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Desburocratização do Licenciamento Ambiental

A intenção em acelerar e desburocratizar o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos estratégicos é válida, mas deve vir acompanhada de instrumentos que possibilitem a segurança jurídica para o empreendedor.

quarta-feira, 23 de março de 2016

Atualizado em 22 de março de 2016 16:32

Tramita no Senado Federal o PL 654, de autoria do Senador Romero Jucá do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o qual foi apresentado em setembro de 2015. Tal projeto dispõe sobre o procedimento de licenciamento ambiental especial para empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos e de interesse nacional.

O projeto lista de forma exemplificativa os empreendimentos estratégicos sujeitos a este procedimento, tais como (i) sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário; (ii) portos e instalações portuárias; (iii) energia e (iv) telecomunicações.

Acrescenta ainda que tais empreendimentos serão considerados de utilidade pública para fins do disposto na lei 12.651/12 (código florestal). Como se sabe, a intervenção ou a supressão de vegetação nativa em áreas de preservação permanente só pode se dar nas hipóteses de baixo impacto ambiental, utilidade pública ou interesse social. Desta forma, o projeto confirma o já previsto no atual código florestal que define como de utilidade pública: "as obras de infraestrutura destinadas às concessões e aos serviços públicos de transporte, sistema viário, inclusive aquele necessário aos parcelamentos de solo urbano aprovados pelos Municípios, saneamento, gestão de resíduos, energia, telecomunicações, radiodifusão, instalações necessárias à realização de competições esportivas estaduais, nacionais ou internacionais, bem como mineração, exceto, neste último caso, a extração de areia, argila, saibro e cascalho" (art. 3º, VIII, "b").

Os princípios orientadores deste licenciamento especial, que visam o desenvolvimento nacional sustentável são: celeridade, cooperação, economicidade e eficiência. Para tanto o licenciamento ambiental seguirá um rito uno, que basicamente possuirá as seguintes etapas: manifestação de interesse pelo licenciamento ambiental especial pelo empreendedor; elaboração de termo de referência pelo órgão licenciador; requerimento de licença ambiental integrada acompanhada dos estudos e documentação exigida; análise e parecer técnico conclusivo; concessão ou indeferimento da licença ambiental integrada e após licença de operação.

Interessante notar que há a previsão expressa de que o termo de referência deverá exigir informações sobre espaços ambientais especialmente protegidos, terras indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, bens culturais especialmente protegidos e áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária e outras doenças na área de influência do empreendimento de infraestrutura estratégico. Tal previsão demonstra uma tendência legislativa de inclusão mais significativa dos órgãos do IPHAN, FUNAI, Fundação Palmares e Ministério da Saúde no processo de licenciamento ambiental.

Outro ponto de atenção é que há dispositivo que objetiva acrescentar artigo à lei Federal 6.938/81 para que as informações do EIA e do RIMA possam ser aproveitadas, total ou parcialmente, em novos empreendimentos submetidos ao licenciamento ambiental situados na área de influência do projeto cujo EIA e RIMA se pretenda aproveitar.

O projeto prevê prazos relativamente curtos tanto para a preparação dos documentos e estudos pelo empreendedor (60 dias após a publicidade do termo de referência) como para o órgão licenciador se manifestar (60 dias após a apresentação dos documentos). O órgão licenciador poderá pedir complementação ou esclarecimentos uma única vez, que deverão ser prestadas em até 10 dias após o recebimento da solicitação. Neste caso haverá mais 60 dias para o órgão licenciador para a conclusão do parecer técnico.

A previsão inovadora é que o descumprimento de prazos pelos órgãos notificados implicará sua aquiescência ao processo de licenciamento ambiental especial. A questão problemática é como se dará na prática esta aquiescência? Poderá o empreendedor começar a instalação e até mesmo a operação do empreendimento apenas com presunção de aquiescência do órgão ambiental que não cumpriu os prazos estabelecidos? Não nos parece a melhor alternativa, sobretudo se considerarmos os princípios e arcabouço jurídico de proteção ao meio ambiente. Basta lembrar que a construção, reforma, ampliação, instalação ou funcionamento de atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes é infração administrativa com multas que podem chegar a R$10.000.000,00, além de crime.

Certamente a intenção em acelerar e desburocratizar o processo de licenciamento ambiental de empreendimentos estratégicos é válida, haja vista que tais trâmites por vezes chegam a décadas em imbróglios administrativos. Todavia, tal desburocratização deve vir acompanhada de instrumentos que possibilitem a segurança jurídica para o empreendedor e também de tempo razoável para a elaboração de estudos consistentes, com a participação das comunidades diretamente afetadas pelas atividades pretendidas, e análise aprofundada dos riscos ambientais pelo órgão ambiental. Não nos parece que em 60 dias isto seja possível tanto pelo lado do empreendedor como pelo lado do órgão licenciador, sobretudo devido à complexidade dos empreendimentos tidos como estratégicos e também considerando a falta de corpo técnico qualificado dos órgãos ambientais.

O projeto passou pela Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional, cuja relatoria atual é do Senador Blairo Maggi. Se aprovado no Senado Federal, o projeto seguirá para a Câmara dos Deputados e, não havendo emendas, o projeto será encaminhado para a sanção ou veto da Presidência da República.

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Solange Cunha é advogada do escritório Tauil & Chequer Advogados.

 


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