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A questão do RERCT e a (não) tributação da variação cambial após 31/12/2014

A rigor, não incide imposto de renda sobre a variação cambial ocorrida de 2015 em diante.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Atualizado em 26 de agosto de 2016 12:35

O Governo Federal andou bem ao instituir o RERCT - Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária, aplicável a recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no país.

Acompanhando a tendência mundial de programas de divulgação voluntária (voluntary disclosure), o Governo Federal conseguiu, a um só tempo:

(1) reforçar a arrecadação durante a crise, sem estrangular ainda mais a atividade econômica;

(2) colocar sob seu radar um enorme volume de patrimônio, que gerará mais arrecadação no futuro; e

(3) permitir que os contribuintes pudessem regularizar desvios tributários e penais do passado.

Transcorrido metade do prazo para adesão ao programa, que se encerrará em 31 de outubro de 2016, mesmo com todo esforço da RF em divulgar quase que semanalmente novos esclarecimentos em seu site (no campo "Dercat - Perguntas e Respostas"), muitos pontos ainda permanecem nebulosos em relação ao regime.

Uma das grandes questões está em saber qual o regime tributário a ser observado a partir do dia 1º/1/15 em relação aos valores regularizados. É que o RERCT somente se aplica aos ativos, bens ou direitos relativos a períodos anteriores a tal marco temporal, por expressa previsão da lei 13.254/16 (art. 1º, § 1º).

Imagine-se, então, que um contribuinte tinha, no fim de 2014, US$ 200 mil aplicados no exterior. Segundo as regras do RERCT, esse montante deve ser regularizado pela cotação do dólar no dia 31/12/14, fixado em R$ 2,66, o que resulta no total de R$ 532 mil. Como esse valor continuou aplicado fora do país, além dos novos rendimentos, houve, também, ganho em razão da valorização do dólar frente ao real, surgindo, daí, a seguinte dúvida: quando do repatriamento, haverá tributação da variação cambial positiva?

Falando do caso específico das pessoas físicas, existem dois fatores que influenciam diretamente os ganhos decorrentes da variação cambial positiva: (1) se os depósitos são remunerados (se não forem, aplica-se a isenção da lei 9.250/95); e (2) se os depósitos se originam de rendas auferidas no Brasil.

Esse tema, em razão das indagações que suscita, foi objeto da Pergunta 44, assim respondida pela RFB:

44) Incide IRPF sobre a variação cambial dos valores depositados em instituições financeiras no exterior verificada de 31/12/14 até a data da Repatriação? (Pergunta incluída em 7/6/16)

Se o depósito for remunerado haverá a tributação pelo IRPF no momento da liquidação ou resgate, conforme determina o art. 24 da MP 2158-35, de 24 de agosto de 2001 (IN SRF 118, de 28/12/00). Ressalta-se, porém, que não haverá a incidência do IR sobre as variações cambiais no caso de os depósitos remunerados terem sido realizados em moeda estrangeira e com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira (art. 14, inciso II, c/c os arts. 4º e 5º da IN SRF 118, de 2000).

Como se observa, somente haverá incidência de IR se os depósitos tiverem origem de rendimentos auferidos no Brasil e posteriormente remetidos para o exterior. Nesse sentido, a definição da origem do recurso ganha contorno importantíssimo, embora esse detalhamento seja legalmente inexigível para fins de adesão ao programa, conforme explicitado pela própria RFB em resposta à pergunta 401.

Deve-se ter presente, no entanto, que na prática pode ser materialmente inviável distinguir os recursos originários de rendimentos auferidos no Brasil dos originários de rendimentos auferidos no exterior, em especial quando os valores a serem regularizados são frutos de várias remessas ou se referem a períodos distantes, de 10 ou 20 anos passados.

Para essa questão, os normativos existentes não indicam como deve ser feita essa segregação e nem dispõem de forma mais detalhada sobre o tratamento que deve ser conferido, passando-se apenas uma linha de corte sobre os fatos geradores ocorridos até 31/12/14. O problema é que a tributação dos exercícios seguintes fica vinculada à forma de aquisição do patrimônio (exterior x Brasil).

Há, portanto, uma sensível omissão na lei 13.254/16, que também não foi colmatada nem pela IN RFB 1.627/16, nem pelas "Perguntas e Respostas", que, como visto, abordam a questão somente de modo superficial, sem solucioná-la.

Deste modo, o desenlaceda controvérsia deve ser extraído a partir de uma interpretação finalística da lei 13.254/16, em especial a de seu art. 6º, segundo o qual o montante objeto de regularização é considerado como ganho de capital adquirido em 31/12/14. Veja-se:

Art. 6º Para fins do disposto nesta Lei, o montante dos ativos objeto de regularização será considerado acréscimo patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014, ainda que nessa data não exista saldo ou título de propriedade, na forma do inciso II do caput e do § 1º do art. 43 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), sujeitando-se a pessoa, física ou jurídica, ao pagamento do imposto de renda sobre ele, a título de ganho de capital, à alíquota de 15% (quinze por cento), vigente em 31 de dezembro de 2014.

Note-se que a norma utiliza a expressão "será considerado acréscimo patrimonial adquirido em". Ou seja, ainda que faticamente não seja (e na maioria dos casos efetivamente não será), por ficção jurídica, a lei estabelece que o total dos recursos objeto de regularização passa a ser legalmente tratado como acréscimo patrimonial auferido no dia 31/12/2014. Ora,e como o montante "objeto de regularização" se encontra no exterior - isso é premissa do próprio RERCT -, o referido acréscimo patrimonial somente pode ser considerado como adquirido no estrangeiro!

Assim sendo, restaria afastada a incidência de imposto de renda sobre a variação cambial ocorrida entre 31/12/14 (cotação do dólar R$ 2,66) e a data da liquidação ou resgate da aplicação, conforme dispõe o art. 14, da Instrução Normativa SRF 118/00.

Art. 14. Não incide o imposto de renda sobre: (.)

II - a variação cambial decorrente das alienações referidas nos arts. 4º e 5º;2

Por outro lado, em razão da falta de clareza legislativa, reconhece-se que a Receita Federal do Brasil pode solicitar dos contribuintes documentos relativos aos cinco últimos anos, a fim de tentar enquadrar parte dos recursos como oriundos do Brasil, fazendo incidir imposto de renda sobre a variação cambial, conforme indicativo existente na pergunta 44, transcrita acima. Esse alerta é importante, pois, como o intuito da adesão ao regime é o de regularização, os contribuintes devem estar cientes de todos os riscos fiscais envolvidos.

Em conclusão, considerando que o RERCT estabelece a ficção de que o bem ou direito deve ser considerado como adquirido em 31/12/14, a rigor, não incide imposto de renda sobre a variação cambial ocorrida de 2015 em diante. De toda sorte, para os contribuintes que preferirem seguir a linha da extrema cautela, é aconselhável adotar metodologia de cálculo que considere o percentual das rendas auferidas originariamente no Brasil (e remetidas), fazendo incidir imposto de renda apenas sobre a variação cambial verificada nesta parcela.

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1 40) O declarante precisa comprovar a origem lícita dos recursos?

O contribuinte deve identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita na Dercat. Não há obrigatoriedade de comprovação. O ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB.

2 Os artigos 4º e 5º da IN SRF nº 118/2000 tratam justamente dos "Bens e Direitos Adquiridos e Aplicações Financeiras Realizadas com Rendimentos Auferidos Originariamente em Moeda Estrangeira".

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*Rodrigo Accioly é especialista em Direito Tributário e sócio do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.


 

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