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Distinção entre a linguagem do Direito Positivo e a linguagem da ciência do Direito

Semíramis Oliveira e Talita Pimenta Félix

No Direito Positivo, o suporte físico são os textos de lei lato sensu (artigos, incisos, alíneas). O significado são as condutas intersubjetivas que regulam a convivência em sociedade.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Atualizado às 15:40

O Direito é constituído por linguagem, sendo, portanto, um objeto cultural. O bem cultural tem duas faces: o suporte da linguagem e o significado construído pela interpretação. O Direito é objeto cultural, produzido pelo homem para disciplinar condutas intersubjetivas1 canalizando-as em direção a certos valores2 que a sociedade deseja ver realizados.

A linguagem, por representar a comunicação entre os homens é fruto da Cultura. Por sua vez, o direito é texto3, sendo a linguagem o elemento que ao integra e o constitui4.

Há que se fazer a separação entre três linguagens: a linguagem social (do mundo real), a linguagem técnica (a do legislador) e a linguagem científica (linguagem artificialmente criada para construção da Ciência do Direito).

O fato social, o fato econômico, o fato contábil, o fato histórico e fato jurídico são recortes construídos por linguagem (Sistema Social-Comunicação). A partir de um mesmo evento se constrói diversos fatos, não há fatos puros, apenas recortes. Sem a linguagem do Direito, um fato não adquire qualificação de fato jurídico. Assim, nada ingressa no sistema do direito que não seja pelo modo por ele próprio prescrito: a forma normativa.

O Direito Positivo e a Ciência do Direito são constituídos por linguagem. Contudo essas linguagens são diferentes, porque os signos que compõem a linguagem do direito positivo são diferentes dos signos que compõem a linguagem da Ciência do Direito. O direito positivo é linguagem-objeto e a sobrelinguagem é a Ciência do Direito.

A linguagem do legislador é a prescritiva para regular as condutas intersubjetivas. Já as definições jurídicas são atividades da Ciência do Direito, que tem linguagem descritiva, que as utiliza para melhor compreender o direito positivo, favorecendo a harmonia e a precisão das significações5.

Dizemos que o direito positivo é constituído por linguagem prescritiva (dever-ser). Por sua vez, a Ciência do Direito é constituída por linguagem descritiva (" S é P").

No Direito Positivo, o suporte físico são os textos de lei lato sensu (artigos, incisos, alíneas). O significado são as condutas intersubjetivas que regulam a convivência em sociedade. Na mente de quem lê e interpreta os textos de lei, são construídas as normas jurídicas, dessa forma a significação é a construção dessas normas jurídicas.

O Direito Positivo: 1- tem linguagem prescritiva, de regular as condutas intersubjetivas, com o modal deôntico "dever ser" (instrumento de comunicação normativa); 2- estrutura-se sob a forma "H C", onde H é a hipótese antecedente (que descreve o fato), e "C" a consequência: "Se H, deve ser C"; 3- a consequência C aparece com os valores Obrigatório, Proibido e Permitido, que são os valores do comportamento humano, "se H deve ser obrigatório/permitido/proibido"; 4- As normas no direito positivo são válidas ou inválidas e 5- é linguagem-objeto da Ciência do Direito.

O Direito Positivo admite repetições (ex. legalidade no art. 5º e 150, da Constituição Federal e, no CTN, artigo 97).

Já na linguagem da Ciência do Direito, o suporte físico da linguagem são os textos descritivos (linhas e parágrafos) que compõem o texto da doutrina. Seu significado é o direito positivo. E a significação, a construção dos juízos "S é P".

A Ciência do Direito tem subjetividade, pois usa linguagem descritiva. O ser humano interfere no seu objeto de análise (caráter linguístico), porque a interpretação é a atribuição de sentidos e tem limite não da palavra, mas sim da cultura do intérprete.

A Ciência do Direito admite proposições verdadeiras ou falsas, e não admite repetição.

A Ciência do Direito: 1- tem linguagem descritiva e científica; como linguagem descritiva, submete-se aos valores de Verdade e Falsidade; o direito positivo é descrito de forma crítica e explicativamente; é uma sobrelinguagem; estrutura-se sob a forma "S é P", onde S é sujeito e P é Predicado; o predicado P aparece com dois modalizadores N (necessário) e M (possível). Assim: "S é necessariamente/possivelmente P".

Assim, bem sintetiza Tárek Moysés Moussallem: "O sistema do direito positivo dirige-se à linguagem da realidade social com o fim de regulá-la, e o sistema da Ciência do Direito refere-se à linguagem do sistema do direito positivo a fim de estuda-lo"6.

Nem toda construção de sentido do direito positivo é Ciência do Direito, apenas será Ciência se houver a aplicação de um método para conferir coerência e credibilidade ao discurso.

Importa distinguir direito positivo e Ciência do Direito para melhor compreendermos o Direito, como uma forma de superar os inúmeros obstáculos gerados no percurso da interpretação e aplicação das normas.

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1 A região material é apenas a conduta possível.

2 Sobre o valor inerente aos objetos culturais: "A ideia do valor a que pretendemos ter acesso vai se formando, lentamente, em nosso espírito, até atingir o nível que a intuição emocional recomendar". (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguagem e Método, pp. 179 -180).

3 Cumpre trazer à colação excerto que aclara o "direito como texto": "Se é poeta aquele que cria a língua, para a linguagem do direito o poeta é o legislador, de quem promana a prescritividade de seu discurso" (CARVALHO, Paulo de Barros, Vilém Flusser e juristas. Coord. HARET, Florence e CARNEIRO, Jerson. São Paulo: Editora Noeses, 2009, p. 75).

4 CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário. Vol. I. São Paulo: Editora Noeses, 2011, p. 32.

5 "Vale registrar que nenhuma linguagem exerce uma única função, em seu estado puro. Trata-se, apenas, de predominância, e não de exclusividade". (TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. 3.ed. São Paulo: Editora Noeses, 2011, p. 31).

6 MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2006, p. 49.

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*Semíramis Oliveira é mestranda em Direito Tributário pela PUC/SP.

*Talita Pimenta Félix é doutoranda em Direito Tributário pela PUC/SP.

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