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O STF, o ICMS e as vistas grossas de Gilmar Mendes

O mais recente grande tema tributário em julgamento no STF pode encontrar o mesmo destino protelado de todos aqueles que contrariam os interesses arrecadatórios do Governo: as "vistas grossas" do ministro Gilmar Mendes.

quarta-feira, 15 de março de 2017

Atualizado às 08:01

Em sessão plenária realizada na quarta-feira, 9/3/2017, o STF iniciou o julgamento do RE 574.706/PR que, com repercussão geral (aplicação obrigatória pelos demais Tribunais), discute se o ICMS compõe, ou não, a base de cálculo do PIS e da Cofins.

Essa "tecnicalidade tributária" representa, objetivamente, uma possibilidade de menor tributação Federal às empresas, reduzindo o valor a ser pago a título de PIS e Cofins e, inclusive, possibilitando a recuperação do que houvera sido pago a maior nos últimos 5 anos (ou nos 5 anos anteriores à propositura de cada uma das centenas de ações já ajuizadas, que aguardam o julgamento desse "leading case").

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional aponta que a exclusão do ICMS da base de cálculo dos tributos Federais representará uma perda de arrecadação aos cofres da União na ordem de R$250 bilhões.

Essa cifra, ainda que carregada de algum exagero (pois desconsidera a probabilíssima modulação dos efeitos da decisão), indica a relevância do julgamento.

A sessão, iniciada ontem, foi suspensa às 18 horas, faltando o voto de dois ministros. Até então, haviam votado pela exclusão (em favor dos contribuintes) cinco ministros (Carmem Lúcia, Rosa Weber, Marco Aurélio, Lewandowski e Luiz Fux). Outros três ministros votaram em favor da tese do Fisco (Fachin, Barroso e Toffoli).

A retomada da sessão está prevista para hoje, 15/3/2017, quando devem votar os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes.

Em 2014, quando o STF julgou caso similaríssimo (porém sem repercussão geral e efeito vinculante), Celso de Mello votou pela tese pró-contribuinte e Gilmar Mendes votou pela tese pró-fisco.

Com base nisso, seria razoavelmente confortável apontar que, na próxima sessão, teremos resolvida a questão, pelo placar de 6x4 votos favoráveis aos contribuintes.

Isso, conforme dito, implicará em uma perda de arrecadação importante ao Governo e, ainda, na devolução de quantias volumosas aos contribuintes que ajuizaram ou que ajuizarem ações nesse sentido (a depender dos efeitos da modulação).

O Governo já pode, então, separar as chaves do cofre e a caixa de lenços? Empresas e tributaristas podem colocar a champagne para gelar?

Não tão rápido...

Há ainda um "remédio" capaz de, se não curar a perda do Governo, ao menos adiá-la para além do horizonte: a vista dos autos.

A posição de Gilmar Mendes sobre o tema é conhecida (pelo julgamento de 2014) e jamais deu sinal de que tenha sofrido abalos em sua convicção. Os votos, considerando a posição anterior de Celso de Mello, indicam que o resultado é certo e imutável. Não haveria, portanto, motivos justificáveis para que Gilmar Mendes queira "melhor estudar o processo" e, para isso, pedir vista dos autos.

Porém, Gilmar Mendes não precisa de motivos justificáveis. Basta pedir vista e, por prerrogativa, a terá. Com isso, poderá adiar sine die certa a derrota do Governo (do qual, convenhamos, faz parte).

Seria, sim, acintoso. Mas isso tampouco lhe aflige. O passado assim informa.

Em 2/4/2014, a discussão no STF pela vedação das doações empresariais para campanhas políticas (ADI 4650) já contava com seis votos favoráveis e apenas um contrário. Ou seja, já havia maioria formada pela proibição. Gilmar Mendes, porém, pediu vista dos autos, impedindo o julgamento do feito; e com eles permaneceu por um ano e cinco meses (!), devolvendo para julgamento somente após as já célebres manobras de Eduardo Cunha para aprovar alterações legislativas que expressamente autorizavam as doações empresariais (posteriormente vetadas por Dilma), fazendo com que o processo perdesse objeto.

Em fevereiro de 2017, o STF julgava o impedimento de que réus ocupassem cargos na linha sucessória da Presidência da República (ADPF 402). O alvo, na prática, era Renan Calheiros. Já haviam votado favoravelmente ao impedimento (somados os votos que acompanharam o relator Marco Aurélio, e os que acompanharam solução "híbrida" proposta por Celso de Mello) oito Ministros. Havia, portanto, maioria formada. Ainda assim, Gilmar Mendes pediu vistas dos autos, e ainda não os devolveu, "salvando" os estertores do mandato de Renan Calheiros na Presidência do Senado.

Em novembro de 2016, em julgamento sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre adicional noturno, de insalubridade e terço de férias (RE 593.068); o placar se encontrava, novamente, em 6x4 em favor da tese pró-contribuinte. Gilmar Mendes já havia acompanhado a divergência, em sua posição costumeiramente pró-Fisco. Ainda assim, mesmo já tendo votado, pediu vistas e, novamente, ainda não os devolveu; adiando assim a prolação da decisão contrária ao Fisco.

Portanto, o mais recente grande tema tributário em julgamento no STF pode, infelizmente, encontrar o mesmo destino protelado de todos aqueles que contrariam os interesses arrecadatórios do Governo. Os profundos escaninhos e as "vistas grossas" (ou longas, intermináveis, como queiram) do seu fiel escudeiro de toga, ministro Gilmar Mendes.

Empresários e tributaristas, guardem as champagnes...
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*Daniel Montanha Teixeira é advogado e Gestor Jurídico.

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