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Denúncia genérica em crimes econômicos

Alerta-se que a ausência de especificação fática fere, dentre outros, a ampla defesa do acusado, o qual não poderá se defender dos fatos justamente por não saber ao certo qual o teor da acusação a si imputada.

sábado, 31 de janeiro de 2015

Atualizado em 28 de janeiro de 2015 16:20

1. Introdução

Ao receber os autos da investigação policial, pode o promotor de justiça requerer seu arquivamento em casos de autoria desconhecida, atipicidade, falta absoluta de provas, dentre outras situações que não ensejam a continuidade da persecução penal. Pode, ainda, requerer a devolução dos autos para a autoridade policial a fim de solicitar novas diligencias consideradas imprescindíveis à formação da convicção do membro do Ministério Público.

Estando, contudo, presentes todos os requisitos substanciais e formais, predispostos no artigo 41 do CPP, deve ser elaborada a peça acusatória, a fim de que o magistrado, em seu juízo inicial, receba-a, ou rejeite-a caso assim veja necessidade.

Assim sendo, um dos requisitos necessários, essencial para o recebimento da peça acusatória, é a exposição do fato criminoso. Nestes termos, deve a acusação elencar na denúncia os fatos criminosos de forma descritiva, indicando tempo, lugar, planejamento e consequências do crime, corroborando para uma descrição coerente com os fatos efetivamente ocorridos.

Deve ainda, nos casos de concurso de crimes e agentes, além de pormenorizada, ser a descrição fatídica individualizada, possuindo cada acusado descrição exata do que lhe é individualmente imputado eis que, conhecendo com precisão todos os limites da imputação, poderá o acusado dela se defender de forma específica, primando pelo princípio da ampla defesa.

Ademais, a correta delimitação dos fatos viabiliza a própria aplicação da lei penal, na medida em que permite ao órgão jurisdicional dar ao evento narrado na acusação a justa e adequada capitulação.

O artigo 395, do CPP descreve hipóteses de rejeição da denúncia e, dentre todos os itens descritos, a inépcia da peça acusatória é reconhecida, na maioria dos casos, quando não há na inicial a descrição pormenorizada dos fatos.

Isto acontece porque ao acusado deve ser assegurado o direito fundamental da ampla defesa, abrindo-se espaço para que, desde logo, lhe seja dado conhecimento, o mais completo possível, de toda a extensão da pretensão punitiva contra ele instaurada, a fim de que possa elaborar defesa coerente com sua acusação, primando por um amparo justo e pela paridade de armas tanto da acusação quanto da defesa.

Em contrapartida, estando apta a peça acusatória, presentes todos os requisitos formais e materiais necessários para a configuração de uma denúncia e, principalmente, havendo justa causa, deve o juiz receber a denúncia ou queixa, nos termos no artigo 396, CPP.

Nestes termos, após elucidar os motivos pelos quais a peça inicial será rejeitada ou, então, em contrapartida, recebida, passemos à análise específica do crime econômico.

Denúncia genérica nos crimes econômicos

Conforme acima exposto, a falta de um dos pressupostos formais ou materiais necessários para efetivação da denúncia, abarca hipótese de inépcia da peça acusatória, ensejando a sua rejeição.

Quando da existência de concurso de crimes ou de agentes, necessária se faz a individualização da conduta, qual seja, a descrição especifica e pormenorizada do que cada agente praticou, em meio a todo lastro probatório existente em sede de investigação, a fim de dar base às acusações feitas no momento inicial, como assim ensina Aury Lopes Jr. afirmando que 'Incumbe à investigação preliminar esclarecer (ainda que em grau de verossimilhança) o fato delitivo, buscando individualizar as condutas de modo que a denúncia seja determinada a certa, no sentido da individualização das responsabilidades penais a serem apuradas no processo'.1

Entretanto, não só, mas principalmente nos crimes econômicos, em que, em sua maioria das vezes, possui pluralidade de agentes e complexidade superior à dos crimes comuns, diante da natural dificuldade em descrever adequadamente quais condutas cada um dos agentes praticou, de forma individualizada, recorrem alguns acusadores à chamada denúncia genérica.

Desta forma, ao invés de individualizar as condutas dos agentes, cada qual a seu crime correspondente, fundamentado e capitulado, muitos membros do parquet acabam descrevendo os crimes de maneira genérica, sem que haja a devida individualização.

E justamente a não individualização das condutas faz com que esta deva ser rejeitada, eis que genérica, não estando presente um dos requisitos essenciais para a formação da peça acusatória, qual seja, descrição pormenorizada dos fatos.

Há quem entenda, contudo, pela existência da denúncia genérica em casos determinados, diante da gravidade e complexidade dos fatos e do grande número de agentes.

No entanto, alerta-se que a ausência de especificação fática na exordial fere, dentre outros, a ampla defesa do acusado, o qual não poderá se defender dos fatos a ele determinados justamente por não saber ao certo qual o teor da acusação a si imputada, podendo posteriormente gerar nulidade dos atos praticados.

Assim entende Eugênio Pacelli, lecionando que 'a correta delimitação das condutas, além de permitir a mais adequada classificação do fato, no que a exigência neste sentido estaria tutelando a própria efetividade do processo, presta-se também a ampliar o campo em que se exercerá a atividade de defesa, inserindo-se, portanto, como regra atinente ao princípio da ampla defesa'.2

Em um emaranhado de fatos e acontecimentos, teria o acusado de se defender até mesmo de crimes por ele não praticados ou conhecidos, o que leva a objetividade da argumentação defensiva, implicando na violação da responsabilidade subjetiva abarcada pelo Direito Penal, não se podendo imputar crime a alguém sem que haja efetivamente comprovação de dolo ou culpa.

Caso isto ocorra, tal ofensa transporia a lei penal, fincando raízes nos tratados internacionais ratificados pelo país, bem como na própria constituição federal, que veda a responsabilização objetiva no âmbito criminal, como assim entende os Tribunais Superiores3.

Ou seja, não deve o parquet deixar de observar as regras insculpidas no artigo 41 do CPP, sob pena de incorrer em indubitável ofensa jurídico-constitucional quando da persecução criminal em face daqueles que, supostamente, praticaram delitos complexos, ao exemplo dos econômicos.

Isso se dá a fim de que possa o acusado defender-se de forma individualizada, utilizando-se de todas as ferramentas processuais disponíveis, primando pela devida aplicação de corolários constitucionais fundamentais, quais sejam, a ampla defesa constitucional e a responsabilidade subjetiva do agente.

Assim, patente a necessidade do órgão acusador, ao elaborar a peça acusatória, individualizar as condutas aos delitos praticados, indicando as ações e práticas de cada um dos denunciados, a fim de que se faça valer a lei, o texto constitucional e os princípios essenciais que permeiam o ordenamento vigente.

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Bibliografia

PACELLI, Eugênio, Curso de Processo Penal, 16ª ed., atual, Editora Atlas, 2013

_______________, Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência, 4ª Edição ver e atual., Editora Atlas, 2013

PRADO, Luiz Regis, Direito Penal Econômico, 6ª Edição. Editora RT, 2014

NUCCI, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, 13ª Ed. Rev. Atual., Editoria Gene, 2014

LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, 9ª ed. Editora Saraiva, 2012

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Processo Penal, Vol. 1, 31ª Ed. rev. atual., Editora Saraiva, 2009

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1 LOPES JR., Aury, Direito Processual Penal, 9ª ed. Editora Saraiva, 2013, pg. 426

2 PACELLI, Eugênio, Curso de Processo Penal, 16ª ed. Eitora Atlas, 2014, pg. 164

3 HC 5647/SP; STF, HC 80549-3/SP, Relator Ministro Nelson Jobim, DJU 24/08/2001

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*Eliana Cristina Fernandes de Miranda é advogada autônoma, pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e participante do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica.

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