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O caso Lucía Pérez e o feminicídio

Há um grito contido há muito tempo, e que só recentemente passou a ser ouvido, ainda que por poucas pessoas.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Atualizado em 27 de outubro de 2016 08:13

"Nunca vi um conjunto de fatos tão aberrantes."
Esta frase foi dita pela promotora encarregada do caso de Lucía Pérez, a garota argentina de 16 anos, drogada, estuprada, e morta por empalhamento.

A menina foi deixada na porta de um hospital, de banho tomado e bem vestida. As pessoas que a deixaram lá (supostamente, os agressores) informaram que ela tinha sofrido uma overdose. Mas ao examiná-la, os médicos perceberam que a pele das narinas da moça estava queimada. Ninguém conseguira usar droga a ponto de se queimar daquela forma. Não voluntariamente, pelo menos.

Descobriram, em seguida, também que não havia nada de voluntário ali.
Lucía não morreu de overdose. Após ter sido forçada a consumir uma quantidade absurda de drogas, ela brutalmente violentada, e morreu em razão de rompimentos profundos na via vaginal e anal.

Há uma série de aspectos penais que poderiam ser analisados neste caso. Foram diversos os crimes cometidos desde o instante em que a garota foi forçada a ingerir a droga até o instante em que foi deixada, já sem vida, em um hospital. Certamente, uma série de institutos de direito penal e de direito da criança e do adolescente ganharam novos exemplos.

Mas há outras questões, tão importantes ou mais que o estudo do direito nesta situação. Há um grito contido há muito tempo, e que só recentemente passou a ser ouvido, ainda que por poucas pessoas.

Como mulher e mãe de menina, não sou capaz sequer de imaginar o sofrimento pelo qual Lucía passou. Não consegui ler muitos detalhes do caso justamente para não conseguir criar a imagem mental do terror. O crime realmente chocou. E a Argentina é um dos países com um índice de feminicídio considerado baixo, se comparado com os demais países da América do Sul.

Em 2015, foram registrados 235 assassinatos de mulheres pelo fato de serem mulheres. É uma média de uma mulher morta a cada 36 horas. Em mais da metade dos casos, o agressor era o cônjuge ou ex-cônjuge da vítima e duas de cada dez mulheres assassinadas haviam denunciado seu agressor. Como consequência dos 235 homicídios registrados, pelo menos 203 crianças e adolescentes ficaram órfãos de mãe.

No Brasil, em 2013, último ano com dados disponíveis, foram vitimadas 4.762 mulheres, mas não se pode afirmar que todas elas foram vítimas de feminicídio (que ocorre quando a mulher é morta justamente pelo fato de ser mulher). Dados mostram que os índices brasileiros só são melhores que os de El Salvador, Colômbia, Guatemala e a Federação Russa, que ostentam taxas superiores.

A análise dos números em geral mostra que ainda há muito para ser feito. A análise do caso Lucía Pérez mostra também a mesma coisa.

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*Luciana Pimenta é coordenadora pedagógica no IOB Concursos, advogada e revisora textual.

IBTP - INSTITUTO BRASILEIRO DE TREINAMENTO PROGRAMADO S.A.

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