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Interpretação do STJ impacta mercado de fusões e aquisições

José Andrés Lopes da Costa

Tal entendimento trará enorme impacto negativo para o mercado de fusões e aquisições, em um momento especialmente delicado de nossa economia.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Atualizado em 21 de dezembro de 2015 16:47

O STJ acaba de aprovar o enunciado de súmula 554, com o seguinte teor 'Na hipótese de sucessão empresarial, a responsabilidade da sucessora abrange não apenas os tributos devidos pela sucedida, mas também as multas moratórias ou punitivas referentes a fatos geradores ocorridos até a data da sucessão. Referência: CPC, art. 543-C. CTN, arts. 113, § 1º; 129; 132; 133 e 139'.

Algumas observações merecem ser feitas desde logo, sobretudo em vista do enorme impacto negativo que tal entendimento trará para o mercado de fusões e aquisições, em um momento especialmente delicado de nossa economia.

A esse respeito, Sacha Calmon Navarro Côelho1  leciona: "O nascimento da obrigação de pagar um tributo é consequência da realização concreta, no mundo fenomênico, de fato, estado de fato ou "espécie de fato", que a lei antes descreveu hipoteticamente (...). "Desde o momento em que o obrigado não cumpre a obrigação, está configurado o fato ilícito que consta da estrutura de outra norma legal, como hipótese ou fato-tipo. A consequência é a sanção: a multa no direito tributário.

A primeira delas é que o Superior Tribunal de Justiça não incluiu na fundamentação do enunciado o artigo 3 do Código Tributário Nacional, que possui o seguinte teor 'Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada'.

Multas tributárias nada mais são do que sanções administrativas pecuniárias. Medidas aflitivas impostas pelo Estado em razão da prática de ato ilícito, consistente na ausência de pagamento de tributo ou no seu pagamento em desconformidade com a legislação em vigor.

A primeira conclusão a que se chega, portanto, através de silogismo elementar é a de que tributo e multa são coisas inconfundíveis e absolutamente distintas. Basta ler o CTN, que propositalmente excluiu as multas da definição de tributo contida no artigo 3.

Trilhando-se este caminho, não é difícil perceber ao primeiro relance o equívoco do enunciado de súmula, uma vez que os artigos 129, 132 e 133 do CTN dizem que o sucessor responde apenas pelos tributos devidos pelo sucedido, o que exclui qualquer possibilidade de se lhe cobrar multa (sanção) juntamente com o tributo, sob pena de afronta ao texto do artigo 3 do CTN.

Ângela Maria da Motta Pacheco2 ratifica esse entendimento, asseverando que a responsabilidade em referência "tem por finalidade assegurar a satisfação do crédito do Estado, entendido como obrigação tributária principal, ou seja, o tributo. Note-se que os casos de sucessão previstos nos artigos 130, 131, 132 e 133 referem-se à responsabilidade por "tributos", aí não cabendo nenhuma hipótese a multa, sanção pecuniária, que é devida por ato ilícito".

Não bastasse, nossa CF (art. 5, XVL) consagra o princípio elementar de que as penalidades são pessoais e intransferíveis, evitando assim que terceiras pessoas que não cometeram e nem tiveram qualquer relação com o ilícito possam vir a ser punidas.

Da mesma forma que repugna a consciência comum punir os filhos pelas faltas cometidas pelos seus pais, deve ser também rejeitada a ideia de que aquele que adquire uma empresa ou fundo de comércio possa vir a ser apenado por eventuais ilícitos cometidos pelo seu antecessor.

Argumentos como os de que as multas tributárias seguem o patrimônio transferido, de que são parte do crédito tributário, de que apenas as sanções corporais são intransferíveis, dentre outros, podem servir ao interesse arrecadatório do Estado, mas não resistem a um minuto sequer de análise crítica e não passam no teste de constitucionalidade.

Registre-se, aliás, que o STF já teve a oportunidade de examinar o tema inúmeras vezes antes da criação do STJ e, em todas essas ocasiões, prevaleceu o entendimento aqui defendido, qual seja, o de que o sucessor responde apenas pelos tributos devidos pelo sucedido, jamais pelas penalidades, que são pessoais e intransferíveis.

A única ressalva que se poderia fazer ao princípio da não-transferência da multa é a hipótese de, no momento da sucessão empresarial, a multa já integrar o passivo da pessoa jurídica ou, ainda, estar suspensa em virtude de discussão administrativa/judicial. Em quaisquer dos dois casos, portanto, a multa seria transferida para o sucessor, visto como o sucessor fica sub-rogado nos ativos e passivos da sociedade sucedida.

Espera-se, portanto, que o STF corrija na primeira oportunidade os vícios ora apontados no enunciado de súmula 554 do STJ, dando aos dispositivos do CTN interpretação conforme a Constituição, de modo a prestigiar o princípio fundamental da intransferibilidade das sanções.

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1 - in "Infrações tributárias e suas sanções", Ed. Resenha Tributária, SP, 1982, p. 94;
2 - In "Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias", Ed. Max Limonad, 1997, p. 238.

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*José Andrés Lopes da Costa é sócio do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó, Aragão - Advogados e professor na FGV.

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