta iniciativa legislativa, verdadeiro nonsense jurídico."

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Atualizado em 23 de janeiro de 2015 14:18

O "Migalhas do dia 13 do corrente mês" noticiou o projeto de lei em tela de iniciativa do deputado Paulo Teixeira do PT, em que por seu artigo 2º estipula as diretrizes a serem observadas, entre elas: "policêntricas, indicando a intervenção no contraditório do Poder Público e da sociedade; dialogais, pela abertura ao diálogo entre o juiz, as partes os representantes dos demais Poderes e a sociedade; sujeitas à informação, ao debate e ao controle social, por qualquer meio adequado, processual ou extraprocessual; que flexibilizem o cumprimento das decisões; que adotem, quando necessário, comandos judiciais abertos, flexíveis e progressivos, de modo a consentir soluções justas, equilibradas e exequíveis; que flexibilizem o cumprimento das decisões".

Em outras palavras o projeto institui como disse o deputado "processo especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário" o que a nosso ver é uma aberração jurídica.

Na justificativa do projeto consta que: "É preciso fixar parâmetros seguros para o juiz e para as partes e é preciso, principalmente, criar um novo processo de cognição e contraditório ampliados, de natureza dialogal e colaborativa, com ampla intervenção do Poder Público e da sociedade, ou seja, um novo processo adequado à tutela jurisdicional dos chamados conflitos de ordem pública. Somente assim a intervenção judicial em políticas públicas não criará problemas insolúveis para a Administração e para a população, como tem ocorrido, e o juiz poderá decidir com equilíbrio e justiça após conhecer todos os dados da questão que está em jogo, sem se substituir ao administrador. E deverá acompanhar a execução que, por suja vez, há que ser flexível para a efetividade do comando judicial."

O sempre lembrado mestre JOSÉ AFONSO DA SILVA em comentários ao artigo 95 da CF/88 consigna verbis: "2. GARANTIAS FUNCIONAIS DO JUDICIÁRIO. As garantias em que a Constituição estabelece em favor dos juízes para que possam manter sua independência e exercer a função jurisdicional com dignidade, desassombro e imparcialidade podem ser agrupadas em duas categorias: (a) garantias de independência dos órgãos judiciários; (b) garantias de imparcialidade dos órgãos judiciários." (Comentário Contextual à Constituição, 8ª. Ed., M, p. 523, 2012).

Por sua vez o parágrafo único do artigo 10 do projeto estabelece que: "Admite-se na fase preliminar e no processo judicial a intervenção de amicus curiae, pessoa física ou jurídica, que poderá manifestar-se por escrito ou oralmente."

A figura do amicus curiae não é novidade e no presente caso ela poderá intervir no processo, quer na fase preliminar quer no processo judicial, cabendo a respeito que a doutrina e mesmo o judiciário não aceitam que ela-figura possa ser parte, mas apenas ajudar uma das partes, procedimento esse que na maioria das vezes se dá através de advogados.

"Faz parte do entendimento predominante na doutrina que no controle judicial concentrado se impugna lei ou ato norma, e a decisão depende da avaliação abstrata e objetiva dessa questão de direito. Logo, não se admite a existência e nem de autor da ação ( pólo ativo), nem de um réu (polo passivo)...Mas apenas de sua inegável existência (e possível influência), tais interesses serão sempre indiretos, já que o objeto do processo objetivo é a norma que indiretamente atinge interesses de determinados grupos ou pessoas. O amicae curiae pode atuar como colaborador informal da Corte, diferentemente das hipóteses de intervenção previstas no processo comum." (SORAYA LUNARDI, Comentários à Constituição Federal de 1988, p. 1356/7, Forenses, 2009, 1ª. Ed.).

A apreciação dessa figura já foi objeto do STF, nos seguintes termos:

"Verifico que os pedidos foram formulados por órgãos que atendem aos requisitos necessários para participar da presente causa na condição de amici curiae. Isto posto, defiro os pedidos formulados." (MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI, in PROCOPAR, Notícia em 21.01,2009, 7, 20/01/20150).

Oportuno transcrever os esclarecimentos consignados na fonte acima, em que "Amicus Curiae é um instituto novo no cenário jurídico brasileiro, notadamente no âmbito constitucional. Foi introduzido formalmente no direito positivo brasileiro com a edição da Lei 9868, de 10 de novembro de 1999. É importante notar que o Amicus Curiae não é considerado parte ou mesmo modalidade de intervenção de terceiros no processo constitucional. Nesse sentido, o parágrafo 2º, do artigo 7º, da lei em questão".

O dispositivo em questão certamente recorreu à lei acima como paradigma.

Pelo que se depreende da pretensão legislativa, a nosso ver pífia, verdadeiro atentado aos artigos 2º e 60, parágrafo 4º, III, da CF/88, com clara interferência do Poder Público no Poder Judiciário, e mais especificamente na independência do magistrado na condução do processo em que a liberdade de ação ficaria mutilada.

Cerca de trinta artigos do projeto discorrem sobre o procedimento processual traduzindo a interferência em um dos poderes, no caso o Poder Judiciário, tirando do magistrado sua liberdade e independência na condução do processo, acarretando, ipso factu, que o Poder Público teria uma força de tal ordem, de tal sorte, que provavelmente "chegaríamos à conclusão de que condena, mas não se prende."

Esperamos que o bom senso arquive esta nefasta iniciativa legislativa, verdadeiro nonsense jurídico.

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* Luiz Fernando Gama Pellegrini é desembargador aposentado do TJ/SP.

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