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A imprudência do MinC, do TCU e a lei Rouanet

TCU proferiu entendimento de que projetos com alto potencial lucrativo ou autossustentáveis não poderiam auferir os benefícios da lei Rouanet. Impor uma decisão deste tamanho do dia para a noite enseja consequências desastrosas.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Atualizado às 07:06

Na última semana, o Tribunal de Contas da União definiu o entendimento de que projetos com alto potencial lucrativo ou autossustentáveis não poderiam auferir os benefícios próprios da Lei Rouanet, a partir da análise das contas da edição de 2011 de um dos maiores festivais de música do planeta, o Rock In Rio.

Dessa decisão ainda cabe recurso do Ministério da Cultura que, sob a batuta de Juca Ferreira, já demonstrou à imprensa o desinteresse em fazê-lo1. A justificativa do ministro: a fossilização da Lei Rouanet, lei editada em 1991, abrindo a oportunidade de se aprovar o PROCULTURA, que além de ser o substitutivo da Lei Rouanet, já é bandeira do atual Ministro da Cultura desde a primeira vez que assumiu a pasta.

Os fatos narrados acima, que aliam interesse e oportunismo por parte do governo e certo desconhecimento por parte do TCU, representam um atentado incalculável ao mercado cultural brasileiro.

Em primeiro lugar, não faz o menor sentido que o TCU, um órgão administrativo colegiado, embora de extrema importância para a fiscalização e monitoramento das contas do governo federal, amplie os efeitos de uma decisão acerca de um caso singular para todo o mercado cultural.

Apesar de referida decisão ainda não ter sido divulgada na íntegra, não houve sequer um estudo dos impactos dessa decisão, ou uma consulta pública nesse sentido.

No desconhecimento total do que representa e de como se sustenta o mercado da cultura e do entretenimento, o TCU precipita-se e tem o potencial de promover um vácuo gigantesco na indústria.

Cabe salientar o seguinte: não só a Lei Rouanet como o próprio sistema de incentivos fiscais que hoje vigora no país deve ser objeto de inúmeras críticas e adaptações, mas as mudanças devem ser realizadas de forma organizada, planejada e discutida. O que não pode ocorrer - de qualquer modo - é uma interpretação rasa e deformadora da base principiológica desta lei.

Algumas perguntar devem ser feitas: como será possível definir o "forte potencial lucrativo" dos projetos apresentados ao MINC, ou o seu caráter "autossustentável"? O que será feito com os projetos que se encontram atualmente em fase de captação, e que sejam arbitrariamente taxados com o caráter de "forte potencial lucrativo"? Qual será o futuro de outros tipos de incentivo fiscal à cultura pertencentes à esfera federal, como a lei do audiovisual, o fundo setorial audiovisual, entre outros? Quais serão os efeitos práticos dessa decisão em relação a esses mecanismos?

Percebe-se que o TCU não mensurou exatamente o porquê da existência de mecanismos como a Lei Rouanet.

O mercado cultura brasileiro do final da década de 80 e do início da década de 90 já não conseguia mais se sustentar apenas com as bilheterias. Em 2016, o cenário continua o mesmo, senão pior: com a crise instalada no país, as produções que já andam mal das pernas não possuem a capacidade financeira de estabilizar uma produção apenas com as verbas das bilheterias.

Atualmente - queiram ou não - é impossível pulverizar a cultura sem os recursos do incentivo fiscal. Não há como um grande espetáculo ou grande musical aterrissar em lugares como o Amazonas, o Acre, Rondônia, por exemplo, sem o auxílio do incentivo fiscal. A simples matemática desbanca a alegação de que os incentivos fiscais seriam "moralmente inaceitáveis".

Com efeito, o Ministro Juca Ferreira aproveita o momento para fortificar sua reinvindicação antiga de alteração da Lei Rouanet.

Cabe ressaltar: não reputo à Lei Rouanet o sucesso ou o fracasso do mercado cultural do Brasil. O que é inegável é a dependência que hoje o mercado tem sobre ela.

Impor uma decisão deste tamanho do dia para a noite enseja consequências desastrosas. Soa inclusive contraditório o fato de que os demais mecanismos de incentivo fiscal - sejam estaduais ou municipais - continuam a poder realizar projetos com "forte potencial lucrativo" por meio de mecanismos de renúncia fiscal próprios.

Lamentavelmente, a posição veiculada pela imprensa de que o Ministro não possui interesse em recorrer da decisão do TCU, não representa a classe do setor cultural e arbitrariamente deixa-a desprotegida.

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1 https://oglobo.globo.com/cultura/juca-ferreira-lei-rouanet-transgride-interesse-publico-18608578
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*Arthur Deucher Figueiredo é advogado do escritório Francez e Alonso Advogados, especializado em Direito do Entretenimento.

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