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Algumas notas sobre a delimitação das despesas aduaneiras incidentes na base de cálculo do ICMS-importação

Semíramis Oliveira e Talita Pimenta Félix

Este estudo funda-se na necessidade de delimitação das despesas incidentes na base de cálculo do ICMS-Importação.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Atualizado às 16:00

O ICMS-Importação, prescrito no art. 155, inciso II e IX, alínea "a", da CF/88, revela que os Estados e o Distrito Federal são competentes para instituir ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Em um recorte metodológico, que nos permita observar os critérios da RMIT, temos: no critério material, operações relativas à importação de mercadorias1; no critério temporal, momento do desembaraço aduaneiro2; e, por último, no critério quantitativo, subitem base de cálculo, os valores descritos no art. 13, inciso V, da LC 87/96 - objeto desta pesquisa3.

Este estudo funda-se na necessidade de delimitação das despesas incidentes na base de cálculo do ICMS-Importação, uma vez que, em razão da ausência de normatização clara sobre quais despesas devem ser consideradas aduaneiras, as legislações estaduais tem extrapolado, incluindo valores alheios a tal enquadramento.

Não nos debruçaremos sobre a natureza jurídica do ICMS-Importação, se ICMS ou imposto de importação, conforme defende Marcelo Viana Salomão4, uma vez que foge aos contornos ora desejados.

Para uma tomada de posição sobre o tema, é imprescindível a compreensão dos institutos que gravitam em seu contexto: (1) a administração das atividades aduaneiras e (2) os limites legais delimitadores das despesas aduaneiras, que são os (2.1.) valores devidos à repartição alfandegária, as (2.2) despesas devidas até o momento do desembaraço aduaneiro.
Após tal incursão jurídico-sistemática, entendemos ser possível traçar os contornos das despesas aduaneiras que devem compor a base de cálculo do ICMS-Importação.

1. A administração das atividades aduaneira

O decreto 6.759/09, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, de fiscalização, controle e a tributação das operações de comércio exterior, traz prescrições que são essenciais ao reconhecimento das despesas aduaneiras. Dentre elas, o art. 9o, que informa que "os recintos alfandegados serão assim declarados pela autoridade aduaneira competente, (.) a fim de que neles possam ocorrer, sob controle aduaneiro, movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro (.)".

O dispositivo legal aduz que a movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro ocorrerão sob controle aduaneiro. De pronto, duas notas podem ser observadas: (i) que três distintas operações se desenvolvem nos recintos alfandegados; todas, (ii) sob controle aduaneiro. O que não significa que tais atividades sejam exercidas, todas elas, pela repartição alfandegária; bem como que movimentação e armazenagem estejam incluídas dentro das atividades de despacho aduaneiro, uma vez que o próprio diploma legal as distingue.

Tal norma informa, assim entendemos, distintas situações: a primeira, diz que as atividades realizadas nos recintos alfandegados ocorrerão sob supervisão da autoridade aduaneira competente; a segunda, que o controle aduaneiro envolve três operações e, terceiro, que consequentemente tais atividades são distintas umas das outras, o que permite que sejam exercidas por distintos agentes (público ou privado).

Reforça este entendimento, o disposto no art. 11, revelando que as operações executadas nos recintos alfandegados (movimentação, armazenagem e despacho aduaneiro) ocorrerão sob controle aduaneiro. O que em muito se difere de a lei dizer que tais atividades serão exercidas pela aduana.

Reiterando as operações a serem desenvolvidas nos recintos alfandegados, o art. 12, também, distingue as atividades realizadas nestes espaços, separando-as em quatro (as três anteriores e mais uma, os serviços conexos). E que sob controle da autoridade aduaneira competente, a (i) movimentação, (ii) a armazenagem e os (iii) serviços conexos, estarão sujeitos à concessão ou permissão.

Nota-se neste dispositivo que a atividade de despacho aduaneiro, mencionada em artigos anteriores, agora não aparece. Donde concluímos que referida operação não se submete à outorga de concessão ou permissão. Ou seja, tanto a movimentação e o armazenamento de mercadorias, e agora, os serviços conexos, podem submeter-se, porém, o despacho aduaneiro nos parece ser atividade a ser desenvolvida exclusivamente pela autoridade fazendária competente, diferentemente das demais operações.

E neste quesito nos reportamos à clareza que se deve ter quanto às nuances postas por tal diploma legal, uma vez que há que se distinguir a existência de uma autoridade competente para supervisionar todas as operações realizadas nos recintos alfandegados, tendo em vista que são serviços públicos, uns delegáveis, outros não, e que as operações podem ser divididas entre as atividades prestadas com exclusividade pela repartição alfandegária (despacho aduaneiro) e as prestadas sob regime de concessão ou permissão (movimentação, armazenagem e prestação de serviços conexos).Tal distinção é indispensável ao esclarecimento do tema.

2. Os limites legais delimitadores das despesas aduaneiras

A LC 87/96, art. 12, inciso IX, considera critério temporal do ICMS-Importação o momento do desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas do exterior. Seguindo tal trilha, e tomando como exemplo o RICMS/GO (decreto 4.852/97, art. 12, inciso I, alíneas "a" a "e", parágrafo 3o), que prescreve que "entende-se como qualquer despesa aduaneira aquela efetivamente paga à repartição alfandegária até o momento do desembaraço da mercadoria, tais como diferença de peso, classificação fiscal e multa por infração".

Entendemos que duas notas centrais podem ser retiradas deste dispositivo com o fito de melhor elucidar o tema em debate, quais sejam: (i) as despesas aduaneiras exigirem como requisito de seu reconhecimento, o fato de serem pagas/devidas à repartição alfandegária; bem como, (ii) que tais despesas sejam devidas até o momento do desembaraço aduaneiro. Sobre a LC 87/96, e o Convênio CONFAZ 66/88, manifestou-se o Min. Herman Benjamin5, STJ, no REsp 1.131.734, no sentido de que:

(...) falharam em determinar quais os valores despendidos no desembaraço poderiam integrar as despesas aduaneiras, para fins de composição da base de cálculo do ICMS.
(...)
Nesse rumo, diante de tal omissão, os Estados, valendo-se de sua competência, editaram o impugnado decreto, em que se arrolou inúmeras despesas, tais como armazenagem, capatazia, dentre tantas outras pagas a particulares, quando do desembaraço das mercadorias importadas, o que acabou, por certo, onerando, em muito, o imposto em discussão.
Nesse rumo, a jurisprudência, tanto do Superior Tribunal de Justiça, quanto deste eg. Tribunal de Justiça, reconhecendo a arbitrariedade do legislador, pacificou o entendimento de que somente pode integrar as despesas aduaneiras, para fins de inclusão na base de cálculo do ICMS, aquelas recolhidas diretamente à Repartição Fazendária, e não aquelas pagas a particulares, para auxiliar no desembaraço.

Nesta senda infere-se que a legislação pecou em não delimitar, claramente, quais despesas estariam incluídas no conceito de "despesas aduaneira". Diante de tal fato, os Estados editaram disposições normativas relativas às despesas que deveriam ser englobadas como "aduaneira", como o fez o Estado de Goiás, quanto às importações realizadas no Porto Seco de Anápolis. A partir deste ponto, e em razão da importância destes dois quesitos para o deslinde do tema, os trataremos em itens distintos.

2.1. Os Valores Devidos à Repartição Alfandegária

A "despesa aduaneira", como aquela efetivamente paga à repartição alfandegária, deve ser dividida dois grupos distintos, no primeiro, incluímos todas as despesas pagas à aduana e, no segundo, as despesas pagas a todos os demais, que não à repartição alfandegária. Nota-se, deste modo, que não podem ser incluídos no primeiro grupo valores pagos a terceiros, que não à Fazenda.

Nesta tônica, todos os valores pagos a terceiros no recinto alfandegado, relativos ao desembaraço de mercadoria importada, não devem ser reconhecidos como valores pagos à repartição alfandegária. Por mais óbvio que pareça tal ilação, sua conclusão é a de que os valores pagos, não à aduana, mas a terceiros, não podem ser incluídos na base de cálculo do ICMS-Importação.

Por isso, a despesa aduaneira é aquela efetivamente devida à repartição alfandegária, sendo que os valores devidos - não à repartição alfandegária - mas a terceiros, não poderão ser entendidos como despesa aduaneira.

Assim, todos os valores pagos a particulares para auxiliar no desembaraço da mercadoria não devem, por ausência de disposição legal, serem incluídos na base de cálculo do ICMS-importação, porque despesa aduaneira não o são.

E ainda quanto às despesas aduaneiras serem aquelas efetivamente pagas, filiamo-nos à manifestação do STJ6 (ainda que sem maiores abordagens) no sentido que tal expressão não deve ser aplicada de modo literal. Somente os valores efetivamente pagos seriam incluídos na base de cálculo do tributo, nesta senda, compreendemos que valores efetivamente pagos deve ser interpretado como valores efetivamente devidos.

2.2. Despesas Devidas até o Momento do Desembaraço Aduaneiro

Outra importante baliza no deslinde do tema é o fato de que as despesas devem ser devidas até o momento do desembaraço da mercadoria. Nesta tônica, em busca de um suporte legal que nos aponte com segurança tal momento, nos valeremos do art. 77 do decreto 6.759/09, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, de fiscalização, controle e a tributação das operações de comércio exterior.

Este diploma legal, ao se referir ao valor aduaneiro do imposto de importação, no que nos interessa, diz que o integram o: (i) custo de transporte da mercadoria importada até o porto alfandegado de descarga onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; (ii) os gastos relativos à carga, descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada ao porto alfandegado, e; (iii) o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos itens i e ii.

Sobre os montantes que integram o valor aduaneiro, notamos que o artigo em comento, aponta - com clareza - quais operações ocorrem antes do desembaraço aduaneiro da mercadoria. Dessa forma, noutra perspectiva, importa quais são as operações realizadas antes do desembaraço aduaneiro.

Despiciendo dizer que seria inviável a legislação se referir ao valor de uma operação, sem dizer qual seria essa operação.
Maneira pela qual, socorrendo-nos dos valores que integram a base de cálculo do valor aduaneiro, notamos a quais operações se referem. Porquanto as conhecendo, conseguimos delimitar qual o momento do desembaraço. Com isto, todas as operações que ocorrerem após as acima mencionadas, serão consideradas operações pós-desembaraço, consequentemente, não devendo incidir na base de cálculo do ICMS-Importação, sob pena de descompasso com a materialidade do tributo.Em síntese, valor aduaneiro refere-se ao montante de algo, e este algo são as operações aduaneiras.

3. Conclusão

De acordo com a LC 87/96, é possível reconhecer que as despesas aduaneiras devem incidir na base de cálculo do ICMS-Importação. E para que possamos delimitar tais operações, concluímos que:

(a) somente os valores devidos à repartição fazendária devem ser incluídos na base de cálculo do tributo. Ou seja, o montante pago a terceiros para auxiliar no desembaraço de mercadoria importada, tais como: movimentação, armazenagem e serviços conexos, não podem ser embutidos no montante a pagar a título de imposto, porque despesas aduaneiras não o são;

(b) Soma-se àquele critério, que tais valores sejam devidos à repartição alfandegária até o momento do desembaraço, mais uma vez, mediante análise lógica de teoria das classes, todos os valores pagos após o momento do desembaraço não podem ser incluídos no computo do imposto. Neste ponto, vale ressaltar que, ainda que os valores sejam conhecidos ou pagos "após", devem ser incluídos na base de cálculo do imposto, uma vez que "devidos" até o momento do desembaraço.

Com fulcro nas linhas acima, entendemos que - além dos tributos previstos no art.13, inciso V, da LC 87/96 - compõe a base de cálculo do ICMS-Importação, sob a rubrica de despesas aduaneiras, o montante correspondente às operações reveladas pelo art. 77, incisos I a III, do decreto 6.759/09, sendo elas: (i) o custo de transporte da mercadoria importada até o porto alfandegado de descarga onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; (ii) os gastos relativos à carga, descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada ao porto alfandegado, e; (iii) o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos itens i e ii.

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1 MIGUEL, Luciano Garcia. Incidência do ICMS nas Operações de Importação. São Paulo: Noeses, 201, p. 126.

2 Parte da doutrina, como Roque Antonio Carrazza, entende que somente seria possível exigir o tributo quando da entrada da mercadoria no estabelecimento do destinatário. Porém, a CF/88 (alínea "a", inciso IX, do art. 155) e a LC 87/96 (inciso IX, art. 12), abordam, consecutivamente, a entrada da mercadoria e quanto seu desembaraço, critérios temporal, como se material fossem. Assim, o STF, mediante a Súmula 661 pacificou o entendimento de que é legítima a cobrança do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro de mercadoria importada do exterior.

3 Ressalvando que não nos ateremos a qualquer dado dos demais valores que integram a base de cálculo deste imposto, previstos nos incisos "a" a "e", traçando um recorte na parte final do inciso "e": despesas aduaneiras.

4 VIANA, Marcelo Salomão. ICMS na Importação. São Paulo: Atlas, 2ª ed, 2001, p. 57/58. "Averiguado o binômio hipótese de incidência/base de cálculo, podemos concluir, sem medo de errar, que não estamos diante de um imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, e nem de um imposto sobre serviços, mas um verdadeiro imposto de importação".

5 STJ, Decisão Monocrática, REsp n. 1.131.734, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 28/09/2009, DJ 08/10/2009.

6 STJ, Decisão Monocrática, REsp n. 1.131.734, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 28/09/2009, DJ 08/10/2009.

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*Semíramis Oliveira é mestranda em Direito Tributário pela PUC/SP.

*Talita Pimenta Félix é doutoranda em Direito Tributário pela PUC/SP.

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