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O Homem de Rua

Classificada como máquina de fazer doidos, a televisão brasileira parece não haver encontrado ainda quem pudesse juntar talentos para investir em editorias mais suaves que apresentem em cada amanhecer noticias mais agradáveis.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Atualizado em 30 de abril de 2015 09:49

Como dizia a doutora Maria Inês, uma das pioneiras do colunismo social na televisão - e agora vamos às notiças.

Era assim, com cê cedilha, por conta de um probleminha na dicção, mas que até soava normal. Na TV, o governador da época só conseguia dizer - sinhoires tretespectadoires...

Os visitantes estrangeiros que aportavam em São Luís do Maranhão eram classificados pela doutora na categoria especial - turistas de fora.

Então, vamos às notiças, segundo os jornais matinais da televisão.

Oito mortos numa chacina em SP. Homens foram mortos à queima roupa na sede da torcida do Corinthians.

Em Porto Alegre três homens armados invadem um ônibus e o incendeiam.

Acidente em estrada no Paraná deixa oito mortos.

Casal e filho de oito meses morrem em acidente em estrada nas proximidades de Redenção do Norte, em SP.

Dengue mata mais pessoas agora também no interior de Minas. Prefeitura de SP vai chamar o Exército para o combate ao mosquito.

Médicos da rede municipal de saúde em Goiânia/GO começam a greve geral.

Pesquisa encomendada pela Federação do Comercio de SP mostra que os brasileiros estão lendo menos. Sete em cada dez não havia lido um livro no ano passado.

Cresce o pessimismo no mercado em relação à inflação nos próximos meses no País.

Dois adolescentes morrem afogados numa praia em Fortaleza/CE.

Pesquisa indica que 74% dos brasileiros não assistiram a qualquer filme no ano passado.

Não param de chegar carros apreendidos pela PF e não há mais onde guardá-los. Já são mais de cem carros de luxo.

Preciso sair dessa editoria de catástrofes. Salto os canais. A mesma coisa. Desligo o som. Fico só com as imagens. Assistir televisão como cinema mudo é muito engraçado.

Se é um politico defendendo o atual Governo ou algum economista tentando explicar o atual governo, mantenha o som em off e preste atenção na linguagem corporal.

Sim, o corpo fala e em ocasiões como essas o idioma bate de longe, em compreensão, o dilmês. Veja a emissão cursiva, o movimento labial, os argumentos enumerados pelo toque das pontas dos dedos de uma mão nas pontas dos dedos da outra mão.

O que é mais intragável num amanhecer? O desfile de notícias ruins em vozes femininas quase gritadas ou os comerciais dos feirões de eletrodomésticos ou de automóveis mostrando que os publicitários desses comércios nos tomam como uns brocos ou idiotas?

Classificada por Stanislaw Ponte Preta como máquina de fazer doidos, a televisão brasileira parece não haver encontrado ainda quem pudesse juntar talentos no nível de um Rubem Braga, de um Oto Lara Rezende, de um Paulo Mendes Campos, de um Nelson Rodrigues ou de uma Clarice Lispector para investir em editorias mais suaves que, contrastando com as imitações da vida mostradas nas novelas, apresentem em cada amanhecer noticias mais agradáveis, ainda que no formato de fábulas ou histórias infantis.

No tempo do seu começo, Chico Buarque fez um poema sobre a solidão de um homem que preferia ficar na rua até tarde sem companhia, mas pra casa não ia não.

Se bem me lembro, começa assim:

"O homem da rua / Fica só por teimosia / Não encontra companhia / Mas pra casa não vai não / Em casa a roda / Já mudou, que a roda muda / A roda é triste, a roda é muda / Em volta lá da televisão".

Se naquele tempo já havia sofredor por isso, imagina...

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*Edson Vidigal é advogado, foi presidente do STJ e do Conselho da Justiça Federal e Ministro Corregedor do TSE.


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