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A inconstitucionalidade de legislações estaduais que internalizaram o convênio ICMS 42/16, mas destinaram o ICMS ao fundo de combate à pobreza

Talita Pimenta Félix e Rodrigo Leal Griz

O fundo de combate à pobreza nos termos em que foram criadas encontra inconstitucionalidades que devem levar à exclusão dessas legislações.

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Atualizado às 08:32

Em 3 de maio de 2016, foi editado o Convênio ICMS 42/16 que autorizou os Estados e o Distrito Federal a condicionar a fruição de incentivos e benefícios fiscais, financeiro-fiscais ou financeiros, inclusive os decorrentes de regimes especiais de apuração, que resultem em redução do valor ICMS a ser pago, ao depósito de no mínimo 10% do benefício ou incentivo, a um fundo de equilíbrio fiscal, destinado à manutenção do equilíbrio das finanças públicas.

Em face de certas inconstitucionalidades manifestas, tal como a destinação de imposto a fundo, o que é expressamente vedado pelo artigo 167, IV, da Constituição Federal1, alguns Estados, a exemplo de Goiás (lei 19.261/16) e da Bahia (lei 13.564/16), decidiram internalizar o Convênio ICMS 42/16 de outra maneira: exigir que parte do benefício ou incentivo fiscal seja destinado ao fundo de combate e erradicação da pobreza previsto no artigo 82 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT)2.

Pela redação das legislações estaduais, é possível notar a semelhança entre as previsões do Convênio ICMS 42/16 e a destinação do ICMS ao fundo de combate à pobreza: são praticamente idênticas e alteram apenas a destinação, que não é realizada para o fundo de equilíbrio fiscal.

Em termos de consequência, a legislação de Goiás e da Bahia, assim como é autorizado pelo referido Convênio, implicam recolhimento a um fundo de um percentual de no mínimo 10% sobre o montante da diferença entre o valor do imposto calculado com a aplicação da tributação integral e o calculado com utilização de benefício ou incentivo fiscal.

Não obstante haja previsão constitucional, a destinação ao fundo de combate à pobreza nos termos em que foram criadas por esses Estados também encontra inconstitucionalidades que devem levar à exclusão dessas legislações do direito positivo brasileiro.

O artigo 82 do ADCT prescreve que o adicional do ICMS destinado ao fundo de combate à pobreza não terá a parcela de 25% destinada aos Municípios, isto é, não comporá o Fundo de Participação dos Municípios previsto no artigo 158, IV, da Constituição Federal3. Contudo, os benefícios fiscais previstos nas legislações de Goiás e da Bahia, por exemplo, não criam um adicional do ICMS - entendendo-se o adicional como a majoração da alíquota geral de 17% ou de 18%.

Assim, fere-se claramente a autonomia financeira dos Municípios, que deixam de receber aportes referentes ao ICMS, pois referidos Estados concedem benefícios e exigem que parte do ICMS não recolhido seja destinado a um Fundo do qual os Municípios não recebem qualquer participação. Não há, pois, um adicional de ICMS e os Municípios perdem receita que têm direito.

Outra inconstitucionalidade reside no fato de que grande parte dos benefícios fiscais que sofreram redução não são concedidos a produtos e serviços considerados supérfluos, a exemplo de medicamentos e máquinas para uso médico hospitalar, conforme exigência do artigo 82, §1º, do ADCT.

Referida exigências que reduziram os benefícios fiscais também passaram a ser exigidas imediatamente, sem respeitar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal, nos termos prescritos pelo artigo 150, III, "b" e "c", da Constituição Federal4.

Vê-se que alguns Estados, com a finalidade de aumentar receitas em época de crise econômica, buscaram internalizar o CONVÊNIO ICMS 42/16 com a criação de fundo diverso, talvez para evitar algumas inconstitucionalidades, mas que também não restaram livres de combate pelos contribuintes, que podem exigir a declaração de inconstitucionalidade dessa nova exigência no Poder Judiciário.

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1 Art. 167. São vedados:
(...)
IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

2 Art. 82. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate á Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil.
§ 1º Para o financiamento dos Fundos Estaduais e Distrital, poderá ser criado adicional de até dois pontos percentuais na alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS, sobre os produtos e serviços supérfluos e nas condições definidas na lei complementar de que trata o art. 155, § 2º, XII, da Constituição, não se aplicando, sobre este percentual, o disposto no art. 158, IV, da Constituição.

3 Art. 158. Pertencem aos Municípios:
(...)
IV - vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

4 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
III - cobrar tributos:
(...)
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
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*Talita Pimenta Félix é doutoranda e mestre em Direito pela PUC/SP. Coordenadora do IBET-Goiânia. Conselheira do CARF/MF.

*Rodrigo Leal Griz é doutorando e mestre em Direito pela PUC/SP. Professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Advogado.

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