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Nossas marcas podem conviver

Alberto Esteves Ferreira Filho e Andreia de Andrade Gomes

Acordos de coexistência de marca bem estruturados poderão ser aceitos com mais frequência, atendendo aos interesses comuns do setor empresarial e dos clientes.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Atualizado em 25 de março de 2015 12:35

Nos últimos anos, as empresas vêm se preocupando em proteger de forma mais efetiva as suas marcas, tendo em vista que elas são um de seus mais importantes ativos. Por meio de um símbolo visualmente perceptível, ela pode representar tanto a reputação de uma empresa, como a qualidade do produto ou serviço que se oferece. Muitas vezes o seu valor excede todos os demais bens da empresa somados, os físicos e os intangíveis, como as instalações, o know-how e a base de dados.

Entretanto, com a crescente oferta de bens e serviços, aumentam também os potenciais casos de coexistência de marca, ou seja, quando duas marcas comparadas são idênticas ou similares, de forma que seus consumidores possam ser levados ao erro.

Não é tarefa fácil conseguir desenvolver marcas originais hoje em dia. Muitas vezes o marketing não dialoga com o jurídico que, caso consultado, poderia realizar buscas e evitar violações de direito anterior. Adicionalmente, em muitos casos é natural que algumas expressões sejam associadas para um propósito específico, como por exemplo, os radicais "auto" para carros e "petro" para serviços ou produtos ligados à indústria petrolífera, aumentando as chances de semelhança entre marcas de mais de um titular.

É nesse cenário que se desenvolveu uma prática cada vez mais comum: a de assinar contratos de coexistência de marcas. O intuito desse documento é garantir aos titulares a manutenção de seus símbolos e reduzir custos relacionados a disputas de marca, tais como honorários advocatícios e custas administrativas e judiciais, estabelecendo condições através das quais suas marcas possam coexistir sem confusão por parte do público consumidor.

Dentre outros aspectos usualmente regulados em contratos desta natureza, está a limitação de área, restrições de produtos ou serviços objeto de proteção, assim como o compromisso de se abster de realizar disputas, ou mesmo a desistência de procedimentos porventura em curso, reconhecendo a possibilidade de conviver pacificamente perante o mercado.

O novo manual de marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), autarquia federal responsável pela concessão de marcas, publicado em 9/12/14 estabelecendo as atuais diretrizes para o procedimento de análise de pedidos de registro de marcas, reconheceu formalmente a existência deste tipo de acordo.

É imprescindível notar, contudo, que a existência do acordo entre as partes não é garantia de sua aceitação pelo INPI, mas servirá de subsídios para sua verificação de mérito. Dependendo da análise, focada na potencialidade de confusão dos consumidores, o INPI poderá rejeitar o documento ou formular exigências, inclusive quanto à adequação visual da marca, com o intuito de viabilizar a aplicação do documento.

A possibilidade de coexistência variará caso a caso, mas terá como balizador a aparência, os produtos ou serviços protegidos e o foco do mercado consumidor, incluindo não apenas aspectos geográficos, mas também a capacidade financeira dos clientes. Desde que ao menos um dos aspectos tenha a capacidade de garantir a ausência de confusão, eles não precisarão ser cumulativos.

A mais célebre decisão sobre o tema está relacionada à marca francesa Hèrmes e a marca brasileira Hermes. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro compreendeu que a coexistência era possível, ainda que ambas estivessem relacionadas a artigos de vestuário e houvesse praticamente integral colidência dos elementos nominativos. A viabilidade de coexistência pacífica resultaria da diferente capacidade econômica do público alvo, já que a primeira atua no mercado de luxo e a outra através de vendas por catálogos de variedades. Segundo o tribunal, não haveria possibilidade de erro quanto à origem dos produtos.

Vale ressaltar que o INPI indica, em seu novo manual, que "o exame da colidência entre os sinais marcários está restrito ao princípio da especialidade, pelo qual será verificada a existência ou não de identidade, semelhança ou afinidade de produtos ou serviços. As marcas podem até ser idênticas, desde que não assinalem produtos ou serviços de segmento mercadológico passível de causar confusão ou associação na mente do consumidor".

Não tem sido comum, pelo menos não até a edição do novo manual, que o INPI faça, em primeira instância administrativa, julgamento detalhado sobre a possibilidade de associação pelo cliente, restringindo-se à verificação visual e das especificações de produtos ou serviços. A análise mais sofisticada costuma ficar a cargo da segunda instância, como em sede de recurso ou em processos administrativos de nulidade.

De toda forma, é possível imaginar uma evolução dos processos de análise, tanto pelo reconhecimento da existência de acordos de coexistência, como pela indicação do INPI em fazer efetiva verificação sobre a possibilidade de confusão dos consumidores em primeira análise dos pedidos de registro de marca.

Com esse cenário aparentemente promissor, acordos de coexistência de marca bem estruturados, em que fique inequívoca a real possibilidade de convivência mercadológica sem realização de práticas comerciais questionáveis, como violação de marcas ou concorrência desleal, poderão ser aceitos com mais frequência, atendendo aos interesses comuns do setor empresarial e dos clientes.

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*Alberto Esteves Ferreira Filho é advogado da área de Propriedade Intelectual do escritório TozziniFreire Advogados.

*Andreia de Andrade Gomes é sócia responsável pela área de Propriedade Intelectual do escritório TozziniFreire Advogados.

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