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Afinal, o que diz o Marco Civil da Internet sobre os bloqueios do WhatsApp?

O que vejo é uma grande confusão que tem sido feita a respeito da norma em comento.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Atualizado às 09:30

A constância de determinações judicias acerca de bloqueios de redes sociais tem sido tal forma frequentes que tem gerado uma repercussão publica a notória, mormente porque na maioria das vezes tais determinações acabam por prejudicar uma gama infinita de usuários.

E exatamente aí, surge a indagação: os bloqueios são legais ou ilegais?

Fato é que, para responder a esta pergunta, muitos tem usados, frise-se, equivocadamente a norma especial que rege parte das relações havidas na internet: O Marco Civil da Internet.

Mas como de costume, o que vejo é uma grande confusão que tem sido feita a respeito da norma em comento.

Mas a norma em si, não é maior culpada. Aliás, a norma, não é culpada de absolutamente nada, nem mesmo deve servir a fundamentar pedidos ou decisões de cunho judicial, da forma com que vem sendo feita.

Mas então, porque isto acontece com tanta frequência?

A nosso ver, a maior problemática, não é distorção do que dispõe a lei, mas em verdade a falta de aptidão dos operadores do Direito no tocante as novas tecnologias, se não vejamos.

Afinal, o Marco Civil da Internet, obriga as empresas a manterem todos os dados dos usuários sob sua guarda?

Antes de responder a tal questionamento, é importante destacar as empresas e atividades que são atingidas pelo Marco Civil.

A Lei Federal 12.965, de 23 de abril de 2014 ou simplesmente Marco Civil da Internet (MCI), regulamenta, com regra geral, duas modalidades de empresas que exploram serviços e produtos disponibilizados através da internet. São elas:

a) Os prestadores de serviços de conexão.

b) Os prestadores de serviços de aplicação.

A primeira, conforme predispõe o art. 5º, inciso VI c.c/ art. 13 do MCI tem como atividade principal o fornecimento de serviços de conexão com a internet, ou seja, é aquela que libera o acesso de conexão ao usuário da rede.

A segunda, conforme preleciona o art. 5º, inciso VI c.c/ art. 15 do MCI, tem como atividade principal o fornecimento de serviços de aplicações, ou seja, é aquela que fornece aplicativos por meio da internet (aplicações estas de cujo conceito pode ser expandido a softwares e sistemas web entre outros, a teor da concepção legal acerca deste em seu art. 1º da lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998 - Lei de software).

Mas será que é correto afirmar que ambas atividades devem guardar todo e qualquer dado dos usuários?

Evidentemente que não, e é justamente aqui que se confunde o que realmente dispõe a lei.

Como cediço, o MCI está sujeito as normas de ordem constitucional. Isto importa em concluir que submete-se a norma Maior.

E o MCI, não vai contrariamente a CF/88. Pelo contrário: ela reconhece e se alinha com perfeição a Constituição, se não vejamos.

Dentre os vários princípios fundamentais de nossa Carta Magna, destacam-se ao tema os direitos da privacidade e da intimidade, e em decorrência deles, a garantia do sigilo e inviolabilidade das comunicações, o que inclui as realizadas por meio da internet.

O Marco Civil respeita isso?

Definitivamente sim. E não só respeita, como impõe limites que não estão sendo observados nem pelas partes que litigam e o usam como fundamento de pedidos absurdos, como também por muitas decisões judiciais que tem se focado na interpretação de um ou alguns artigos, quando a norma deve ser analisada ipsis literis, em sua totalidade.

E a maior prova de que o Marco civil não apenas respeita estes limites, é que também impõe referidos limites.

Isto porque, não são todos os dados dos usuários que as empresas prestadoras de serviços de conexão e de aplicação devem manter em guarda. Aliás, o rol do que deve ser guardado é bastante restrito (justamente objetivando se alinhar com o que dispõe a CF/88 acerca da privacidade e da intimidade).

O art. 10º e art. 13 do MCI, determina que as empresa prestadoras de serviços de conexão devem guardar apenas e tão somente os registros de conexão, ou seja, apenas o conjunto de informações referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados (art. 5º, inciso VI do MCI).

Já as empresas prestadoras de serviços de aplicação, devem limitar a guarda apenas e tão somente dos registros de acesso a aplicações de internet (art. 15 do MCI), ou seja, do conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP (art. 5º, inciso VIII); em outras palavras, quem acessou, quando acessou e quanto tempo permaneceu acessado em determinada aplicação.

Veja-se ainda que há inclusive penalidades severas em caso de guarda excessiva de dados, consoante se nota do teor dos artigos 14 e 16, do MCI, a título de exemplo.

Com efeito, tem-se com clareza solar, que em verdade o Marco Civil da Internet não é o vilão da história, nem muito menos deve servir de base a pechas, como vem sendo feito.

Aplicado aos recentes casos de bloqueio do WhatsApp (que é um prestador de serviço de aplicação), muito emborra não tenhamos tido acesso aos autos para uma análise mais precisa, entendemos que, a ilegalidade seria patente, se a ordem judicial foi emanada no sentido punitivo, ou seja, de penalizar a empresa que não apresentou o teor dos conteúdos, já que o próprio MCI veda a guarda destes, impondo inclusive penalidades em caso de excessiva guarda de informações, conforme se denota do art. 16 inciso II da mesma norma em comento.

Aliás, importante ainda consignar que não há nenhuma norma que determine a guarda de outras informações de usuários de internet, exceto aqueles indicadas no MCI; o que, nem poderia ser diferente, sob pena de ofensa direta a CF/88.

Por derradeiro, vale ainda destacar que qualquer decisão neste sentido, em relação ao WhatsApp, seria ilegal, já que (ao contrário de outras espécies de sistemas web e aplicativos como o Facebook) os dados de conteúdo do programa, não são armazenados em servidores do desenvolvedor, mas nos próprios aparelhos dos usuários.

Assim, qualquer decisão no sentido de que a empresa forneça tais dados, além de violar de forma flagrante a CF/88 (no tocante a privacidade, intimidade e sigilo das comunicações) caminha de forma contrária a exceção prevista no próprio Marco Civil, ao atribuir a responsabilidade da empresa, apenas e tão somente dentro dos limites técnicos de seu sistema, consoante se infere do disposto no art. 19 do MCI, in verbis:

"Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário."

Enfim, não se pretende esgotar o tema, mas apenas fornecer alguns valiosos esclarecimentos sobre possíveis entendimentos equivocados, tanto no tocante a interpretação da norma, quanto nos particulares técnicos da questão.

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*Emerson Tadeu Kuhn Grigollette Júnior é advogado de Emerson Grigollette Advocacia.




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