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O futuro da República e o Tribunal Superior Eleitoral, Eudes Quintino e Antonelli Secanho

O futuro da República e o Tribunal Superior Eleitoral

O abuso de poder econômico ocorre, segundo entendimento do TSE, quando algum candidato utiliza recursos patrimoniais acima dos limites legais, para obter benefício nas eleições.

domingo, 2 de abril de 2017

Atualizado em 31 de março de 2017 13:29

Pela primeira vez na história deste país, uma ação pode, a depender da solução entregue pelo Poder Judiciário, provocar a realização de eleições indiretas e, mais que isso, iniciar uma forte turbulência política, econômica e social no Brasil.

Não por outra razão, aguarda-se, de modo desassossegado, o trâmite legalmente previsto e, por óbvio, o pronunciamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cuja relatoria da ação coube ao competente, não somente pelas regras processuais, ministro Herman Benjamin, cujas atuações, desde os tempos de Ministério Público do Estado de São Paulo, demonstram grande conhecimento e comprometimento nos julgamentos de sua responsabilidade.

Desta forma, tornam-se imperiosas, prima facie, algumas considerações sobre a referida ação que, em tese, pode revolucionar o sistema jurídico e político do Brasil. Trata-se, assim, da chamada Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), cujo embasamento legal encontra-se no artigo 14, § 10, da Constituição Federal1 e que foi proposta pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), a fim de anular a diplomação2 dos então candidatos Dilma Rousseff e Michel Temer.

Nesse passo, verifica-se que, inicialmente, que a AIME pode ser ajuizada caso estejam presentes ao menos uma das três hipóteses constitucionalmente previstas: (i) abuso de poder econômico, (ii) corrupção e (iii) fraude.

O abuso de poder econômico ocorre, segundo entendimento do TSE, quando algum candidato utiliza recursos patrimoniais acima dos limites legais, para obter benefício nas eleições. Em outras palavras, a doutrina complementa que essa utilização de recursos patrimoniais (que pode se dar também com doação de bens ou com oferecimento de vantagens a eleitores) implica, necessariamente, no desequilíbrio da disputa eleitoral, influenciando diretamente no resultado das urnas.

Já a corrupção tem lugar quando o candidato oferece vantagens ao eleitor que, então, vê maculado seu direito ao voto (é a popular "compra de votos", em que o direito à livre escolha é afastado pelo dinheiro recebido como exigência de opção), enquanto a fraude, também segundo entendimento do mesmo Tribunal, relaciona-se com o engodo perpetrado no ato de votação: votar mais de uma vez; alterar a destinação de voto, por meio de operação enganosa realizada na urna eletrônica.

Importante destacar, também, que nossa doutrina majoritária considera a AIME uma espécie de ação pública constitucional, de natureza civil, eleitoral e, principalmente, desconstitutiva, cuja finalidade é retirar do cargo3 para o qual foi eleito, o candidato que tenha perpetrado quaisquer destas irregularidades já analisadas, a fim de que seja garantida a defesa da democracia e, sobretudo, o direito ao voto.

Quanto à legitimidade para propor a AIME, existe certa divergência doutrinária, cujo tema se distancia do ora proposto para debate, razão pela qual cita-se, apenas, o posicionamento do TSE e de alguns tribunais regionais, que optam por aplicar o artigo 22, caput, da lei complementar 64/90: partidos políticos, coligações e o Ministério Público. Há quem defenda que os eleitores são também legitimados para propor a AIME.

Após essa breve análise, sem compulsar os autos da AIME em discussão, verifica-se que o PSDB entendeu que a chapa Dilma/Temer perpetrou ao menos uma das três irregularidades citadas, o que ensejou o ajuizamento desta ação constitucional.

Além do controverso debate político, que fatalmente ocorrerá, independentemente do resultado do julgamento, o caso ganhou ainda mais destaque porque o PSDB, em sede de alegações finais, requereu apenas a condenação da ex-presidente Dilma Rousseff, "isentando" Michel Temer da prática de quaisquer daqueles atos supracitados.

Ora, tem-se, assim, um novo quadro fático, que certamente não foi previsto pelos doutrinadores e até mesmo pelo legislador.

Será que se aplica à hipótese, tal qual na ação penal incondicionada, o princípio da indisponibilidade?

Tema bastante controverso, alguns Tribunais Regionais Eleitorais entendem não ser possível desistir da ação, enquanto o Supremo entende que o Ministério Público Eleitoral deveria assumir o polo ativo da demanda.

Mas, de qualquer modo, é preciso destacar que este princípio não se relaciona com a postura do PSDB, pois este partido, autor da ação, é detentor da liberdade processual para requerer a condenação ou não dos representados, tal qual o Ministério Público e qualquer outro autor de demanda pública.

Veja-se: o que se discute é poder ou não abandonar a ação; todavia, o pedido em alegações finais está dentro da discricionariedade processual que o autor possui, diante das provas que foram ou não colhidas.

E mais curioso ainda é que, no caso em análise, o Ministério Público Eleitoral, atuando como custos legis, opinou pela procedência total da ação, ou seja, pela cassação de Michel Temer e pela inelegibilidade da ex-presidente Dilma Rousseff4.

Diante de tal quadro, como fica a posição do TSE?

Parece bastante evidente que o TSE não fica adstrito ao pedido em sede de alegações finais, do mesmo modo que o juiz não o é em relação à postura do parquet nas alegações finais em ação penal, nos termos do artigo 583 do Código de Processo Penal. portanto, o TSE possui total e ampla cognição - vertical e horizontal - sobre o caso, analisando se as provas colhidas estão em sintonia com o pedido do autor.

Agora, em sendo procedente a AIME, ou seja, entendendo o TSE que houve quaisquer das irregularidades já citadas, parece ser impossível que apenas um candidato da chapa tenha deles se valido, já que o resultado a ambos aproveita: tanto que Michel Temer chegou à presidência da República.

Resta, assim, aguardar o que vem pela frente, na certeza de que o Poder Judiciário possa cumprir sua missão, entregando o direito ao fato a ele apresentado, como medida de Justiça, independente de posicionamentos políticos envolvidos. Mesmo que graves consequências atinjam o país, nenhuma delas será maior do que uma decisão que não esteja de acordo com o ordenamento jurídico ou, pior, com a esperança na justiça que todos nós depositamos, independente de preferências partidárias.

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1 § 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

2 Diplomação é o ato praticado pela Justiça Eleitoral que outorga ao candidato eleito o direito de tomar posse para o cargo ao qual concorreu nas eleições.

3 A anulação do diploma implica, necessariamente, na perda do mandato eletivo.

4 São efeitos da procedência da AIME, dentre outros: a inelegibilidade do candidato pelos próximos oito anos, seguintes à eleição em análise; cassação do mandato, do registro e do diploma.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.







*Antonelli Antonio Moreira Secanho
é assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.



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