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Sequestro Interparental

Sequestro Interparental - Aplicação da Convenção de Haia no Direito Brasileiro

Nosso país é visto como descumpridor de seus termos, ao possuir forte tendência em tratar casos com decisões de guarda contrárias, sob o fundamento de que as crianças envolvidas adaptaram-se à sua cultura.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Atualizado em 19 de fevereiro de 2015 15:15

Antes de abordarmos o tema, cabe fazer uma pequena introdução quanto à Convenção de Haia.

A Convenção de Haia, aprovada em 1980, é o resultado de inúmeras discussões entre os países que inicialmente a assinaram visando, entre outros assuntos, proteger os interesses de crianças entre zero e 16 anos, vítimas de sequestros interparentais.

Para o Direito Internacional, "sequestro internacional de crianças" diz respeito à transferência ou retenção ilícita, ou seja, aquela que viola direito de guarda efetivamente exercido, de uma criança por seus pais, tutores ou parentes próximos para um país diferente daquele de sua residência habitual.1

De fato, podemos entender o sequestro internacional de crianças ou sequestro interparental como o deslocamento ilegal da criança, de seu país e/ou sua retenção indevida em outro local que não seja o de sua residência habitual.

O propósito fundamental dessa Convenção é unificar as normas e os procedimentos referentes ao direito internacional privado, envolvendo questões de sequestros interparentais em casos em que o genitor detenha a guarda da criança e esta é retirada de sua residência habitual.

Nesse contexto, restou estabelecido entre os países membros que a melhor solução para o conflito seria o retorno da criança ao local de sua última residência, para que o juízo daquele país decida sobre a quem atribuir a sua guarda.

Para Mônica Sifuentes, "não se trata, como erroneamente se supõe, de devolvê-la ao outro genitor, mas de encaminhá-la à autoridade competente, pois é ali que a criança tinha a sua vida, o seu círculo de amizades, a escola, a vizinhança. O juiz ou a autoridade local dispõem, sem dúvida, de melhores meios para colher provas e avaliar qual dos pais deve exercer o direito de guarda".2

A adesão do Brasil, como Estado-membro, à Comissão de Haia ocorreu apenas no ano 2000, por intermédio da publicação do decreto 3.413/00.3

Exemplo clássico da aplicação da lei internacional, pelo Brasil, é vista no caso do menor Sean Goldman, amplamente divulgado em nossas mídias.

Tratou-se de um conflito legal envolvendo a guarda de um garoto, nascido no ano 2000, em Nova Jersey (Estados Unidos), filho de mãe brasileira e pai norte-americano.

Iniciou-se em 2004 com a retirada do menino do convívio paterno, sem sua autorização e sucessiva manutenção da criança, no Brasil, com sua família materna.

Em 2009, a Justiça Brasileira determinou que a criança fosse entregue ao seu pai biológico.

Em contrapartida, sua família materna recorreu dessa determinação e obteve, junto ao Supremo Tribunal Federal, uma liminar estabelecendo que o menor permanecesse no país, até ser ouvido, iniciando-se uma verdadeira crise diplomática entre os países envolvidos (Brasil e Estados Unidos).

O ápice do conflito ocorreu no mesmo ano, quando o STF determinou que a guarda do menor Sean permanecesse com seu pai biológico.

Desde então, o menor vive nos Estados Unidos.

Em que pesem os termos dessa decisão, para os Estados-Membros dessa Convenção, nosso país é visto como descumpridor de seus termos, ao possuir forte tendência em tratar casos com decisões de guarda contrárias, sob o fundamento de que as crianças envolvidas adaptaram-se à sua cultura.

Em suma, no Brasil e mais especificamente no Direito de Família, há uma clara preferência em se conceder a custódia dos filhos às mães, em detrimento dos pais, bem como dos cidadãos brasileiros em detrimento aos estrangeiros. De fato, quando uma criança possui um genitor brasileiro, outro estrangeiro, nasce em país estrangeiro e venha para o Brasil torna-se automaticamente cidadã brasileira, mesmo que esse ingresso seja efetuado de forma ilegal. Nesse passo, nossa justiça entende, muitas vezes, que ela não deva sair deste país.4

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Referências

1 BARBOZA, Julia Zomignani. A Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças. Acesso em 29/01/2015

2 SIFUENTES, Mônica. Sequestro interparental. Acesso em 29/01/2015.

3 Decreto nº 3.413, de 12 de abril de 2000. Acesso em 29/01/2015

4 MÉRIDA, Carolina Helena. Sequestro interparental: princípio da residência habitual. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 8, n. 2, p. 255-272, jul./dez. 2011.

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*Yves Zamataro é advogado da banca Angélico Advogados.

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