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A distorcida visão da corretagem de imóveis na planta

Marcelo Dória e Rosana Baffero

No âmbito tributário, o consumidor só tem a ganhar sendo o responsável pela comissão.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Atualizado em 14 de setembro de 2015 16:12

Com frequência cada vez mais acentuada, Migalhas tem anunciado Julgados que apontam para um desprestígio da atividade de corretagem de imóveis, quando os honorários são cobrados em separado do valor do imóvel objeto da operação de compra e venda.

Há, de fato, uma avalanche de novas ações reclamando a devolução, quase sempre em dobro e acompanhada de pleito por danos morais, do quanto o consumidor pagou a título de comissão de corretagem.

Porém, não nos parece que os tribunais estejam avaliando adequadamente as consequências ao atribuir ilegalidade e abusividade a tais pagamentos.

Poderíamos aqui discorrer largamente acerca do fundamento legal de se cobrar a comissão em separado, a cargo do comprador. Ou mesmo nos apoiar na Jurisprudência uniformizada dos Juizados Especiais paulista1 e do Distrito Federal2. Mas preferimos estudar o resultado: qual seria o prejuízo para o consumidor? E como ficaria a questão da boa-fé objetiva, tão destacada inclusive pelo Dr. Rizzato neste mesmo informativo - para defender tese contrária -, quando o consumidor é informado, desde o início, qual é o preço total do negócio (preço do imóvel + comissão)?

Ora, quando o consumidor toma conhecimento da tabela de preços, sempre - e aqui podemos afirmar que, ao menos quando envolvidas empresas sérias de corretagem, sejam houses (ligadas às incorporadoras), sejam corretoras puras -, lhe é informado o preço total do negócio, bem como que neste valor já estão computados os honorários da corretagem, a ser formalizada em documento distinto do compromisso e compra e venda.

Por efeito, quando o consumidor aceita o preço ofertado - ou mesmo quando consegue obter condições mais vantajosas, oportunidade em que mais ainda se destaca o trabalho do corretor a seu favor -, sabe que irá pagar o preço total do negócio, tomando seus recursos destinos diferentes: parte vai para a incorporadora, refletida no compromisso de compra e venda, parte vai para aqueles que se dedicaram a intermediar a operação de compra e venda.

Vejam que dissemos "intermediar", porque essa a tarefa do corretor de imóveis: atuar na negociação entre comprador e vendedor, buscando o resultado útil, qual seja: para o consumidor, a compra; para a incorporadora, a venda. Não é o corretor um vendedor comum, como aquele que vende camisas no shopping center. É profissão regulamentada, com responsabilidades muito superiores, sempre supervisionado pelo atuante Conselho Regional - CRECI.

De todo modo, atuando para as duas Partes do negócio imobiliário, tem o corretor direito a receber seus honorários, de um, de outro, ou de ambos, sendo esta uma disposição negocial entre comprador e vendedor.

A tradição em imóveis "na planta" - mercado primário, ou de lançamentos - é que a corretagem esteja composta no valor total do negócio e seja paga pelo comprador. Não se trata de conduta abusiva: se o custo fosse da incorporadora, o consumidor pagaria o mesmo, ou até mais, pois estaria não mais de forma transparente no valor total do negócio, mas subliminarmente embutido no preço da compra e venda, ainda que pago, tudo, à incorporadora.

Refazemos a pergunta: qual o prejuízo ao consumidor em se adotar a comissão para seu pagamento direto?

Vemos apenas benefícios, sendo que um deles merece atenção: o da menor carga tributária a ser paga pelo consumidor.

Atente-se o leitor que o ITBI tem como base de cálculo apenas o valor do imóvel, o qual, na metodologia atual, não inclui a comissão. Caso a comissão estivesse no preço, também sobre estes honorários pagaria o consumidor o imposto de transmissão.

E não custa lembrar que o consumidor ainda pode incluir a comissão de corretagem na declaração de imposto de renda como despesa na aquisição do imóvel, que com o próprio se soma para fins de ganho de capital.

Ou seja, no âmbito tributário, o consumidor só tem a ganhar sendo o responsável pela comissão.

Não bastasse, equivocado entender que agiria a incorporadora, com o método tradicional, despida de boa-fé.

Nos parece o inverso: se o consumidor sabe que o preço do produto é aquele no qual já incluída a corretagem, depois buscar judicialmente o reembolso, simples ou em dobro e com danos morais, parece ser agir contra fato próprio.

Antes lhe beneficiava tributariamente; agora, quer se beneficiar de pagar menos pelo imóvel! Isso mesmo: aqueles que obtêm vitória judicial para que se devolva a comissão, ao final pagam menos do que o valor total do negócio que lhes fora informado, pois ficam livres da comissão.

Vejam o contrassenso das decisões que acolhem a tese da devolução: no mais das vezes, dizem que a responsabilidade pela comissão é da incorporadora. Pois bem, se é assim, não deveria o corretor devolver a comissão para o comprador e este pagar para a incorporadora para, então, esta assumir a responsabilidade pelo pagamento da comissão em favor do corretor? Este trabalhou e merece ser recompensado, ou não? E se foi pago pelo consumidor, é porque não foi pago pela incorporadora, por lógica.

Seguindo o raciocínio, se a incorporadora não cobrou a comissão de corretagem no preço do imóvel - o fazendo no preço total do negócio - não nos parece correto que o consumidor fique com o desconto e a incorporadora ou, pior, o corretor, fique com o prejuízo.

Decidir desta forma não é defender o consumidor, é apenas atacar corretores e incorporadora, premiando o consumidor com um enriquecimento - porque assim paga menos do que combinou com a incorporadora e corretor - sem causa.

Por fim, não se nega aqui haver situações em que o consumidor possa ser, aparentemente, prejudicado. Tal possibilidade se vislumbra quando, havendo distrato, o consumidor não vê devolvida a comissão paga ao corretor (cujo serviço foi cumprido na assinatura da compra e venda).

A par do perigo que é permitir indiscriminadamente distratos em contratos de imóveis sob incorporação (imaginem se em um projeto de 10 unidades, com o prédio já alcançando a décima laje, nove clientes desistem: sobram para a incorporadora todos os custos da obra com apenas um cliente! A ENCOL não deixa saudades...), basta que decisão judicial que o autorize determine à incorporadora que, no cálculo dos valores pagos pelo consumidor se some a quantia relacionada à corretagem, a incluindo na base do reembolso no percentual contratado ou definido pelo Juízo.

Muito mais coerente e com benefício e lealdade de todas as Partes envolvidas: corretor, consumidor e incorporadora.

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1 TJ/SP, Turma de Uniformização do Sistema dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo, Proc. 0000018-42.2014.8.26.0968, Rel. Juiz Fernão Borba Franco, j. de 3/7/14.

2 TJ/DF, Turma de Uniformização de Jurisprudência das Turmas Recursais, Proc. nº 2014 07 1 017302 9, Rel. Juíza Sandra Reves Vasques Tonussi, j. de 22/6/15.

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*Marcelo Dória é advogado da banca Affonso Ferreira Advogados.

*Rosana Baffero é advogada.

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