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Guarda compartilhada - Sim, Não ou Talvez?

Aplicar, irrestritamente, a guarda compartilhada como regra significará, talvez, em alguns casos, provocar uma nova demanda judicial a cada decisão que os genitores não consigam consenso.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Atualizado em 9 de fevereiro de 2015 10:28

Ao Direito de Família, tão importante quanto os fundamentos jurídicos, são as teorias que estudam a alma (psique), o comportamento e a formação humana.

A multidisciplinariedade deste específico ramo do direito (ou do Direito Civil como um todo) não é novidade. Há muito, ela fora anunciada pelo jurista Pontes de Miranda, um dos maiores jus filósofos brasileiros de todos os tempos.

De fato, nos idos de 1916, em prefácio à primeira edição de seu Tratado de Direito de Família, de forma atemporal, ele assim se pronunciou: "O Direito é um dos processos sociais de adaptação, como a Religião, a Moral, a Arte, a Política, a Economia, a Ciência. Examinada, pelo ângulo jurídico, a matéria social, - o Direito é forma de fenômenos cujo conteúdo é econômico, moral, etc. No Direito de Família, principalmente no Brasil, país em que o cristianismo passou a ser mais fenômeno moral do que religioso, devemos ter em grande conta a substância ética; e daí a real importância do conhecimento das condições sociais e históricas da sociedade brasileira no que concerne aos antecedentes, atualidades e destinos, segundo o vigente teor cristão dos costumes e das ideias." (PONTES DE MIRANDA, F. C. In: Tratado de Direito de Família. Vol. I. 3 ed. Editora Max Limonad. 1947. Página 15/16).

Pois bem, decorrido quase um século desta assertiva, sucedeu-se, dentre outras micro reformas legislativas, a promulgação de outro CC (atualmente em vigor) e, muito recentemente, a alteração deste último, no que diz respeito à guarda, pelos pais, dos filhos menores. De forma impressionante, contudo, as palavras de Pontes de Miranda permanecem atuais, garantindo, assim, a sua imortalidade, sonho de todo e qualquer escritor.

Sob esse aspecto, isto é, das várias ciências que necessariamente compõem a formação do Direito de Família, é inevitável o elevado, e acalorado, debate de suas premissas e conclusões. Nada mais natural, adequado e saudável, já que é da tese confrontada pela antítese que surge a síntese.

A doutrina, que aplica as profundas ilações acadêmicas aos casos concretos, encontra maior espaço para albergar tamanho debate. Já a jurisprudência, na tentativa de superar as frias palavras da lei em nome da justiça, marcha casuisticamente, mais objetiva e apegada às peculiaridades de cada caso.

Dentro desse cenário, surgiu, ao final das atividades legislativas do ano de 2014, uma importante, e muito aguardada, mudança do CC vigente desde 2003. E, com a novidade, veio muito barulho: festejo de alguns, lamentações de outros.

O anúncio geral, em suma, reduziu a alteração legal como a instituição da guarda compartilhada como regra aos casos de famílias em que os pais, seja lá por que razão (dissolução de vínculo pré-existente ou inexistência de qualquer vínculo), não compartilham a vida como casal. Mais do que isso, contudo, a lei 13.058, de 22 de dezembro de 2014, tratou de regulamentar, com mais afinco, os direitos e deveres decorrentes dos genitores nas funções parentais de filhos menores.

O intuito do legislador, ao que parece, é fortalecer o relacionamento entre filhos e pais, inibir a disseminação da alienação parental (cuja prática, por vezes, é inconsciente e fortemente ligada a uma frustração do genitor que a exerce) e garantir, às crianças e aos adolescentes, um ambiente estável dentro da nova configuração que cada família passou a ter.

Cuidar do ambiente familiar é, sem dúvida, cuidar da vida em sociedade. A dinâmica percebida, e registrada, pelos filhos nos seus relacionamentos umbilicais será por eles repetida em suas relações sociais.

E, mais ainda, reconhecer as diversas formas de organização familiar, garantindo a elas a proteção prometida pela CF, é resguardar a individualidade e inserção de todos numa coletividade heterogênea.

Nesse aspecto, não se pode deixar de mencionar o pioneirismo da Professora Maria Berenice Dias: "Assim, na busca do conceito de entidade familiar, é necessário ter uma visão pluralista, que albergue os mais diversos arranjos vivenciais. É preciso achar o elemento que autorize reconhecer a origem do relacionamento das pessoas. O grande desafio dos dias de hoje é descobrir o toque diferenciador das estruturas interpessoais que permita inseri-las em um conceito mais amplo de família. Esse ponto de identificação encontra-se no vínculo afetivo. (...)." (DIAS, Maria Berenice. In: Manual de Direito das Famílias. 4 ed. Editora RT. 2007. Página 10).

É interessante anotar que uma mesma família, por diversas vezes, pode se reorganizar de formas diferentes, com a criação de novos vínculos ou dissolução de antigos, mas sempre se mantendo a essência, onde cada um de seus integrantes tem seu papel e sua função.

Sob este ponto de vista, é indiscutível a nobreza da alteração legal trazida pela lei 13.058/14.

No âmbito carnal, no entanto, onde vivem os seres humanos, racionais e emotivos por natureza, o jogo não é tão simples. A mesma emoção que os une, que os motiva e que garante a perpetuação da espécie, separa-os, massacra-os e bloqueia toda racionalidade que os distingue de outros seres animados.

É nesse momento, quando a sensação supera a razão, quando falha o diálogo, que a interferência do Estado nas relacionas familiares é a única solução para, apaziguando os ânimos, proteger da destruição os indivíduos e os seios em que estão inseridos.

Vista por esse lado, e os que atuam nesta específica seara hão de concordar, a lei 13.058 pode, para apagar o fogo, trazer pólvora no lugar de água.

Aplicar, irrestritamente, a guarda compartilhada como regra significará, talvez, em alguns casos, provocar uma nova demanda judicial a cada decisão que os genitores não consigam consenso. Cada escolha de escola, de médico, cada procedimento clínico, enfim, toda decisão que exigisse a manifestação de vontade dos pais seria objeto de novo pedido judicial.

Ora, se os pais não conseguiram, enquanto viviam em comunhão, superar as diferenças para manter a harmonia, ainda que sem o afeto de outrora, não será durante uma batalha judicial que eles conseguirão elevar os interesses dos filhos acima dos próprios e, assim, decidir conjuntamente o que melhor seria aos infantes.

No formato anterior do CC (com as alterações introduzidas pela lei 11.698, de 13 de junho de 2008), a opção da guarda compartilhada era aplicável quando possível, ainda que os genitores tivessem, ambos, capacidade e aptidão de bem exercer esta função.

E, dentro desta possibilidade, era ela decretada, na maioria das vezes, apenas em caso de consenso entre os genitores, quando muito. Juízes, ainda assim, vislumbrando (e com intuito, obviamente, de inibir) futuros problemas, continuavam negando a sua concessão, limitando-se a autorizá-la apenas e tão somente em casos de completo regulamento da vida familiar pós- homologação.

Caberá, mais uma vez, portanto, ao intérprete da lei, o magistrado, com auxílio de sua equipe multidisciplinar, a cautela de quando e como aplicar as novas disposições acerca das obrigações parentais.

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*Alexandre Gindler de Oliveira é sócio da Advocacia Hamilton de Oliveira.

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