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Rotulagem de alimentos: a Importância de informações claras e seguras

O fornecedor não pode se furtar da sua obrigação legal e nem mesmo da sua função social.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Atualizado às 10:47

Aumentam constantemente os casos de alergia alimentar1, diante da maior exposição das pessoas aos elementos alergênicos, e à medida em que a oferta crescente de produtos industrializados se manifesta como uma realidade inevitável. Essa reação imunológica do organismo se consolida como um amplo problema de saúde, que se exibe de maneiras diversas, impactando negativamente a vida de parcela expressiva da população. Nesse contexto, a necessidade de que os rótulos dos alimentos apresentem informações claras e precisas sobre os seus componentes se mostra latente.

Em junho de 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa editou a resolução - RDC 26 (publicada no Diário Oficial da União 125, de 3/7/15), que dispõe sobre os requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos que causam alergias. A resolução2 é aplicável, principalmente, aos alimentos e bebidas, cuja rotulagem deverá destacar a presença de trigo, centeio, cevada, aveia e suas estirpes hibridizadas, crustáceos, ovos, peixes, amendoim, soja, leite animal, amêndoas, avelãs, castanha de caju, castanha do Brasil ou castanha do Pará, macadâmias, nozes, pecãs, pistaches, pinoli, castanhas e látex natural.

Os rótulos, conforme preceitua a Resolução, deverão expor as informações no seguinte formato: "Alérgicos: Contém (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)"; "Alérgicos: Contém derivados de (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)"; "Alérgicos: Contém (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares) e derivados" ou "Alérgicos: Pode conter (nomes comuns dos alimentos que causam alergias alimentares)".

O último caso mencionado é aplicável às situações em que o produtor não consiga garantir a ausência de contaminação cruzada dos produtos, não pela utilização direta do alergênico, mas sim, em decorrência dos processos de cultivo, produção, manipulação, processamento, preparação, tratamento, armazenamento, embalagem, transporte, conservação ou utilização do mesmo ambiente. Tais advertências devem ser dispostas logo após a lista de ingredientes do produto, sendo escritas, obrigatoriamente, de forma legível, caixa alta, negrito e em cor que contraste com o fundo do rótulo.

Foi conferido aos fabricantes o prazo de doze meses para a efetiva adequação dos seus rótulos, com data de vigência no dia 3 de julho de 2016, garantindo-se a presença de informações sobre os componentes alérgenos, que são potencialmente causadores de prejuízos à saúde e à segurança dos consumidores.

A RDC 26/15 tonifica o princípio básico do direito à informação adequada e clara, determinado pelo artigo 6° do CDC. Além disso, ela está em harmonia com o princípio básico da proteção à vida, à saúde e à segurança contra riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos. Nesse caso, por mais que se possa acreditar que um produto alimentício não tenha o condão de gerar perigo iminente para os consumidores em geral, eles podem ser altamente prejudiciais para as pessoas que apresentam alergias alimentares. O artigo 8° do CDC é taxativo ao dispor que os produtos e serviços não podem acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, obrigando, assim, que os fornecedores prestem as informações necessárias e adequadas através de impressos apropriados que acompanhem o próprio alimento. Não bastando, o artigo 31 do CDC estabelece que a apresentação de produtos ou serviços deve assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre sua composição e riscos que apresentem à saúde e à segurança dos consumidores.

Assim, fica inequívoco que o dever de informação, principalmente quanto aos elementos alérgenos, já era cristalino no Código de Defesa do Consumidor, sendo agora reforçado pela determinação em comento.

Em uma rápida pesquisa de campo realizada em qualquer mercado, seja ele grande ou pequeno, é fácil constatar que vários fabricantes já atenderam à Resolução da ANVISA, adequando seus rótulos com os alertas referentes aos produtos alergênicos. Contudo, aqueles que não tiveram a mesma atitude estão promovendo uma pressão desenfreada, por meio de suas associações ou sindicatos, a fim de obter a prorrogação do prazo fixado para a adequação da rotulagem dos produtos alimentícios. As argumentações são variadas, mas todas elas se resumem na alegação de impossibilidade de promoção das alterações dentro do período estipulado, seja por falta de repasse de informações pelos fornecedores estrangeiros, seja por dispêndios financeiros que a medida supostamente geraria.

Porém, com a constatação de que muitas empresas já se adequaram às novas exigências até mesmo antes do prazo apontado, fica difícil entender os argumentos daqueles que tentam procrastinar a aplicação de informações tão vitais para os consumidores.

Não poderia deixar de ser mencionado que a RDC 26/15 é proveniente de um longo trabalho promovido pela Anvisa, que contou com a participação da população, de representantes do governo, dos fornecedores, da comunidade médica e de outros segmentos, não justificando, portanto, que o prazo de adequação dos rótulos seja estendido.

Promover medidas que garantam o consumo seguro dos seus produtos deveria ser a preocupação constante de qualquer fornecedor. Os ajustes dos rótulos não são meras questões secundárias, pelo contrário, eles têm natureza essencial para qualquer consumidor que apresente alguma restrição alimentar, podendo significar a diferença entre a saúde e a doença ou, em casos mais agudos, entre a vida e a fatalidade3.

Considerando que a rotulagem é a principal forma de comunicação entre fornecedores e consumidores, e que a abstenção da ingestão de produtos alergênicos é a única maneira eficaz para impedir o surgimento das reações imunológicas ao agente nocivo, o melhoramento dos rótulos, com informações claras e precisas, é primordial para garantir o consumo seguro. O fornecedor não pode se furtar da sua obrigação legal e nem mesmo da sua função social.

Diante de tantos valores primordiais que devem ser abrigados, e da urgência na proteção da saúde das pessoas com alergias alimentares, percebe-se que o prazo para a adequação dos rótulos já foi largo o suficiente. Assim, qualquer tentativa de prorrogação dessa obrigação se apresenta como um enorme retrocesso para o mercado de consumo, e deve ser combatida de forma veemente pela ANVISA, mantendo-se as determinações há muito traçadas.

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1 Alergias alimentares são reações adversas desencadeadas por uma resposta imunológica específica que ocorrem de forma reprodutível em indivíduos sensíveis após o consumo de determinado alimento. Essas reações apresentam ampla variação na sua severidade e intervalo de manifestação, podendo afetar os sistemas cutâneo, digestivo, respiratório e ou cardiovascular. Indivíduos com alergias alimentares podem desenvolver reações adversas graves a alimentos que são consumidos de forma segura pela maior parte da população, mesmo quando ingeridos em pequenas quantidades. Fonte: BRASIL, ANVISA. Perguntas e Respostas sobre Rotulagem de Alimentos Alergênicos, pág. 4. Disponível em: novoportal.anvisa.gov.br. Acesso em 28/5/16.

2 A literatura internacional indica que cerca de 90% dos casos de alergia alimentar são ocasionados por apenas oito alimentos: ovos, leite, peixe, crustáceos, castanhas, amendoim, trigo e soja. Esses alimentos são reconhecidos como alergênicos de relevância para a saúde pública pelo Codex Alimentarius, organismo da FAO e da OMS responsável pela harmonização internacional de regras para alimentos, e por diversos países. Fonte: BRASIL, ANVISA. Perguntas e Respostas sobre Rotulagem de Alimentos Alergênicos, pág. 8. Disponível em: novoportal.anvisa.gov.br. Acesso em 28/5/16.

3 A principal preocupação das alergias alimentares é a anafilaxia, que pode levar o indivíduo a óbito se não for tratada imediatamente. Estimativas internacionais indicam que entre 30 a 50% dos casos de anafilaxia são causados por alimentos. Em crianças, esses números podem alcançar 80% dos casos. Nos Estados Unidos, estima-se que as anafilaxias por alimentos resultam em 30.000 emergências domiciliares, 2.000 hospitalizações e 150 mortes por ano. Fonte: BRASIL, ANVISA. Perguntas e Respostas sobre Rotulagem de Alimentos Alergênicos, pág. 4. Disponível em: novoportal.anvisa.gov.br. Acesso em 28/5/16.

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*Simone M. S. Magalhães é advogada especializada em Direito do Consumidor. Pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios/FESMPDFT. Pós-graduada em Direito do Consumidor e Magistério Superior pela UNIDERP/LFG. Membro da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB/DF. Associada ao Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor/BRASILCON.

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