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Capitais Brasileiros no Exterior

É preciso prudência aos juristas, para a correta interpretação/aplicação da nova lei.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Atualizado em 4 de agosto de 2016 08:41

Lei 13.254, de 13 de janeiro de 2016

"Regularização de Ativos Lícitos"

O tema tem ocupado lugar de destaque no debate jornalístico, com manifestações aqui e ali, sempre com o tom da ameaça de um grande "big brother" de características planetárias que a todos "vê e ceifará os maus do convívio dos mercados". Nada contra, por evidente, às medidas repressivas, punitivas e impeditivas da corrupção, do tráfico de drogas e de armas, sobretudo dos ilícitos ganhos auferidos nessas criminosas atividades que assolam a realidade desafiadora da sociedade atualmente.

Deixando de lado uma postura crítica quase irresistível nesses dias em que cada "avanço" é a certeza de um retrocesso, no mais das vezes, irrecuperável, será mais proveitoso concentrarmo-nos na lei 13.254, de 13 de janeiro de 2016, portanto, no caso brasileiro nesse cenário mundial.

A questão preliminar e indispensável para interpretar a lei, é localizá-la em nosso sistema de direito positivo, eis que, embora muitos não o saibam, o sistema jurídico pátrio é o pano de fundo em que se alinham todas as questões referidas, algumas tratadas, outras apenas "ventiladas" pelo vertente diploma legal.

Diz-se, com razão, que a lei permite anistiar situações ilícitas, para torná-las lícitas; portanto alcança as hipóteses em que o sujeito descumpriu regras do ordenamento jurídico brasileiro: deixe-se bem vincado, que são alcançadas também as infrações penais previstas pelo sistema de direito positivo brasileiro e relacionadas pela lei 13.254/16, cujo produto tenha sido remetido para o exterior, ou lá recebido pelo infrator.

Ao lado dessas situações, se alinham as que se resumem à remessa de recursos para o exterior, sem a regular operação cambial. originados de negócios jurídicos lícitos [como, por exemplo, a venda de bens no país].

São, pois, os seguintes, os aspectos fundamentais abrangidos pela regularização disciplinada pela lei:

(i) os crimes perpetrados pelo contribuinte de que se originaram os recursos localizados no exterior [art. 5o §1º], desde que não transitada em julgado a sentença condenatória;
(ii) a remessa de recursos para o exterior sem a regular operação cambial [art. 5o §1º, VI], aí alcançadas as situações de recursos de origem lícita, também;
(iii) a manutenção de recursos no exterior, oriundos ou não de crimes, sem a declaração correspondente ao Banco Central do Brasil [MP 2224/01].

Da situação enunciada em (iii) se desdobram duas situações absolutamente distintas:

(iii.a) uma em que a remessa resultou na manutenção de conta corrente bancária no exterior, não declarada perante o Banco Central do Brasil e
(iii.b) outra em que os recursos foram aplicados na constituição de "trust", de "foundation", de sociedade "off shore", ou mesmo na aplicação em fundos de investimento. Isso para referir às situações mais encontradiças nesse universo.

Há, ainda, que cogitar das hipóteses de remessa de moeda nacional para o exterior, operação autorizada e prevista já no decreto 42.820/57, artigo 17 e disciplinada pela lei 9.069/95, artigo 65 (Lei em que se converteu a Medida Provisória 566/94, ao depois 1027/95) pela qual foi implantado o Real como moeda nacional.

Nesses casos, os recursos localizados no exterior sequer foram remetidos mediante operação irregular de câmbio e, menos ainda, com o propósito de promover evasão de divisas, até porque impossível esse fato [evasão de divisas] quando apenas a moeda nacional tiver sido transferida para o exterior.

Portanto, se alguém tiver remetido recursos em moeda nacional para constituir empresa no exterior e lá tiver mantido sob essa forma, sem declaração ao Banco Central do Brasil, a regularização se resume à declaração de capitais brasileiros no exterior, sujeita à imposição da multa da MP 2.224/2001.

Desde logo há de se deixar bem vincado: a falta de declaração ao Banco Central do Brasil não constitui crime. Somente configura crime se os recursos remetidos para o exterior tiverem sido mantidos em depósito em conta, junto a banco, pois é o tipo penal enunciado no § único do artigo 22 da lei 7.492/86. Convém frisar: a remessa de moeda estrangeira, sem a regular operação de câmbio, implica o crime de evasão de divisas, tipificado no "caput" da mencionada disposição legal.

A falta de declaração ao Banco Central do Brasil da existência de bens no exterior, nas demais hipóteses, não constitui crime, mas infração administrativa como disciplina a Medida Provisória 2.224/2001, que prevê multa pela falta de declaração ou declaração incompleta, sempre que os haveres no exterior, no último dia do exercício, ultrapassarem o limite definido pelo Banco Central do Brasil [hoje fixado em US$ 100.000,00.

A novel disciplina voltada para ampliar a arrecadação, se sua aplicação não respeitar o nosso sistema de direito positivo, como por vezes algumas manifestações sugerem, pode até fazer supor, equivocadamente, que situações engendradas em outros países pela contratação de "trust" ou pela organização de fundação, para referir apenas às que mais acirram o debate, estivessem alcançadas pelo dever de informar da MP 2224/2001.

Nesses casos, já está sedimentado o regime de direito a que se subordinam perante nosso ordenamento jurídico, pelos comandos legais do decreto-lei no 4.657 de 04/09/1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - contidos nos artigos 9º e 11, a elas aplicáveis, ["Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem. Art. 11 As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituírem."]. De há muito, portanto, estão superadas as dúvidas que agora parecem embaçar a sua regência legal.

De toda sorte, é preciso prudência aos juristas, para a correta interpretação/aplicação da nova lei, sobretudo no que toca às dificuldades sobre a sua constitucionalidade, que por certo deverão ser dirimidas pelo Judiciário.

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*José Tadeu de Chiara é professor doutor do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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