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A internacionalização econômica cearense: a contribuição portuguesa e desafios atuais

Rômulo Soares

O desenvolvimento sustentável atual da economia cearense e de atração de investimento estrangeiro para o Estado passa, além do aproveitamento das vocações naturais da sua economia e povo, pela superação de um importante desafio: a insegurança jurídica.

terça-feira, 22 de março de 2016

Atualizado em 21 de março de 2016 15:08

Em 30/3/98 a TAP iniciou sua rota aérea ligando Lisboa a Fortaleza, com uma frequência inicial de dois voos por semana, tornando-a diária, seis anos após.

Deu-se nesse contexto uma das principais interferências para a moderna internacionalização da economia cearense. O Ceará estava deixando de ser apenas um Estado exportador de algodão, castanha de caju, lagosta e outros poucos produtos primários, para se tornar uma nova economia e um dos principais estados brasileiros na atração de investimento externo direto (IED).

Costumo dizer que, no contexto brasileiro, navios transportam mercadorias e, por sua vez, aviões conduzem sobretudo pessoas: turistas e investidores. Foi assim que a TAP se tornou um instrumento relevante para essa nova economia, permitindo a criação de um caldeirão cultural que transformaria definitivamente alguns aspectos da vida cotidiana de Fortaleza.

Vários portugueses e outros europeus, especialmente, italianos, espanhóis e nórdicos, encontraram um conjunto de atrativos que os transformaram em investidores. Pequenos empresários trouxeram suas poupanças e investiram aqui na oferta de novas alternativas gastronômicas e lúdicas. Outros viram no setor imobiliário, oportunidade de construir para vender, sobretudo, para estrangeiros dispostos a constituir nesta terra de sol e clima agradável, sua segunda residência. Do mesmo modo, grandes investidores, atraídos pelo processo de privatizações e abertura dos setores de infraestrutura ao capital privado, iniciado em meados da década de noventa, aportaram capitais em empresas de engenharia e outros serviços, ou construíram vigorosos projetos, como a portuguesa EDP, que instalou no Complexo Industrial e Portuário do Pecém uma das maiores termoelétricas, que hoje dá uma contribuição relevante para a segurança energética da região nordeste do Brasil, ou a Companhia Siderúrgica do Pecém, que hoje é um dos maiores projetos privados no país, participado por duas empresas coreanas e uma brasileira e que na sua fase de construção, representa um incremento de 6% no PIB estadual e na fase de operação, terá impacto de 12% no PIB estadual ou 48% no PIB industrial cearense.

Em síntese, as cerca de duzentas empresas com participação estrangeira que existiam no Ceará em 1998, transformaram-se, em meados do ano passado, expressivas quase cinco mil empresas, das quais, muitas portuguesas. Estima-se que atualmente mais de 1000 empresas cearenses, tenham capitais portugueses, com atuação nos mais variados setores, destacando-se, hotelaria e outros serviços de apoio ao turismo, construção civil, restauração e energia.

Com segurança, podemos afirmar que a indústria hoteleira cearense não pode ser descrita sem introduzir um capítulo relevante sobre a contribuição do Vila Galé e do joint venture formado por Dom Pedro, Violas e Dias Branco (empreendedor de origem portuguesa e cujo pai imigrou para o Ceará no início do século passado), que aqui construíram, cada um, dois grandes complexos turísticos, localizados na região metropolitana do Ceará, sendo o primeiro na praia do Cumbuco, município de Caucaia e o segundo em Aquiraz. História semelhante se deu no setor de energia. Além do projeto da EDP acima referido, sobressai-se a participação portuguesa nesse setor, especialmente no desenvolvimento das energias renováveis e cuja experiência tornou o Estado do Ceará pioneiro na geração eólica, passa pela empresa Braselco Energia, conduzida pelo atual presidente da Câmara Brasil Portugal no Ceará, Armando Abreu, a quem indagavam no início da década de noventa quando aqui chegou, se ele falava sério quando dizia que iria vender vento.

Entretanto, o desenvolvimento sustentável atual da economia cearense e de atração de investimento estrangeiro para o Estado passa, além do aproveitamento das vocações naturais da sua economia e povo, pela superação de um importante desafio que nos últimos anos tem atingido especialmente o setor do turismo: a insegurança jurídica.

Se não ultrapassarmos este aspecto - e acredito que será ultrapassado - deixaremos de aproveitar hoje a mesma vantagem cambial que, no passado, foi muito importante para captar a poupança externa necessária para financiar o desenvolvimento do Estado do Ceará, gerar emprego e distribuir renda.

Acredito que a Secretária de Turismo do Estado do Ceará tem uma importante agenda para este ano e trará para a pauta de suas prioridades, juntamente com a Secretaria de Meio Ambiente, a definição do Zoneamento Ecológico Econômico - ZEE do litoral cearense, de modo a se mitigar a incerteza de quem quer investir a longo prazo sem se deixar de assegurar a devida proteção dos nossos recursos naturais e incentivar soluções sustentáveis. Não se pode permitir que projetos cuidadosamente planejados do ponto de vista urbanístico (que demoram anos até se consolidarem e consumiram investimentos expressivos desde a sua concepção), tenham sido recentemente aprovados pelos órgãos públicos e pouco tempo depois corram os riscos e ameaças de continuidade devido a frequentes interpretações equivocadas da legislação, incapacidade de se viabilizar compromissos assumidos com investidores ou restrições ideológicas que hostilizam o empreendedorismo.

É necessário afirmar, entretanto, que o estado do Ceará fez nos últimos anos um relevante investimento em infraestruturas públicas - o maior volume de investimentos públicos do Nordeste e o terceiro maior do Brasil em 2015 - apesar das novas e vitais demandas por mais investimento na segurança, saúde, educação e saneamento básico. No mesmo sentido positivo, a entrega do Centro de Eventos e o Aquário, este último ainda em construção, são atrativos para melhor aproveitar o potencial turístico dessa grande cidade atlântica que é Fortaleza.

Enfim, no limiar de um novo marco para a economia cearense, caso o hub da TAM venha a ser instalado no Ceará, ligando o Estado a várias cidades da Europa e América Latina, nos 12 voos diários previstos, são visíveis as oportunidades e desafios para o desenvolvimento do Ceará e seu potencial para a atração de mais investimento estrangeiro. Nesse contexto, Portugal certamente pode ampliar seus laços econômicos com o Estado, no que o saudoso embaixador cearense em Portugal, Dário Castro Alves, um dia chamava de lusocearensidade criativa.

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*Rômulo Alexandre Soares é sócio da banca Albuquerque Pinto Advogados, mestre em Negócios Internacionais e Presidente da Federação das Câmaras Portuguesas de Comércio no Brasil (2007-2010).

 


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