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A banalização do dano moral nos Juizados Especiais

Alexandre Gaiofato de Souza e Valéria Fonseca de Andrade Miracca

Os Juizados ultimamente têm enfrentado os mesmos problemas das Varas comuns, a sobrecarga de demandas judiciais que vem inviabilizando a celeridade proposta.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Atualizado em 26 de outubro de 2016 10:01

Uma justiça mais célere, acessível e eficiente, este foi o propósito na criação dos Juizados Especiais, através da lei 9.099/95. Um novo modelo de justiça em que a sociedade buscasse de forma mais simples a solução de seus conflitos com maior inclusão do cidadão comum, criando um sistema processual mais sucinto, tendo como pressupostos norteadores a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e maior busca pela conciliação.

Entretanto, os Juizados ultimamente têm enfrentado os mesmos problemas das Varas comuns, a sobrecarga de demandas judiciais que vem inviabilizando a celeridade proposta. Das demandas apresentadas nos Juizados a maioria certamente versa sobre relação de consumo, cumulado com pedido de danos morais.

As demandas sobre este tema têm sobrecarregado os Juizados, talvez em razão da ausência de eventual sucumbência e a isenção de qualquer pena dela decorrente, posto que o acesso ao Juizado Especial independe do pagamento de custas, taxas ou despesas em primeiro grau de jurisdição.

A questão primordial é dizer quando efetivamente cabe indenização por dano moral. Sabe-se que nem todo contratempo ou aborrecimento da vida cotidiana pode gerar uma indenização. Há de se ter em mente que dano moral é algo que foge à normalidade, que cause efetivamente uma violação do direito à dignidade do lesado, para que se possa, assim, garantir a devida reparação.

No entanto, observa-se, uma grande demanda de ações em busca de indenizações infundadas, desprovidas de qualquer amparo legal, eis que alegados danos não passam de meros aborrecimentos do dia-a-dia, e o simples desgosto pessoal não significa que a dignidade da pessoa tenha sido abalada a ponto de ensejar reparação por danos morais.

Essa falta de conscientização da sociedade na busca de seus direitos efetivamente lesados, acionando o Judiciário desnecessariamente, somado ao fato de que se tornou comum em várias comarcas do País que ingressar no Juizado Especial com esse tipo de ação seria obter um ganho fácil, outra consequência não poderia ter senão a banalização do dano moral.

A causa de sua invocação de maneira tão exagerada e às vezes desprovida de qualquer fundamento jurídico talvez esteja ligada aos balcões de atendimento dos Juizados, onde muitas vezes a pretensão do jurisdicionado é elaborada pelo funcionário do Judiciário, diante da não obrigatoriedade do advogado nos Juizados Especiais. Contudo, nem sempre há capacitação jurídica para tanto, e as ações são propostas sem qualquer fundamentação que justifique o direito invocado, gerando uma expectativa ao autor que dificulta a conciliação, um dos princípios norteados dos Juizados Especiais.

Outro aspecto que deve ser levado em consideração é a gratuidade da Justiça proporcionada pela lei 9.099, pois o fato de não haver qualquer responsabilidade sucumbencial ao litigante dos Juizados Especiais até a sentença, ou seja, não há qualquer condenação caso seu pedido seja improcedente, exceto por litigância de má-fé, fatalmente isso o encoraja a procurar o Juizado e pedir tudo que acha ter direito, mesmo sem fundamento, ou, ainda que tenha algum direito, o pedido é desproporcional, gerando uma verdadeira avalanche de pedidos de indenizações por danos morais totalmente descabidos.

Fato é que a grande demanda em face deste instituto tem causado um exponencial aumento nos processos, gerando morosidade e batendo de frente com o princípio da celeridade processual, base fundamental dos Juizados Especiais, além de dificultar outro princípio, igualmente importante, que é o da conciliação, como dito anteriormente, se tem observado que a conciliação nestes tipos de ação é quase nula.

Muito se discute entre os juristas a valoração do dano moral como forma de melhorar esse problema, já que tem caráter preponderantemente subjetivo, uma vez que a legislação é omissa, recaindo sobre o magistrado a árdua tarefa de quantificar o valor da indenização.

Entretanto, talvez uma alternativa mais eficaz para melhorar essa desproporção que tomou as ações indenizatórias nos Juizados Especiais, seja uma jurisprudência mais firme, com sentenças mais criteriosas, que saibam separar o joio do trigo, rejeitando com veemência pretensões indenizatórias infundadas, sem qualquer pressuposto da responsabilidade civil, que são imprescindíveis para caracterização do dano; quem sabe com essa mudança de postura nas decisões judiciais haja uma maior conscientização da sociedade e todos os integrantes do mundo jurídico, evitando o acionamento desnecessário do poder judiciário no que tange ao pedido de dano moral e se possa ter um Juizado Especial realmente mais célere e eficiente.
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*Alexandre Gaiofato de Souza é advogado sócio do Gaiofato e Galvão Advogados Associados.

*Valéria Fonseca de Andrade Miracca é advogada associada do Gaiofato e Galvão Advogados Associados.


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