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Planos coletivos por adesão: por que os reajustes são tão altos?

As operadoras de planos de saúde coletivo por adesão não podem repassar ao consumidor os riscos do negócio.

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Atualizado em 29 de julho de 2016 16:01

Quem integra um plano de saúde na categoria coletivo por adesão provavelmente já ouviu falar no termo "reajuste por sinistralidade". Isso porque, anualmente, a mensalidade do plano de saúde sofre majoração que decorre da compensação financeira entre as partes. Isto é, aludida majoração é calculada com base na utilização dos serviços disponibilizados pela operadora, levando em consideração a receita atingida durante o ano.

Em outras palavras, quanto mais um determinado grupo utiliza os serviços ofertados pelo plano de saúde mais alto será o percentual de reajuste com base na sinistralidade. Portanto, a apuração do percentual de correção anual leva em conta os gastos que excederem 70% da receita da operadora.

Diferentemente do que acontece nos planos coletivos por adesão, os da categoria individual, submetem-se ao reajuste anual fixado pela ANS. Percebe-se que, ao longo dos anos, os índices estipulados pela ANS são sensivelmente inferiores aos promovidos pelas operadoras para os contratos coletivos por adesão.

Para ilustrar a narrativa, neste ano, o plano de saúde coletivo por adesão da categoria de classe dos Cirurgiões Dentistas de São Paulo, experimentou reajuste de 19.46%, ao passo que os beneficiários dos planos de saúde na modalidade individual sofreram aumento de 13,57%.

Com efeito, o reajuste autorizado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, no percentual de 13,57%, busca a recomposição monetária e, por conseguinte, o equilíbrio contratual. Por outro lado, o índice aplicado a título de sinistralidade, por mais que seja intitulado sob o rótulo de recomposição atuarial, em compensação à variação dos custos, por vezes, mostra-se abusivo ao consumidor que pretende manter-se acobertado pela proteção do seguro de saúde.

Assim, muito embora as operadoras de planos de saúde defendam, em tese, a majoração da mensalidade em razão da previsão contratual e da busca ao equilíbrio financeiro, aludidos aumentos são passíveis de receber a pecha de abusivos, na medida em que baseados em cláusulas contratuais nulas, com conotação de desvantagem excessiva ao consumidor.

As justificativas lançadas pelas operadoras para elevarem a mensalidade dos beneficiários dos planos coletivos por adesão causam ainda mais estranheza quando se observam os lucros experimentados pelas operadoras.

Nesta senda, fica difícil imaginar que os reajustes por sinistralidade buscam aplacar o desequilíbrio financeiro, senão em desfavor patente ao consumidor. Outrossim, não é demais enfatizar que muito embora haja o repasse dos gastos ao beneficiário, este não experimenta sequer atualização monetária quando recebe reembolso por despesas médicas ocorridas fora da rede credenciada.

Em resumo, as operadoras de planos de saúde coletivo por adesão não podem repassar ao consumidor os riscos do negócio, de modo a desvirtuar a alma do contrato de saúde, respaldadas em cláusula contratual obscura, portanto, incompreensível mesmo para técnicos no tema.

Em síntese, para reforçar, as cláusulas contratuais que preveem a possibilidade do reajuste por sinistralidade estampam fórmulas ininteligíveis e em descompasso com o equilíbrio contratual. E não bastasse a cláusula obscura, as operadoras impõem a elevação na mensalidade sem comprovar os gastos que supostamente deram azo ao aumento praticado.

Ainda, o reajuste por sinistralidade confere à operadora amplo poder de majoração do plano de saúde, sem prestar contas de qual fórmula utilizou para alcançar o percentual aplicado.

Nesse passo, com o desígnio de proteger o consumidor, tramita perante o Senado Federal o projeto de Lei nº 100 de 2015, de autoria do Senador Cassio Cunha Lima, cuja justificação segue abaixo:

JUSTIFICAÇÃO

Tanto a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998 (Lei dos planos de saúde), como a Lei nº 9.961, de 28 de 2000 (Lei da ANS), configuram-se em importante instrumento de regulação do mercado dos planos privados de assistência à saúde e, desse modo, aumentaram a proteção do consumidor contra abusos nos contratos de prestação de serviços. Entre outros excessos, tais contratos conferiam amplo poder às operadoras para reajustarem excessivamente as mensalidades sem mesmo considerarem os índices inflacionários.

Enquanto o projeto de Lei não se convalida, cabe ao Poder Judiciário dirimir esse conflito e restabelecer o equilíbrio contratual. Assim, para promover justiça e amparar os consumidores, O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo afasta o reajuste em questão, na medida em que declara nula a cláusula contratual desprovida de informação clara e precisa (Apelação nº 0014864-08.2008.8.26.0020. 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Des. Rel. Rômulo Russo. Julgado em 15.06.2016), (Agravo de Instrumento nº 2099010-27.2016.8.26.0000. 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Des. Rel. Araldo Telles. Julgado em 21.06.2016).

Portanto, restou ao Poder Judiciário proteger o consumidor do alvedrio das operadoras, que, de maneira unilateral e notoriamente descabida, promovem aumentos abusivos e capazes de expurgar os beneficiários do plano de saúde.

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*Thaís Kechichian Alonso, bacharel em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos - UNIMES, pós-graduada em Direito Civil pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e advogada no Vilhena Silva Sociedade de Advogados, escritório especializado na área de direito à saúde.

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