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Contratos de trabalho médico: informações relevantes e cuidados necessários

Cristiano Alves Pedrosa

O tema, controverso, está em discussão no STF e senado, com propostas de alteração.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Atualizado em 27 de junho de 2016 09:48

1. O presente artigo tem por objetivo, delimitar de forma clara, objetiva e didática as principais especificações e peculiaridades do contrato de trabalho dos médicos vinculados ao regime celetista no âmbito público e privado.

2. O contrato de trabalho do médico pode ser caracterizado como um contrato especial de trabalho, visto que, além de encontrar-se subordinado as regras dispostas na CLT - Consolidação das Leis do Trabalho deve respeitar as regras previstas em leis específicas: lei 12.842 de 2013 que dispõem sobre o exercício da medicina e lei 3.999 de 1961 que altera o salário mínimo dos médicos e cirurgiões dentistas.

I - REGIMES DE CONTRATAÇÃO NO ÂMBITO PÚBLICO E PRIVADO

3. No âmbito privado, a contratação do médico ocorre necessariamente pelo regime celetista. Em contrapartida, no âmbito público há duas formas de vinculação do médico ao empregador: (a) estatutária ou (b) celetista, esta última desdobrando-se, por sua vez, em (1) servidor público e (2) empregado público.

4. O servidor público celetista atua na Administração Pública Direta, já o empregado público atua na Administração Pública Indireta.

5. Ambos os regimes seguem as regras da CLT com algumas diferenciações dos empregadores particulares, visto que possuem estabilidade no emprego, mesmo que mitigada em relação à estabilidade garantida aos ocupantes de cargos públicos estatutários, além de estarem sujeitos às delimitações expressas no edital do concurso aprovado.

6. O servidor público celetista tem a estabilidade garantida pela Súmula nº 390 do TST, que confere a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988 aos servidores públicos celetistas da administração direta, autárquica ou fundacional, in verbis:

Súmula nº 390 do TST
ESTABILIDADE. ART. 41 DA CF/1988. CELETISTA. ADMINISTRAÇÃO DIRETA, AUTÁRQUICA OU FUNDACIONAL. APLICABILIDADE. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. INAPLICÁVEL
(conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs 229 e 265 da SBDI-1 e da Orientação Jurisprudencial nº 22 da SBDI-2) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005.

I - O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJs nºs 265 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002 - e 22 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000).
II - Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988. (ex-OJ nº 229 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001).

7. Em contrapartida, ao empregado público não é garantida a referida estabilidade, mesmo que admitido mediante aprovação em concurso público. Contudo, a dispensa de um empregado público não ocorrerá sem a instauração de um procedimento administrativo que apure a existência de falta grave, com a garantia do contraditório e da ampla defesa nos mesmos moldes dos servidores públicos celetistas. A decisão administrativa da dispensa deve ser motivada, sob pena de invalidade, garantindo dessa forma, maiores garantias ao empregado público em relação ao empregado privado .

8. Saliente-se, por oportuno, que as Convenções Coletivas de Trabalho e Acordos Coletivos de Trabalho, devem também ser respeitadas por estipularem regras, com força de lei, entre as partes envolvidas.

II - SALÁRIO MÍNIMO PROFISSIONAL DOS MÉDICOS

9. O salário mínimo dos médicos é fixado em quantia igual a 3 (três) vezes e o do assistente a 2 (duas) vezes o salário mínimo comum das regiões ou sub-regiões em que exercem a profissão, nos exatos termos do art. 5º da lei 3.999/61, in verbis:

Art. 5º Fica fixado o salário-mínimo dos médicos em quantia igual a três vezes e o dos auxiliares a duas vezes mais o salário-mínimo comum das regiões ou sub-regiões em que exercerem a profissão.

10. Ainda, conforme art. 10º da aludida lei, o profissional médico designado para servir fora da cidade ou vila para a qual tenha sido contratado, não poderá perceber importância inferior a do nível mínimo de remuneração que vigore naquela localidade ou sofrer redução, caso se observe nível de remuneração inferior ao atualmente recebido.

11. Não obstante, na hipótese do ajuste ou contrato de trabalho ser incluído à base-hora, o total da remuneração devida não poderá perfazer quantia inferior a 25 (vinte e cinco) vezes o valor da soma das 02 (duas) primeiras horas, conforme o valor horário calculado para a respectiva localidade, nos termos do art. 12 da referida lei 3.999/61. Dessa forma, resta garantido aos médicos, remuneração mínima de 50 (cinquenta) horas mensais, conforme determina a Súmula 143 do TST .

12. Por fim, as disposições de caráter geral previstas na CLT são aplicáveis ao salário-mínimo dos médicos, nos termos do art. 13 da mencionada lei.


III - JORNADA DE TRABALHO DOS MÉDICOS

13. A jornada de trabalho dos profissionais médicos está prevista no art. 8º da lei 3.999/61 . Trata-se no mínimo de 02 (duas) e no máximo de 04 (quatro) horas diárias, com exceção de acordo escrito, desde que não contrarie o pagamento da remuneração mínima no importe de 50 (cinquenta) horas mensais.

14. A simples leitura do aludido artigo 8º transmite a ideia de que a lei 3.999/61 estipulou jornada de trabalho reduzida aos profissionais médicos, todavia, essa não é a interpretação correta do referido dispositivo legal.

15. Diante de diversos precedentes julgados no Tribunal Superior do Trabalho - TST, sobre a matéria, decidiu-se por bem pacificar o entendimento por meio da Súmula nº 370 do TST, in verbis:

Súmula nº 370 do TST
MÉDICO E ENGENHEIRO. JORNADA DE TRABALHO. lEIS NºS 3.999/1961 E 4.950-A/1966
Tendo em vista que as leis 3.999/61 e 4.950-A/1966 não estipulam a jornada reduzida, mas apenas estabelecem o salário mínimo da categoria para uma jornada de 4 horas para os médicos e de 6 horas para os engenheiros, não há que se falar em horas extras, salvo as excedentes à oitava, desde que seja respeitado o salário mínimo/horário das categorias. (ex-OJs nºs 39 e 53 da SBDI-1 - inseridas, respectivamente, em 07.11.1994 e 29.04.1994).

16. Destarte, imperioso esclarecer que a lei 3.999 de 1961 não estipula jornada de trabalho reduzida aos médicos, mas estabelece o piso salarial devido à categoria para uma jornada de 04 (quatro) horas diárias.

17. Dessa forma, desde que respeitado o salário mínimo/hora do médico, consideram-se horas extras somente aquelas excedentes à 8ª hora diária, ensejando adicional de no mínimo 50% à hora normal de trabalho. Saliente-se que condições mais benéficas poderão ser determinadas em contrato de trabalho individual, ou por meio de CCT - Convenção Coletiva de Trabalho e ACT - Acordo Coletivo de Trabalho.

18. Ainda em relação ao tema, uma das maiores inovações trazidas pela lei 3.999/61, constitui o intervalo previsto no § 1º do art. 8º, exclusivo aos profissionais médicos. Estes devem gozar de 10 minutos de repouso a cada 90 minutos laborados, gerando ao médico a percepção de horas extras em caso de inobservância pelo empregador.

19. Por fim, determina a lei em análise ainda em seu art. 8º, que os médicos e auxiliares que mantiverem contrato com mais de 01 (um) empregador, deveram ter sua jornada máxima fixada em 06 (seis) horas diárias. Esta jornada pode, contudo, ser prorrogada por até 02 (duas) horas diárias por meio de acordo escrito ou motivo de força maior.

IV - DIREITOS ASSEGURADOS AO MÉDICO RESIDENTE

20. As atividades do médico residente são reguladas pela lei 6.932 de 1981. O artigo 1º da citada lei define a residência médica como modalidade de ensino de pós-graduação, destinada a médicos, sob a forma de cursos de especialização, caracterizada por treinamento em serviço, funcionando sob a responsabilidade de instituições de saúde, universitárias ou não, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional.

21. Aos médicos residentes são assegurados os seguintes direitos, previstos nos artigos 4º e 5º da referida lei:

a) Bolsa no valor de R$ 2.384,82 (dois mil, trezentos e oitenta e quatro reais e oitenta e dois centavos), em regime especial de treinamento em serviço de 60 (sessenta) horas semanais;

b) Filiação ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS como contribuinte individual;

c) Licença paternidade de 05 (cinco) dias ou à licença maternidade de 120 (cento e vinte) dias;

d) Condições adequadas para repouso e higiene pessoal durante os plantões, alimentação e moradia, conforme estabelecido em regulamento;

e) Jornada máxima de 60 (sessenta) horas semanais, nelas incluídas um máximo de 24 (vinte e quatro) horas de plantão;

f) 01 (um) dia de folga por semana e 30 (trinta) dias consecutivos de repouso, por ano de atividade.

V - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - ADPF 325 - BREVE ATUALIZAÇÃO

22. Em 27/08/2014, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços - CNS, protocolou no Supremo Tribunal Federal - STF a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 325, com pedido de liminar, para que seja declarada a invalidade de dispositivos da lei 3.999/1961 que tratam do piso salarial e jornada de trabalho dos médicos, também aplicáveis aos cirurgiões dentistas.

23. A entidade alega que o art. 5º da lei 3.999/61 está em desacordo com a Constituição Federal, uma vez que a o artigo 7º, inciso IV, da Constituição estabelece que o salário mínimo não pode ser vinculado para qualquer fim. Acrescentou ainda, que o art. 8º da citada lei, impede as negociações sindicais entre empregados e empregadores sobre duração de trabalho.

24. Nesse diapasão, a CNS pleiteia a concessão de liminar para suspender a eficácia dos dois artigos e, no mérito, a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados.

25. A Procuradoria Geral da República opinou pela procedência parcial do pedido, tão somente para (a) declarar a não recepção, pela Constituição da República de 1988, do art. 5º da lei 3.999 de 15 de dezembro de 1961, e (b) adotar-se solução idêntica à proferida no julgamento da medida cautelar na ADPF 151/DF, que determinou o congelamento da base de cálculo utilizada até que sobrevenha nova disciplina normativa a esse respeito, dada a impossibilidade de o Poder Judiciário substituir o critério de cálculo.

26. O processo está concluso a Relatora - Ministra Rosa Weber - desde o dia 26/02/2015.

VI - PROJETO DE LEI DO SENADO 316 DE 2014 - BREVE ATUALIZAÇÃO

27. No dia 06/11/2014, o Senador Paulo Davim, apresentou no Senado Federal o Projeto de lei 316 com o objetivo de alterar a lei 3.999, de 15 de dezembro de 1961, para fixar o piso salarial dos médicos e cirurgiões-dentistas e excluir do âmbito de aplicação da lei os auxiliares laboratorista e radiologista.

28. O referido projeto de lei pretende instituir piso salarial de R$ 10.991,19 para os médicos e cirurgiões-dentistas, sujeito a reajuste anual pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), bem como fixar jornada de 4 horas diárias ou 20 horas semanais para esses profissionais. O referido projeto além de estabelecer remuneração da hora suplementar nunca inferior a 50% da hora normal e excluir da aplicação da lei os auxiliares de laboratorista, radiologista e internos.

29. O Projeto de Lei em comento encontra-se na Comissão de Assuntos Econômicos aguardando a designação de Relator desde o dia 29/03/2016.

VII - CONCLUSÃO

30. Conforme relatado no presente artigo, o contrato de trabalho do médico celetista está vinculado às disposições da Lei 3.999 de 1961, bem como, deve respeitar as determinações da Lei 12.842 de 2013 e as regras gerais previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.

31. O tema, controverso, está em discussão no Supremo Tribunal Federal - STF e Senado, com propostas de alteração da mencionada lei por meio de ADPF e Projeto de Lei.

32. Assim, o contrato de trabalho do médico configura modalidade de contrato especial de trabalho, pelas singularidades da profissão, necessitando de maiores cuidados por parte do empregador para que não viole nenhum dos direitos devidos a esses profissionais.

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1 Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.

2 EMENTA: EMPREGADO PÚBLICO - DISPENSA - NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. Apesar de os empregados públicos não terem direito à estabilidade prevista no art. 41 da CF/88, o E. STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 589.998, com repercussão geral reconhecida, entendeu necessária a motivação de sua dispensa, em respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia, sendo inaplicável, portanto, o disposto na OJ 247, I, da SDI-1 do C. TST. Comprovada, no caso, a devida motivação do ato de dispensa do reclamante e considerando a inaplicabilidade da garantia de estabilidade aos empregados de empresa pública, conforme Súmula 390, II, do C. TST, não há que se falar em nulidade da dispensa e reintegração ao emprego. (TRT da 3.ª Região; PJe: 0010540-96.2015.5.03.0059 (RO); Disponibilização: 06/06/2016; Órgão Julgador: Decima Turma; Relator: Rosemary de O.Pires).

EMENTA: DESPEDIDA SEM JUSTA CAUSA. EMPREGADO PÚBLICO CONCURSADO. MOTIVAÇÃO NECESSÁRIA. VALIDADE DO ATO. É obrigatória a motivação da dispensa unilateral dos empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para a validade do ato. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0000269-90.2015.5.03.0006 RO; Data de Publicação: 22/06/2016; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Convocada Olivia Figueiredo Pinto Coelho; Revisor: Joao Bosco Pinto Lara).

3 Art. 10. O profissional, designado para servir fora da cidade ou vila para a qual tenha sido contratado, não poderá:
a) perceber importância inferior a do nível mínimo de remuneração que vigore naquela localidade;
b) sofrer redução, caso se observe nível inferior.

4 Súmula nº 143 do TST
SALÁRIO PROFISSIONAL (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

O salário profissional dos médicos e dentistas guarda proporcionalidade com as horas efetivamente trabalhadas, respeitado o mínimo de 50 (cinquenta) horas.

5 Art. 13. São aplicáveis ao salário-mínimo dos médicos as disposições de caráter geral, sobre o salário-mínimo, constantes, do Decreto-lei número 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT).

6 Art. 8º A duração normal do trabalho, salvo acordo escrito que não fira de modo algum o disposto no artigo 12, será:
a) para médicos, no mínimo de duas horas e no máximo de quatro horas diárias;
b) para os auxiliares será de quatro horas diárias.


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Referências

BRASIL, Lei 3.999 de 15 de dezembro de 1961. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L3999.htm>. Acesso em maio de 2016.

BRASIL, Lei 12.842 de 10 de julho de 2013. Disponível em <
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12842.htm>. Acesso em maio de 2016.

BRASIL, Lei 6.932 de 07 de julho de 1981. Disponível em <
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6932.htm>. Acesso em maio de 2016.

BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em <
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em maio de 2016.

BRASIL, ADPF 325 - ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL de 27 de agosto de 2014. Disponível em <
https://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=325&classe=ADPF&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M>. Acesso em maio de 2016.

BRASIL, Projeto de Lei do Senado nº 316, de 2014. Disponível em <
https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/118823>. Acesso em maio de 2016.

COSTA, Marcelo Bacchi Corrêa. EMPREGADO PÚBLICO TEM DIREITO A ESTABILIDADE DIFERENCIADA. Disponível em <
https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11060>. Acesso em maio de 2016.

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*Cristiano Alves Pedrosa é pós-graduando Lato sensu em Direito do Trabalho e Previdenciário e advogado Trabalhista no escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

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