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Novas propostas para o licenciamento ambiental no Brasil

Renata Piazzon

É notório que o sistema de licenciamento ambiental no Brasil merece uma reforma e que deve ser garantida a sua celeridade, a fim de promover o desenvolvimento sustentável do país.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Atualizado em 14 de abril de 2016 14:04

Ministérios Públicos Federal e Estadual realizam audiência pública para discutir as propostas que tramitam no Congresso e no Conama e que pretendem regulamentar o processo de licenciamento ambiental no Brasil. O debate se deu em torno dos projetos de lei do Senado Federal (PL 654/2015), da Câmara dos Deputados (PL 3.729/2004) e da minuta da Abema, que agrega os órgãos ambientais estaduais, de revogação das principais resoluções que tratam sobre o licenciamento ambiental no país, as resoluções Conama 01/1986 e 237/1997.

Convém aqui destacar as pretendidas inovações do PL 654/2015, projeto de maior debate durante a audiência pública e que propõe o licenciamento ambiental especial de empreendimentos de infraestrutura considerados estratégicos ao país, tais como sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário, portos e instalações portuárias, energia e telecomunicações.

A exposição de motivos da proposta inclui, dentre outros, a sobreposição de atuações de órgãos ambientais, a paralisação do licenciamento em decorrência de decisões judiciais, a carência de técnicos análise dos estudos e fiscalização e a complexidade inerente ao processo de licenciamento ambiental, que como regra exige a emissão de três licenças distintas (Licenças Prévia, de Instalação e de Operação).

Sob a premissa de que o processo de licenciamento ambiental é o vilão dos investimentos do país, o projeto estabelece um rito uno, com a emissão de uma única licença ambiental integrada, aos empreendimentos de infraestrutura a serem indicados por decreto do Poder Executivo.

Caso aprovado, a previsão é de que o processo de licenciamento se encerre em até 7 meses, contados da solicitação da licença pelo empreendedor, o que implica a obediência de prazos exíguos de: (i) 10 dias para definição de comitê responsável pelo licenciamento do empreendimento; (ii) 60 dias para apresentação dos estudos ambientais necessários para a implantação do projeto; (iii) 60 dias para análise dos estudos pelo comitê e solicitação de esclarecimentos adicionais, o que poderá ser feito uma única vez; e, (iv) 60 dias para análise da nova documentação e elaboração de parecer técnico conclusivo quanto à concessão da licença ambiental integrada.

Dentre os prazos que mais chamam a atenção está o de 60 dias para a elaboração e apresentação do estudo ambiental que servirá de base para o licenciamento único e deverá contemplar, a critério do órgão ambiental, a análise sobre a sinergia dos impactos ambientais negativos de outros empreendimentos em operação ou projetados para a mesma área de influência.

Vale destacar que hoje a resolução Conama 01/1986 exige o estudo ambiental mais robusto - denominado EIA/RIMA - aos projetos de infraestrutura em discussão na proposta do Senado Federal, que em média leva de 6 meses a 1 ano para ser concluído, sem contar as audiências públicas necessárias para que sejam prestados quaisquer esclarecimentos sobre o projeto.

Não parece viável, assim, que o mesmo estudo seja conduzido e apresentado em até 2 meses e que os órgãos ambientais tenham condições institucionais e orçamentárias suficientes para cumprir os novos prazos propostos. Importa mencionar, ainda, o risco de o EIA/RIMA deixar de contemplar avaliações essenciais à instalação do projeto, o que poderia dar ensejo a questionamentos do processo de licenciamento ambiental pelo Ministério Público, não sendo atingida a celeridade apontada como principal objetivo do projeto de lei.

O projeto de lei cria ainda a figura do licenciamento tácito ao estabelecer que os órgãos intervenientes que queiram participar do comitê criado para o licenciamento ambiental do empreendimento, tais como FUNAI, IPHAN e ICMBio, devem se manifestar em até 5 dias da constituição do comitê. O descumprimento de tal prazo implicaria em consentimento dos órgãos públicos ao processo de licenciamento ambiental especial.

Igualmente, não parece haver condições institucionais para o cumprimento de referido prazo, podendo o licenciamento ambiental deixar de contemplar a participação de órgãos essenciais ao longo do processo. Eventual aprovação tácita fere, ainda, a livre manifestação dos órgãos ambientais e das comunidades atingidas pelo projeto a ser licenciado.

Alguns pontos da proposta da Abema, que esteve com consulta pública por 10 dias e se encontra sob análise do Grupo de Trabalho sobre Licenciamento criado com representantes da sociedade civil, também merecem destaque.

O primeiro se refere à ausência de critérios pré-definidos no âmbito federal para o enquadramento do empreendimento a ser licenciado em uma das quatro modalidades previstas na minuta: licenciamento ambiental trifásico, unificado, por adesão e compromisso e por registro.

Neste caso, a excessiva discricionariedade transferida da União aos órgãos estaduais, inclusive com possibilidade de redução de etapas de licenciamento em projetos de significativo impacto, poderia agravar a discrepância entre as regulamentações estaduais, com possibilidade de facilitação de investimentos em determinados Estados em detrimento de outros.

O segundo surge da ausência de menção a fases até então consideradas imprescindíveis ao licenciamento ambiental, em especial a audiência pública, bem como a exclusão de determinadas atividades até então passíveis de licenciamento ambiental pela resolução Conama 237/1997, tais como o parcelamento do solo, a implantação de distritos industriais e a transmissão de energia elétrica.

Ora, é notório que o sistema de licenciamento ambiental no Brasil merece uma reforma e que deve ser garantida a sua celeridade, a fim de promover o desenvolvimento sustentável do país. Entretanto, a redução excessiva de prazos para a condução dos estudos ambientais, bem como a exclusão de etapas essenciais ao licenciamento anteriormente previstas, pode causar efeito adverso e aumentar o questionamento dos processos de licenciamento ambiental pela via judicial, já que determinados conflitos decorrentes da instalação dos empreendimentos poderão não ser resolvidos dentro dos novos prazos.

Frise-se que o licenciamento ambiental é um mecanismo fundamental de controle da poluição e degradação ambiental e da prevenção de desastres e que é preciso que os diversos atores - órgãos ambientais, Ministérios Públicos Federal e Estadual, sociedade civil, academia - trabalhem para a construção de um entendimento conjunto quanto aos seus novos rumos.

A audiência pública levantou pontos críticos relacionados à reforma do licenciamento ambiental do país, mas é preciso que haja a construção conjunta de um novo marco que garanta um licenciamento célere e eficaz, sem olvidar a prevenção e o monitoramento dos impactos ambientais decorrentes da implantação de atividades potencialmente poluidoras no país.

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* Renata Piazzon é advogada ambiental, coordenadora do Departamento Ambiental do escritório Lobo & de Rizzo Advogados e professora de Direito Ambiental da PUC/SP.

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