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Gestão - O que pude observar nos escritórios e departamentos jurídicos

Os melhores departamentos jurídicos e escritórios de advocacia que encontrei foram aqueles capazes de aliar uma cultura forte a práticas eficazes de gestão.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Atualizado em 27 de setembro de 2016 08:35

Nos últimos dois anos tive a oportunidade de conhecer melhor a atuação dos principais departamentos jurídicos e escritórios de advocacia do mercado nacional e, nessa trajetória, observei algumas práticas que me ajudaram a compreender como realmente funciona a gestão desses players.

Para simplificar a exposição, posso dividir os segmentos em dois grandes grupos:

Grupo 1: orientados à gestão

No primeiro grupo, destacam-se os departamentos jurídicos. Eles empregam as melhores e mais modernas práticas de gestão em suas atividades. Os diretores jurídicos mais notáveis discorrem com tranquilidade sobre os diferentes métodos de gestão, são abertos a novas tecnologias, promovem a eficiência, trabalham com metas, realizam avaliações periódicas, tomam decisões baseadas em dados, etc.

Nesse mesmo grupo também temos os escritórios especializados em contencioso de volume. Aqui, as referências do setor também adotam as melhores práticas de gerenciamento e são capazes de produzir com grande eficiência e crescente qualidade. Estão preocupados em melhorar sistematicamente os processos e eliminar os defeitos.

Apesar desses dois ramos serem tão distintos, é possível visualizar determinados incentivos que os conduzem a um nível de gestão semelhante. Os departamentos jurídicos estão inseridos em uma estrutura empresarial e são impelidos a planejar, implantar rotinas e obter dados, além de serem constantemente cobrados por mais eficiência.

Os escritórios de contencioso de volume, por sua vez, possuem uma pequena margem de lucro por processo ativo, ganhando na quantidade de ações gerenciadas. Nesse jogo, quem não é eficiente não sobrevive por muito tempo.

Grupo 2: orientados à cultura

Doutro lado, temos o grupo dos escritórios que atuam com demandas complexas e especializadas. Esse conjunto abrange desde as boutiques até os escritórios full service centrados em consultoria e casos estratégicos.

Nesse conjunto, o que se destaca em um primeiro momento é a falta de gestão. É possível observar que a maioria dos profissionais só trabalha apagando incêndios, não há um grande esforço de planejamento, poucas métricas são extraídas e acompanhadas, os critérios de avaliação são extremamente subjetivos, não há uma preocupação em tornar a prestação de serviços mais eficiente, e por aí vai1.

Explicar o motivo para essas falhas de gestão é desafiante. Poderíamos destacar a falta de incentivos externos, tendo em vista que as margens de lucro são altas; a estrutura organizacional, com o poder decisório dividido entre diversos sócios; ou até mesmo a dificuldade de implantar práticas de gestão "tradicionais" em atividades eminentemente intelectuais, as quais envolvem uma boa dose de análise subjetiva e criatividade.

Contudo, minha principal dúvida era como justificar a existência de escritórios que, mesmo com graves defeitos gerenciais, conseguem prosperar e entregar ótimos resultados de forma consistente?

O que pude observar é que, nos melhores escritórios, apesar das falhas de gestão, há uma cultura muito forte. Os membros do escritório compartilham de uma identidade de princípios, valores e normas de comportamento que são capazes de guiar seus membros mesmo na ausência de processos formais.

Tais escritórios conseguiram estabelecer uma identidade de atuação, pela qual todos se orientam. Valores como qualidade técnica, dedicação, comprometimento, devoção aos clientes e espírito hands on são compartilhados e cobrados por todos.

Criar e manter uma cultura organizacional não é uma tarefa fácil. Isso talvez explique por que os escritórios deste grupo são tão preocupados na formação interna dos advogados (e tão sensíveis às contratações laterais); se esforcem tanto na tarefa de criar um linguajar próprio; ou sejam tão subjetivos em suas avaliações, visto que tão importante quanto o desempenho é a identidade com a cultura do escritório.

Absorva o melhor dos dois mundos

Melhorar as práticas de gestão e fomentar a cultura organizacional não são atividades mutuamente excludentes. Na verdade, são dois lados da mesma moeda. Os melhores departamentos jurídicos e escritórios de advocacia que encontrei foram aqueles capazes de aliar uma cultura forte a práticas eficazes de gestão.

Nessa perspectiva, acredito que os dois grupos têm muito a aprender um com o outro. Departamentos jurídicos e escritórios de contencioso de volume também devem se preocupar em desenvolver uma cultura forte, capaz de fomentar o senso de pertencimento dos seus profissionais e orientá-los em sua atuação mesmo na ausência de guias formais.

Os escritórios "consultivos", por sua vez, devem se esforçar para melhorar suas práticas de gestão. Independentemente da área de atuação, é sempre possível implantar práticas e processos capazes de gerar resultados revolucionários. Atividades básicas, como realizar um planejamento estratégico para o próximo ano, definir e acompanhar KPIs (Key Performance Indicators), dividir tarefas e adotar tecnologias que gerem eficiência podem gerar resultados impressionantes. Isso, inclusive, ajuda a manter a cultura na medida em que o escritório cresce.

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1 Parece que até mesmo as tentativas de melhorar a gestão são sabotadas no nascedouro. Se os sócios decidem contratar um CEO para administrar o escritório, não lhe dão autonomia suficiente para atuar; se constituem comitês para melhorar a eficiência do processo decisório, o fazem com tantos membros (ou com tão pouca especialização) que as decisões se tornam ainda mais lentas ou propensas ao erro.

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*Flávio Ribeiro é doutorando em Direito Comercial e CEO do NetLex.

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