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A anistia cambial é a anistia que queremos?

Miguel Neto

Ao advogado cumpre o dever de defender o que acha certo ou errado, justo ou injusto e criar argumentos para isso.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Atualizado às 15:17

Muito se tem dito e escrito sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária que foi introduzido no mundo jurídico brasileiro pela lei 13.254/16 e regulamentado pela Instrução Normativa da Receita Federal Brasileira de nº 1.627/16.

A principal crítica é que tais normas trazem diversas dúvidas e lacunas que precisam ser preenchidas para que os anistiados possam participar de tal regime especial. Em que pese haver diversas situações nas citadas normas legais com as quais eu não concordo, a maioria delas "remendos" ao projeto de lei inicial, que foram colocados afoitamente e sem se pensar nas consequências práticas, permito-me discordar dos que dizem que há, ainda "diversas dúvidas" a serem esclarecidas.

É claro que, pelo menos para mim, não fazer qualquer sentido que, já que o que se pretende anistiar são ativos havidos e não declarados até 31 de dezembro de 2014, a restrição para que pessoas que ocupem cargos públicos eletivos ou diretivos, seja para aqueles que o fazem a partir de 1º de janeiro de 2016. É absurdo se imaginar que alguém que foi a vida inteira político, até 31 de dezembro de 2015, que desviou recursos para o exterior, ainda que fruto de atividades não políticas, possa participar da anistia e um empresário ou profissional liberal que nunca ocupou cargo público até 31 de dezembro de 2014 (data marco para se apurar os ativos a serem anistiados) e que, portanto, não tinha como (exceto se negociava com o poder público) desviar recursos públicos para o exterior, por aceitar um cargo em comissão (secretário de estado ou presidente de uma estatal) em 1º de janeiro de 2016, esteja excluído da anistia. É impensável que, alguém que empreendeu durante a vida toda, só porque tem um irmão, pai ou tio, que ocupe cargo político ou de direção (pessoas com que talvez esteja até rompido por problemas familiares), fique excluído do direito de participar da anistia se tal parente jamais participou da formação de seu patrimônio. Mas, daí a dizer que há dúvidas quanto a tal regra, que a norma não é clara, me parece faltar com a verdade aos fatos.

Da mesma forma, a legislação é clara e indiscutível quanto ao valor dos ativos a serem declarados e o Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional datado de 1º de julho p.p. confirmou tal interpretação, a meu ver de maneira acertada.

Desde o início a norma deixa claro que o patrimônio a ser anistiado é o patrimônio detido e não declarado e que poderia ser considerado um dos crimes anistiados pela legislação. Deixando de lado termos técnicos e tentando ser mais direto, a norma não quer que se anistie a "foto" de 31 de dezembro de 2014, mas sim um filme que começou em alguma data passada (16 anos atrás por ser este o termo prescricional mais longo dos crimes anistiados) e que terminou em 31 de dezembro de 2014. E a razão é simples. Se hoje aparecesse a comprovação para as autoridades brasileiras de que um contribuinte brasileiro mantinha no exterior em 2005 ativos no valor de US$ 10,000,000, mesmo que este contribuinte hoje estivesse sem nenhum patrimônio, não seria ele processado e eventualmente condenado pelos crimes que hora se anistia? Para mim me parece que, em não tendo incorrido o período prescricional, a resposta certamente é sim.

Assim, se esta é uma anistia criminal, muito mais do que tributária e, me parece isto ninguém discorda, se o processo penal e a pena dele decorrente, poderiam ser aplicados por qualquer valor mantido no exterior entre 2000 e 2016, porque o valor de 31 de dezembro de 2014 deveria ser o valor para se calcular os tributos devidos na anistia?

Eu estou de acordo com tal critério? Acho justo? Estes são conceitos que envolvem a visão pessoal de cada um sobre o que é justo e certo. O mestre Goffredo da Silva Telles já nos ensinava nas suas saudosas aulas de Teoria Geral do Direito que o "Certo é o errado com que concordamos" e o "injusto o justo de que discordamos".

Portanto, ao advogado cumpre o dever de defender o que acha certo ou errado, justo ou injusto e criar argumentos para isso. Mas tentar argumentar que a norma não está clara sobre este ponto, me parece faltar com a verdade e com a legítima exegese legal.

O conceito que vale é o da "renda consumida". Se o contribuinte tinha um patrimônio em 2005, uma carteira de ações, que manteve até 2014 e que em 2005 valia mais do que valia em 2014, em razão da desvalorização de tal carteira acionária, me parece claro que o valor a ser declarado é o de 2014. Porém se tal patrimônio diminuiu no mesmo período por consumo, gasto, não encontro argumento, além do justo ou injusto, para suportar a tese de que o valor a ser tomado por base de cálculo seja o de 2014. Para mim a norma é clara e correta (apesar de injusta) de que se deve tributar o montante existente em 2005.

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*Miguel Neto é sócio-sênior do escritório Miguel Neto Advogados.

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