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Como funciona a Lei Rouanet e por que ela é alvo de críticas

A Lei Rouanet teve fundamentos dignos e louváveis quando da sua criação, mas, com o tempo foi sendo desvirtuada em sua finalidade.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Atualizado em 4 de julho de 2016 14:15

Novamente, a tal Lei Rouanet está em alta na mídia. Primeiro, falou-se dela quando do corte (ou, como chamaram, "realocação") do Ministério da Cultura, e, nesta ocasião, a citada lei dividiu opiniões.

Leia-se: a polêmica com a citada lei encheu as redes sociais de pessoas que se consideravam exímias conhecedoras de uma lei que pouquíssima gente conhece, e o que realmente se viu foi uma enxurrada de comentários quase sempre sem nenhum fundamento.

Enfim, recentemente, em razão do suposto financiamento de um casamento de socialites, a Lei Rouanet teve novamente os holofotes voltados para si.
Neste artigo, vamos tentar desmistificar um pouco essa polêmica legislação.

A Lei 8.313/91 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, e tem como escopo financiar diversas áreas da cultura (livros, preservação de patrimônio cultural, música, audiovisual, artes cênicas). Ficou conhecida como Lei Rouanet por conta do então secretário da cultura, Sérgio Paulo Rouanet.

Basicamente, os incentivos funcionam via destinação e dedução de impostos: o governo cede parte dos impostos que recebe de pessoas e empresas para destinar a iniciativas diversas. Os projetos são aprovados pelo Ministério da Cultura, e, aqui, cabe o primeiro parênteses para também desmistificar o que houve nos últimos dias com este Ministério.

Logo que assumiu a presidência interina, uma das primeiras medidas de Michel Temer foi a chamada Reforma Ministerial. A MP 726/2016 trazia, em seu artigo primeiro o texto: "Ficam extintos:", e, dentre os nove incisos que o seguiam, o mais polêmico certamente foi o V: "o Ministério da Cultura".

Teoricamente, o MinC não teria sido extinto, mas sim unificado ao Ministério da Educação, mas certamente houve perda da autonomia. Ainda assim, a notícia gerou muita insatisfação, especialmente da classe artística, que passou a articular uma série de protestos. Prédios foram ocupados em todo o país e a reação contrária à tal unificação foi quase unânime do setor cultural. "Retrocesso injustificável", "confisco das políticas culturais", bradavam vozes exaltadas.

Em resposta à pressão, o presidente em exercício deu mais poderes ao "chefe" da área, o diplomata Marcelo Calero, mas, ainda assim, suas responsabilidades não foram equiparadas às de um secretário-executivo ou ministro: ele continuaria abaixo de Mendonça Filho, ministro da Educação. Aparentemente, esta atitude não foi suficiente para acalmar os ânimos e minimizar a primeira crise do presidente interino.

A pressão foi forte demais e um outro personagem entrou em cena para defender os interesses culturais da nação: Renan Calheiros. O presidente do Senado interviu, e, menos de um mês depois da edição da MP que o extinguia, o Ministério da Cultura foi ressuscitado. Em nota à imprensa, Calero, agora ministro, comentou a medida de Temer e afirmou que ela mostra o "protagonismo" do setor.

Mas o que toda essa história tem a ver com a Lei Rouanet? Um dos motivos que teria levado o presidente em exercício a extinguir o MinC seriam os altos gastos, especialmente com os projetos financiados pela tal Lei.

Tendo as coisas voltadas aos seu status quo ante, aparentemente a classe artística acalmou-se e as vozes que defendiam o novo governo e apoiavam a redução dos gastos perderam seus argumentos. Mas não por muito tempo.

Voltando ao estudo da Lei em si, o que de fato acontece é que, por meio de renúncia fiscal, empresas públicas e privadas e pessoas físicas podem patrocinar projetos culturais e receberem o valor em forma de desconto no imposto de renda. Ou seja, os cofres públicos deixam de receber parte daquele dinheiro em troca de um patrocínio.

Para que uma pessoa ou empresa possa doar o projeto visado precisa antes ser aprovado pelo MinC e o incentivo deveria englobar toda a produção, a distribuição e o acesso aos produtos culturais, incluindo a produção de CDs e DVDs, espetáculos musicais, teatrais, de dança, filmes e obras de audiovisual, exposições e livros nas áreas de ciências humanas, artes, imprensa, revistas, cursos e oficinas culturais.

É justamente neste ponto que a Lei é alvo de críticas. Diz-se que a lei teve fundamentos dignos e louváveis quando da sua criação, mas, com o tempo foi sendo desvirtuada em sua finalidade, concentrando a distribuição de verbas de forma política e destinando-a a "artistas" que interessam ao governo por atuarem como "garotos (as) propaganda camuflados".

Alguns artistas, até mesmo já consagrados e que não precisariam da Lei, estariam recebendo grandes fortunas. O site Spotniks.com publicou, em junho de 2015, uma lista de 12 projetos, no mínimo estranhos, aprovados pela Lei Rouanet. Citaremos, a título de exemplo, apenas os 5 primeiros.

1) "O Vilão da República" (2013). Documentário que contaria a história e a vida de José Dirceu. Valor aprovado: R$ 1.526.536,35. O projeto não recebeu apoio de nenhuma empresa.

2) DVD MC Guimê (2015). Apesar de o funkeiro faturar, segundo estimativas, R$ 300 mil por mês, foi autorizado a captar R$ 516 mil para a produção de um DVD.

3) "O mundo precisa de poesia" (2011). Possivelmente um dos blogs mais caros do mundo, este tinha a intenção de levar diariamente uma nova poesia, lida em vídeo, por Maria Bethânia durante um ano. Valor aprovado R$ 1,35 milhão. Após as críticas, a cantora desistiu da produção.

4) Turnê "Nosso tempo e hoje Parte II" - Luan Santana (2014). Apesar da Lei Rouanet ter sido criada com o intuito de auxiliar artistas menores com pouca visibilidade, o MinC aprovou um incentivo de 4,1 milhões para a realização desta turnê.

5) Turnê Detonautas (2013). Na mesma linha que Luan Santana, o grupo liderado por Tico Santa Cruz (que é declaradamente militante do PT, diga-se), é outro artista famoso na lista. Valor aprovado: R$ 1.086.214,40. A lista completa de todos os projetos aprovados pelo MinC para receber financiamento pela Lei Rouanet em 2015 (sejam eles estranhos ou não) pode ser vista aqui.

Não se discute que muitos projetos sérios recebem o apoio do governo por esta lei. Projetos que realmente precisam dessa legislação. A maioria da lista com parecer favorável não é de artistas famosos. Mas também não se pode fechar os olhos para os "prováveis" abusos.

E, como se não bastasse, esses abusos não param nos projetos citados. No final de junho de 2016, a Polícia Federal deflagrou a Operação Boca Livre que investiga desvio de recursos da Lei Rouanet (aproximadamente R$ 180 milhões), que teriam sido usados para pagar confraternizações de empresas, shows com artistas famosos e até festas de casamento (num hotel de Luxo, em Jurerê Internacional). Há indícios de mais dinheiro desviado.

O inquérito policial para investigar as irregularidades foi instaurado em 2014, e, supostamente, as fraudes ocorriam com a inexecução de projetos, superfaturamento, apresentação de notas fiscais relativas a serviços/produtos fictícios, projetos simulados e duplicados, além da promoção de contrapartidas ilícitas às incentivadoras.

Até o momento, a Justiça Federal inabilitou, em sede liminar, algumas pessoas jurídicas para a propositura de projetos culturais junto ao MinC e à Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo. Também foi realizado o bloqueio de valores e o sequestro de bens como imóveis e veículos de luxo. 14 mandados de prisão temporária e 37 mandados de busca e apreensão foram executados na primeira fase da operação.

Ao que nos parece, a história ainda tem pano para manga. Vozes surgirão dos dois lados: há quem tenha, agora, motivos para dizer que estava certo ao pedir a extinção do MinC, e, consequentemente, dos projetos financiados pela Lei Rouanet; há quem defenda, com unhas e dentes, que a cultura do país não pode ser marginalizada e que "Não podemos demonizar Lei Rouanet por conta de bandidos" (como, aliás, já disse o próprio Ministro da Cultura).

Bem provavelmente, discussões acirradas e não fundamentadas vão povoar as timelines das redes sociais nos próximos dias. Até que uma próxima notícia seja o centro da discussão. E da discórdia.

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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.

IBTP - INSTITUTO BRASILEIRO DE TREINAMENTO PROGRAMADO S.A.

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