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O ´Cartório´ e a transferência de veículos

Frank Wendel Chossani

Com recente decreto, a comunicação de venda será feita diretamente pelo Tabelião, impedindo que o antigo proprietário seja responsabilizado por infrações cometidas após a transação.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Atualizado em 19 de fevereiro de 2015 11:09

Recentemente aos Tabeliães de Notas, e aos Registradores que exercem atribuições notariais de reconhecimento de firma, do Estado de São Paulo, foi imposta mais uma obrigação, qual seja a de "fornecer ao fisco informações sobre a realização de atos de reconhecimento de firma em transações que envolvam a transferência de propriedade de veículos, sem ônus para as partes do negócio"1. Com isso, a partir do dia 23 de julho de 2014, segundo o decreto 60.489/14 do Estado de São Paulo, os tabeliães deverão enviar gratuitamente à Secretaria da Fazenda ("Sefaz/SP") os dados das transferências de veículos automotores registradas em seus livros, efetuando assim a chamada "comunicação de venda", que até então era realizada pelo vendedor, que remetia ao Detran cópia do Certificado de Registro de Veiculo (CRV) devidamente preenchida e contendo o reconhecimento de firma por autenticidade.

Diploma legal como este, em que os tabeliães de notas devem informar sobre a transferência de veículos automotores realizadas em suas notas, não é exclusividade do Estado de São Paulo. Na verdade, apresenta-se como uma tendência a ser seguida por todos os Estados da Federação, fator que já pode ser visto com a edição recente da lei estadual 4.556/14, promulgada pelo presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul2, e ainda lei 6.723/14 do Estado do Rio de Janeiro.

Se por um lado tais diplomas, assim como outros (a exemplos da lei 11.4401/07, provimento CG/SP 31/13 etc) manifestam a excelência e segurança dos serviços prestados pelos tabeliães de notas e registradores, que são profissionais do Direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro3, por outro lado não se pode ignorar que tal obrigação acaba por exigir de tais profissionais a disposição de numerário e pessoal qualificado para implantação e operação de tal sistema, e tudo isso sem ônus algum para os usuários.

Diante de tal situação, a Associação dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro (Anoreg-RJ) ingressou com uma Representação por Inconstitucionalidade, com pedido liminar (Processo 00272380420148190000 TJ/RJ), pretendendo a declaração de inconstitucionalidade da lei 6.723/14, do Estado do Rio de Janeiro, de modo que o Órgão Especial do TJ/RJ, por unanimidade, suspendeu os efeitos da lei estadual (RJ) 6.723/14, que obriga os cartórios de notas a comunicar ao Detran a transferência de propriedade de veículos, sem ônus para o usuário4. A suspensão, em caráter liminar, vale até o julgamento do mérito da ação de representação por inconstitucionalidade movida pela Associação dos Notários e Registradores do Estado. Conforme notícia veiculada no site do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro5, e também no site do Colégio Notarial do Brasil - Colégio Federal6, a Anoreg/RJ, em seu pedido, argumentou que a lei, que entrou em vigor em 24 de junho, impôs aos cartórios a criação de um serviço público gratuito, sem indicar fonte de custeio, ferindo o artigo 122, § 2º, da Constituição daquele Estado (RJ). Ainda segundo a Anoreg-RJ, a lei 6.723/14 (RJ) gera risco de dano irreparável, pois os cartórios teriam de arcar com despesas elevadas para a implantação de um sistema informatizado compatível com o serviço a ser prestado.

Ao que parece, dispositivos como os aqui tratados vão na contra mão do que estabelece a lei Federal 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, uma vez que a lei federal prevê em seu artigo 134 que "no caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação".

Conforme bem esclarece o Código de Trânsito Brasileiro, se o antigo proprietário do veículo deixar de encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado, no prazo legal, a cópia autenticada do comprovante de transferência, correrá o risco de ser responsável solidário pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação da transferência.

Por sua vez, nos termos do decreto 60.489/14 do Estado de São Paulo, caso os Tabeliães de Notas, e os Registradores que exercem atribuições notariais de reconhecimento de firma, deixarem de enviar (ou enviarem de forma inexata ou incompleta) logo após a efetivação do ato de reconhecimento de firma por autenticidade do transmitente/vendedor, ou ainda no prazo 72 horas, quando optarem por fazer o envio por lote, as informações relativas à operação de compra e venda ou transferência, a qualquer título, da propriedade do veículo, e a cópia digitalizada, frente e verso, do Certificado de Registro do Veículo - CRV preenchido e com firmas reconhecidas por autenticidade, estarão sujeitos a imposição da multa prevista no número III do artigo 39, da lei 13.296, de 23 de dezembro de 20087, ou seja, a 30 UFESPs por veículo - atualmente R$ 604,20 (seiscentos e quatro reais e vinte centavos).

Em decorrência da obrigatoriedade da comunicação, a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo (ARPEN-SP) e o Colégio Notarial do Brasil - Seção São Paulo (CNB/SP), visando orientar seus associados na realização de atos de reconhecimento de firma por autenticidade em transações que envolvam a transferência de propriedade de veículos automotores, divulgaram orientação sobre o decreto 60.489/14, onde ficaram vinculadas duas opções de envio da cópia do Certificado de Registro de Veículos (CRV) à Sefaz/SP, sendo a 1ª através do procedimento de tirar cópia do CRV com o(s) reconhecimento(s) de firma(s), e autenticar fisicamente a cópia com o selo, digitalizar, assinar digitalmente e enviar à Sefaz/SP; e a 2ª maneira, através do procedimento de digitalizar o CRV com o(s) reconhecimento(s) de firma(s), autenticar digitalmente pela Central de Autenticação Digital (Cenad) e enviar à Sefaz/SP, sendo que, nos termos da orientação, em ambas as opções é obrigatória a cobrança de duas autenticações (frente e verso)8.

Todo esse novo aparato, trata-se de uma maravilhosa notícia para os proprietários de veículos automotores, haja vista que a comunicação de venda será feita diretamente pelo Tabelião, dirimindo assim que o antigo proprietário seja responsabilizado por infrações cometidas após a transação. A medida garante mais segurança a compradores e a vendedores.

Conforme entrevista do vice-presidente do Colégio Notarial do Brasil, Dr. Ubiratan Guimarães, ao Jornal Estadão9, todos os cartórios estão preparados para atender às normas do novo decreto. Há ainda a possibilidade do usuário requerer junto ao notário a emissão de um documento que comprove a transferência - tal documento, quando emitido, para fins de cobrança, ao que tudo indica, deve ser entendido como "certidão" (R$ 47,00 - item 5 - Tabela de Emolumentos e Custas dos Tabelionatos de Notas - vigência 2014 - UFESP: R$ 20,14 - em vigor desde 8/1/2014). "Esse documento é facultativo e serve como uma cópia da operação", sustenta Guimarães.

Conclui-se de tudo isso, de forma cristalina, que os usuários do serviço serão beneficiados por mais essa atuação dos Tabeliães de Notas, e dos Registradores que exercem atribuições notariais de reconhecimento de firma, que tem agora mais uma maneira, aliada às inúmeras que já desempenham, de contribuir com o pacífico convívio social, e que por sua vez devem, como de costume, estar atentos a tal obrigação, sob consequência de suportar efeitos legais e normativos, seja através de eventuais sanções administrativas, seja arcando com o pagamento de multa(s), ou, seja ainda suportando responsabilidade no âmbito civil.

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1 Art. 1º - Decreto nº 60.489, de 23 de maio de 2014. Disponível neste link
. Acesso em: 21 de jul. 2014.
2 Cartórios devem informar ao Detran de MS transferência de veículos, diz lei. Disponível neste link
. Acesso em: 21 de jul. 2014.
3 Art. 3º - Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994 - Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios).
4 Processo nº: 0027238-04.2014.8.19.0000 - Disponível neste link
. Acesso em: 21 de jul. 2014.
5 Lei que obriga cartórios a informar transferência de veículos ao Detran é suspensa - Disponível neste link.
Acesso em: 21 de jul. 2014.
6 TJ/RJ - Lei que obriga cartórios a informar transferência de veículos ao Detran é suspensa - Disponível neste link
. Acesso em: 21 de jul. 2014.
7 Lei 13.296, de 23 de dezembro de 2008 - Estabelece o tratamento tributário do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores - IPVA. Disponível neste link
Acesso em: 21 de jul. 2014.
8 Arpen-SP e CNB-SP divulgam ORIENTAÇÃO sobre o Decreto nº 60.489/14 que trata da comunicação de transferência de veículos - Disponível neste link
. Acesso em: 21 de jul. 2014.
9 Cartórios passam a avisar Detran de vendas - Disponível neste link
Acesso em: 21 de jul. 2014.

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*Frank Wendel Chossani é tabelião substituto do 1º Tabelião de Notas e de Protestos de Letras e Títulos de Santa Bárbara d'Oeste/SP. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, e Direito Processual Civil.

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