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A constitucionalidade da restrição de direitos do devedor - art. 139, IV NCPC

As medidas coercitivas não devem ser interpretadas como privação das garantias fundamentais do devedor, mas sim, como uma privação aos excessos que possam estar inviabilizando a satisfação do crédito devido.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Atualizado em 29 de novembro de 2016 07:08

O advento do NCPC buscou aperfeiçoar dispositivos legais já existentes no código anterior e dar maior efetividade à jurisdição.

Sabe-se, não é de hoje, que a satisfação de créditos executados é o ponto fraco do nosso ordenamento jurídico, sendo indispensável a busca por novas sanções executivas capazes de coagir o devedor ao cumprimento da obrigação pecuniária por ele assumida. Dentre as inovações mais comentadas do NCPC, encontra-se justamente uma modalidade de sanção coercitiva de cumprimento de obrigação, qual seja, a possibilidade de se restringir direitos individuais do devedor para satisfação de obrigações pecuniárias por ele assumidas (art. 139, IV).

O referido dispositivo traz a possibilidade de o juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias. Logo, com o intuito de satisfazer as execuções, podem ser estabelecidas medidas restritivas, para que a obrigação de pagar quantia certa seja cumprida.

Inexiste um rol taxativo de medidas coercitivas que possam ser determinadas. Contudo, apesar do curto tempo de vigor da nova legislação, entende-se que medidas de execução indireta, como apreensão do passaporte ou carteira de motorista, proibição de participar de licitações e concurso público, bem como a de contratar novos funcionários, além do bloqueio de cartões de crédito e gozo de clube de vantagens.

Por se tratarem de medidas que afetam diretamente direitos fundamentais dos devedores, o dispositivo vem gerando discussões entre doutrinadores e magistrados. Discute-se, acima de tudo, a constitucionalidade do texto legal, que muitas vezes acaba sendo interpretado como fonte para medidas arbitrárias e autoritárias.

Apesar de merecerem respeito os entendimentos contrários, há de se ressalvar que, na realidade, a possibilidade de se restringir direitos dos devedores deve ser encarada como um estímulo às negociações e, portanto, como uma forma avançada e eficaz de satisfação do crédito.

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) manifestou seu posicionamento constitucional acerca do assunto, reconhecendo que "O art. 139, IV, do CPC/15 traduz um poder geral de efetivação, permitindo a aplicação de medidas atípicas para garantir o cumprimento de qualquer ordem judicial, inclusive no âmbito do cumprimento de sentença e no processo de execução baseado em títulos extrajudiciais".

Há de se ressalvar que as medidas restritivas somente são tomadas mediante o prévio esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito, o que afasta qualquer argumentação de arbitrariedade do procedimento.

Uma vez configurada essa hipótese, conclui-se ser, portanto, cabível o deferimento da suspensão de prerrogativas afetas a viagens ao exterior, ao usufruto de bens e patrimônios, enquanto o crédito devido/executado não for satisfeito, a exemplo da utilização de cartões de crédito, direção automotiva, de aeronaves ou embarcações e clubes de vantagens.

Portanto, as medidas coercitivas não devem ser interpretadas como privação das garantias fundamentais do devedor, mas sim, como uma privação aos excessos que possam estar inviabilizando a satisfação do crédito devido.

A aplicação do artigo 139, IV do NCPC visa viabilizar a satisfação do crédito execução, que vem sendo procrastinada pelo devedor, que, mesmo possuindo condições de pagar a dívida, tenta ocultar seu patrimônio e frustrar a execução.

Sendo assim, deduz-se que não se trata de incentivo ao autoritarismo ou à discricionariedade das decisões. Acredita-se na imposição dessas medidas de maneira responsável, excepcional e constitucional, garantindo ao devedor todos os direitos de contra argumentação, sem abuso ou restrição incoerente de seus direitos.

Por óbvio, tais medidas não podem chegar ao ponto de ferir a dignidade e a subsistência do devedor, devendo ser preservadas sobre bens/direitos essenciais à sobrevivência do executado, e sim sobre os excessos.

A título de exemplo, não caberia a restrição da carteira de motorista de um devedor que precisa de seu automóvel para sua subsistência, como um taxista. E é dessa forma que tais restrições já vêm sendo aplicadas.

Em São Paulo, a juíza Andréa Ferraz Musa da 2ª vara Cível - Foro Regional XI - Pinheiros, buscando a eficácia do processo, decidiu restringir direitos patrimoniais do devedor, utilizando-se de razoabilidade e sem ofender a dignidade do executado, salientando que "As medidas excepcionais terão lugar desde que tenha havido o esgotamento dos meios tradicionais de satisfação do débito, havendo indícios que o devedor usa a blindagem patrimonial para negar o direito de crédito ao exequente. Ora, não se pode admitir que um devedor contumaz, sujeito passivo de diversas execuções, utilize de subterfúgios tecnológicos e ilícitos para esconder seu patrimônio e frustrar os seus credores. A medida escolhida, todavia, deverá ser proporcional, devendo ser observada a regra da menor onerosidade ao devedor (art. 805 do CPC). Por fim, necessário observar que a medida eleita não poderá ofender os direitos e garantias assegurados na CF. Por exemplo, inadmissível será a prisão civil por dívida" (Processo 4001386-13.2013.8.26.0011; 25 de agosto de 2016).

Nesse sentido, o dispositivo deve ser interpretado como uma ferramenta constitucional a ser aplicada com razoabilidade, viabilizando a eficiência e celeridade processual, sem deixar de observar as garantias fundamentais respaldadas pela CF.
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*Ana Luisa Naves é advogada e associada do escritório Homero Costa Advogados.

*Thayná Bastiani é sócia do escritório Homero Costa Advogados.

*Bernardo José Drumond Gonçalves é sócio do escritório Homero Costa Advogados.

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