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A falta de isonomia na chamada PEC da bengala

O aumento da idade da compulsória para 75 anos pode trazer benefício, mas a tentativa de limitar tal benesse somente a tribunais superiores merece correção.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Atualizado em 19 de maio de 2015 12:45

Como amplamente noticiado nos últimos dias, foi aprovada pelo Congresso Nacional a EC 88, a qual, dando nova redação ao art. 40, § 1º, II da CF, estabelece dois níveis de aposentadoria compulsória. Pelo novo texto, a regra geral ainda seria o retiro coercitivo aos 70 anos idade, podendo ser fixado aos 75 anos para algumas carreiras, na forma de lei complementar.

Em artigo anterior, havia me posicionado pela impossibilidade de incremento desta idade em âmbito estadual ou municipal. Somente o Congresso Nacional, mediante alteração do art. 40 da CF, poderia produzir tal inovação. Foi efetivamente o que ocorreu com o advento da EC 88/15.

Um primeiro ponto de análise é quanto à eventual possibilidade de estabelecer, para carreiras diferentes, faixas etárias diversas como limite máximo de idade no cargo público. Abstratamente, considero tal previsão possível, tendo em vista a necessidade, para determinadas carreiras, de maior renovação de seus quadros, seja por razões estruturais ou mesmo por limitações físicas da idade, como a carreira policial.

Neste sentido, a delegação ao legislador para demarcação, por lei complementar, de tais previsões é compreensível e mesmo razoável. Não obstante o contexto político complexo que propiciou a aprovação da EC 88/15, é certo que há boas razões que justificam sua existência, tendo em vista, na atualidade, encontramos, com freqüência, profissionais do direito com 70 anos e ainda em plenas condições físicas e mentais para a atividade profissional.

Especialmente na magistratura, carreira em que a experiência de vida pode ser tão relevante como o conhecimento jurídico, o alargamento da idade de afastamento compulsório pode ser extraordinário benefício para a sociedade. Por certo argumentos contrários e relevantes existem, como a necessidade de renovação dos quadros públicos, mas, por ora, o constituinte derivado já fez sua opção.

Todavia, um aspecto parece merecer, desde já, algum tipo de reparo. De forma a dar imediata eficácia à nova redação do art. 40, § 1º, II da CF, o art. 2º da EC 88/15 insere novo artigo no ADCT, com a seguinte redação:

Art. 100. Até que entre em vigor a lei complementar de que trata o inciso II do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União aposentar-se-ão, compulsoriamente, aos 75 (setenta e cinco) anos de idade, nas condições do art. 52 da Constituição Federal.

Ora, é inteligível que exista a preocupação de eficácia imediata do novo preceito constitucional, não somente como forma de prestigiar o princípio da máxima efetividade da Constituição, mas, também, de assegurar a permanência de magistrados que, neste momento, estariam às portas da aposentadoria compulsória. Igualmente compreensível que tal norma provisória seja voltada especialmente à magistratura, pelo papel deste Poder na preservação do regime democrático e pela importância da experiência pessoal na realização da justiça.

No entanto, não é razoável que somente parcela deste Poder possa se beneficiar com tal incremento. Como se infere da Constituição, as garantias e prerrogativas da magistratura não oscilam de acordo com as instâncias e Tribunais a que estejam vinculados. As garantias aos profissionais são idênticas, como se nota, por exemplo, no art. 95 da CF. A tentativa de limitar tal benesse somente a Tribunais superiores merece correção, mesmo que pela via judicial.

A isonomia, como fundamento da República, demanda o tratamento com igual consideração e respeito a todos que se encontrem em situação análoga, sem privilégios injustificados e regramentos casuísticos desprovidos de compromisso com o mundo da vida. Em tais situações, como forma dar conformidade à Constituição, a atuação judicial justifica-se, mesmo que inovando no mundo jurídico. Neste aspecto merece breve reprodução de importante passagem do voto vista do Min. Gilmar Mendes no RE 405.579-1:

A eliminação ou fixação, pelo Tribunal, de determinados sentidos normativos do texto, quase sempre tem o condão de alterar, ainda que minimamente, o sentido normativo original determinado pelo legislador. Por isso, muitas vezes a interpretação conforme levada a efeito pelo Tribunal pode transformar-se numa decisão modificativa dos sentidos originais do texto.
A experiência das Cortes Constitucionais européias - destacando-se, nesse sentido, a Corte Costituzionale italiana (Cf. MARTÍN DE LA VEGA, Augusto. La sentencia constitucional en Italia. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2003) - bem demonstra que, em certos casos, o recurso às decisões interpretativas com efeitos modificativos ou corretivos da norma constitui a única solução viável para que a Corte Constitucional enfrente a inconstitucionalidade existente no caso concreto, sem ter que recorrer a subterfúgios indesejáveis e soluções simplistas como a declaração de inconstitucionalidade total ou, no caso de esta trazer conseqüências drásticas para a segurança jurídica e o interesse social, a opção pelo mero não-conhecimento da ação.
(...)

De fato, principalmente nos casos de ofensa ao princípio de isonomia, manifestam-se problemas que não podem ser resolvidos mediante simples declaração de nulidade.

Desta forma, não parece carecer de maiores dificuldades o julgador que seja instado a ampliar a benesse da EC 88/05 a toda a magistratura. Importante notar, também, que tal incremento não produz qualquer potencial desequilíbrio ao sistema previdenciário dos servidores, pois, do ponto de vista atuarial, considera-se, como parâmetro de análise, os requisitos da aposentadoria voluntária, e nunca da compulsória. Ampliações ou reduções do limite etário do art. 40, § 1º, II da Constituição não deveriam, do ponto de vista atuarial, implicar mudanças relevantes no sistema.

Aspecto igualmente controvertido é a parte final do art. 100 do ADCT, ao fazer referência ao art. 52 da Constituição. Ao que parece, em conjunto com as informações divulgadas na mídia, haverá tentativa do Senado Federal em avalizar as pretensões de magistrados que queiram permanecer em atividade após os 70 anos. Aqui, acredito existir inconstitucionalidade flagrante.

É certo que, academicamente, há diversas manifestações e indagações quanto à vitaliciedade da magistratura, especialmente em tribunais superiores. Não obstante as pré-compreensões de variadas matizes, a opção constitucional ainda vigente é a exteriorizada no art. 95 da Constituição, incluindo a abrangência nacional da magistratura, de tal forma que, no contexto normativo atual, qualquer tentativa de limitar a extensão da idade compulsória a uma eventual sabatina do Senado Federal soa mais como uma tentativa de submissão dos tribunais e mesmo eventual revanchismo do que, propriamente, uma preocupação legítima com a sociedade brasileira.

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*Fábio Zambitte Ibrahim é advogado no escritório Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados, e professor da FGV Direito Rio e UERJ.

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