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O estupro coletivo e a resposta estatal na resolução de crimes

A má atuação estatal relativa à prestação de serviços públicos contribui para o aumento do comportamento criminoso de sua população.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Atualizado em 21 de junho de 2016 09:17

Ainda é grande a polêmica que acerca do "suposto" estupro coletivo (e usamos a palavra suposto tão somente porque até o momento não houve condenação criminal dos envolvidos). Mas o que se viu diante desta chocante notícia foi o que iniciou-se, ao menos na parcela da população que busca se informar, um pedido de providências direcionado ao Estado.

Há um grito por justiça, mas há também um grito por segurança. As manchetes dos jornais estão invadindo as casas das pessoas e cada vez que isso acontece a revolta fala mais alto.

manifestações contra e a favor. Há discussões de todos os lados. Há fragmentos de notícia que vão sendo liberados dia após dia, e a opinião das pessoas vai se alterando ou se concretizando. O clima fica tenso.

Mas no que diz respeito à resposta estatal, nada de novo no reino tupiniquim.

O sequestro de empresários famosos, a morte de atrizes de novela, o arrastar de pessoas presas pelo cinto de segurança do lado de fora do veículo, a destruição de cadáveres, o arremesso de crianças pela janela, a morte dos pais pela filha etc. Tragédias que viraram manchetes e que chocaram o país também foram alvo da mesmice brasileira no plano da política criminal.

Uma desgraça acontece, as pessoas chamam o Estado e pedem providência - afinal, é dele a responsabilidade pela resolução dos conflitos - e todos ficam esperando a solução.

Em todos esses casos, a resposta foi a mesma: o Estado busca, no Direito Penal, a solução mágica para um problema cujas causas são muito mais complexas.

Cria-se novos tipos penais, aumentam as penas já existentes como se esta fosse a única solução para impedir ou reduzir a criminalidade. No caso do estrupo coletivo, já temos projeto de lei penal em andamento para criar nova qualificadora a depender do resultado, lesão ou morte.

Alguém, em sã consciência, acredita que "bandido" lê diário oficial? Alguém acredita que esse aumento de pena transformará estupradores em pessoas recatadas por medo do direito penal

Essa falácia normativa traz duas terríveis consequências:

1 - Não reduz os níveis de criminalidade;

2 - Engana a população com uma única solução simbólica e inútil e tira da pauta um problema que deveria ser enfrentado por todos de forma séria, planejada, medindo as opções de política criminal adotadas, com a observação criminológica necessária, até chegar a uma solução eficaz.

O simbolismo penal da isolada medida - o direito penal - não soluciona o problema, não minimiza os efeitos futuros do problema e traz às pessoas a ilusão de que algo útil para a sociedade estivesse sendo feito. Não está.

Pense em uma criança pedindo dinheiro no semáforo. Você pode dar o dinheiro ou oferecer à ela oportunidades de estudo. A primeira opção dará à sensação de solução do problema. A segunda, exige muito mais (tanto da própria criança, como de você, que deverá verificar se a criança efetivamente está estudando, aprendendo, ajudar nas dificuldades, providenciar outras fontes de aprendizado caso a primeira não seja adequada ou suficiente, e etc.).

Aumentar a pena do estupro coletivo é dar a esmola. A criança voltará, amanhã, a pedir dinheiro no farol quando o dinheiro que você deu acabar. E ele vai acabar. Porque o problema dela não foi efetivamente resolvido.

O crime ocorrido contra a adolescente carioca retrata o quanto o Estado brasileiro é falho na sua atuação. E sua única resposta foi o aumento da pena no papel. A hipertrofia legislativa. Ou se viu alguma medida de cunho social sendo implantada por conta dele?

Resumindo muito o tema (até porque não é o intuito deste artigo esmiuçar o tema), a má atuação estatal relativa à prestação de serviços públicos de qualidade contribui significativamente para o aumento do comportamento criminoso de sua população. Com o aumento da criminalidade, nasce para o Estado a obrigação de combate, buscando o bem estar da população, bem como sua convivência pacífica. Ocorre que a política de combate à criminalidade aplicada pelo Estado é ineficaz porque as causas dos problemas sociais não são sequer observadas. Direito penal de emergência.

Somos todos reféns de um sistema criminal caolho (porque só volta o olhar para a consequência), inútil (porque não resolve o problema), simbólico (porque não altera a realidade em que vivemos) e arrogante (porque dá à população uma falsa noção de solução, quando o problema em si não foi nem ao menos avaliado).

E no fim, ficamos apenas com mais do mesmo.

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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.

IBTP - INSTITUTO BRASILEIRO DE TREINAMENTO PROGRAMADO S.A.

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