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Reflexões e breves comentários sobre o Brexit e seus efeitos

Procurei, busquei e encontrei fontes dignas para conhecer à medula, o significado jus-político e econômico do Brexit.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Atualizado em 13 de abril de 2017 11:11


"Se os animais se dividem entre aqueles que se alimentam e aqueles que não se alimentam (isto é, que falam ou não falam de política), os homens se dividem não tanto entre os crentes e não crentes, mas entre pensantes e não pensantes", Norberto Bobbio. "E, enquanto os pensantes se diferem mais se diferem, os não pensantes sempre mais se massificam, distinguindo-se entre os intolerantes fastidiosos e os fanáticos perigosos". Silvano Fausti. ¹

1. Andante

Para enfrentar os leitores de MIGALHAS, vacinei-me contra o pessimismo. Procurei, busquei e encontrei fontes dignas para conhecer à medula, o significado jus-político e econômico do Brexit; as fontes, todas dignas, porque a dignidade não é biodegradável, e daí ter elegido o combate franco das ideias contra o absurdo que li, ouvi e encontrei na imprensa sobre a decisão conservadora inglesa de abandonar a Comunidade Europeia.

De anos, acompanho a ascensão, os sacolejos e os acontecimentos referentes à criação e a penosa institucionalização do Tratado de Roma e, para melhor viver agora, como antes, a Google Generation, e compreendê-la: a fé amparou-me. Como autor deste texto, a busca de uma relação calorosa com as ideias formadoras do Brexit e a sua ética apreciação me convenceram da pertinência dessa atitude.

2. Adagio em Si menor

Não bastaram as tentações para montar um painel, nem o que encontrava dava-me segurança para buscar e construir convicções! A ideologia das convicções, porém, permitiu-me formular, logo de início, um juízo valorativo do Brexit - falta-lhe viver o espírito da fraternidade; trata os estrangeiros (sobretudo os da Comunidade Europeia e os imigrantes excluídos) como objetos, sem respeitá-los. E só há respeito quando se tenta ou se busca encontrar nos outros o seu semelhante, uma vez que todo homem e toda mulher tem um valor que vai além da sua etnia, da sua capacidade laboral e de suas qualidades morais e intelectuais. Por fim, o Brexit abandonou o traço criador de que Deus ousou implantar à Comunidade Europeia, voltando e retrocedendo na busca de um isolamento frágil, já constatado porque o próprio Reino Unido é colocado em questão, com a possível e até provável retirada da Escócia, Gales e Irlanda: o Brexit dá impressão de querer viver a sua fé por meio dos mesmos caminhos equivocados como os que Henrique VIII trilhou.

3. Trio

Advogados éticos, proeminentes, dignos têm se mostrado como escrutinadores do Brexit mostrando o que pode ocorrer e o que se pode esperar dele². E de seus escritos e comentários, sem nenhuma responsabilidade deles, pelo que escrevo, alinharei o que penso, impressionado com a unanimidade, sobre a relevância e o inquestionável papel do Poder Judiciário inglês durante o período de carência prevista no artigo 50 do Tratado de Roma, que é de dois anos. E a Suprema Corte do Reino Unido, no dia 24 de janeiro deste ano, contrariando a Primeira Ministra, decidiu que o Brexit só poderia ocorrer se o Parlamento (Câmara dos Comuns e Casa dos Lordes em conjunto) o aprovasse, como sucedeu de fato.

4. Rondó em Lá Menor

São tão complexas e tão grandes as implicações legais que o Brexit impõe ao mundo dos negócios que só posso dar aos leitores algumas pistas desse labirinto. E são tão poucas, nada mais do que flashes.

4.1. Implicações para companhias abertas

Desde o acesso de empresas britânicas ao mercado bursátil comunitário, há um percurso intrigante que, resumo, serão elas obrigadas a refazer todo o longo percurso (desde o prospecto) até a aprovação para ingressar no mercado? Como deverão proceder durante o período de saída do Brexit, em seguida e a longo termo? Como agir, no curso e na saída (é o caso das empresas listadas no London Stock Exchange e subordinadas às regras conhecidas como FCA's Listing)? Como se devem comportar com a regulamentação comunitária (AIM) a partir de 3/7/16 e sujeitas diretamente à nomeada EU Market Abuse Regulation (MAR) ou melhor, como deparar-se com as regras rígidas e com a disclosure (antes, durante e depois)? Como agir em fusões e aquisições extraordinárias (idem)?

4.2. O ambiente e as perspectivas para operações financeiras estruturadas

Tout court, o impacto, a meu ver, só será sentido ao existirem situações de fato e que exigirão reflexões fortes e complexas sobre as implicações legais e jurídicas referentes a contratos em vigor bem como as necessárias informações que devem ser abertas ao público, sempre se tomando em conta os riscos inerentes a essas disclosures. Também não pode ser desprezado o quebra-cabeças da regulamentação financeira da Comunidade e das suas incompatibilidades (agora, durante e depois do Brexit). Correm rumores de um poderosíssimo lobby financeiro junto ao Parlamento Europeu para amenizar os efeitos do Brexit nesse mercado, criando-se propostas suaves e palatáveis (ou seja, dinheiro à solta!) ...

4.3. Em que sofrerão os processos de reestruturação e os de falência?

A Comunidade tem normas definidas que são aplicadas a essas situações com sucesso (a conhecida European Insolvency Regulation) enquanto a Inglaterra, no seu território, tem vigente o seu clássico UK Companies Act. Poderão haver impactos e conflitos extremamente complexos que vão exigir muita criatividade para as soluções, sobretudo nos tribunais competentes!

4.4. Como ficarão as Resoluções Alternativas de Disputas? Ou seja, as conhecidas Arbitragens?

Outra vez agora, antes e depois (repetindo Art. 50 do Tratado de Roma)

São tantos os problemas emergentes, a saber, contratos em vigor com provisões legais para as disputas, com suas interpretações peculiares caso a caso, com as escolhas das jurisdições etc., que os chamados cross border agreements quando levam em conta as jurisdições, os direitos aplicados a eles e também os seus enforcement; as escolhas das arbitragens e os tratados de cada país. Assim considerados, parece-me, que muitos negócios e bons negócios poderão ser inviabilizados ou se criarem tantos problemas que demandarão muito tempo para serem solucionados, tornando esses negócios desinteressantes. Para consolo, pelo menos para mim, uma coisa me parece certa, pois quando houver controvérsia, a neutralidade e a imparcialidade do sistema judicial inglês é sacrossanta.

4.5. Para avançar em outras implicações do Brexit, agora, durante e depois, eu teria de ser profeta. E, ainda, a repercussão para as companhias que operam com sofisticadas tecnologias, muito mais, sobretudo tendo em conta as dezenas que estão sediadas na Irlanda... O que me conduziria até Creta, onde o Minotauro estaria à minha espera no aeroporto...

Quem sabe mais tarde, depois que muita coisa se desvendar?

4.6. Afirmo - com muito cinismo e sutil hipocrisia - que o Brexit é um bom negócio para os advogados ingleses!

4.7. Concluo esse escrito com esta boutade, de autoria do físico Nicolas Bohr (1885-1962), "Predizer é muito difícil, especialmente sobre o futuro".

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1 Elogio de Nuestro Tempo, p. 21, Ed. Ancora, Milão, 2009

2 Advogados Peter King, Andrew Wilkinson, Simon Taylor, Christopher Marks, Barry Fishler, Yan Hamilton, Jaurie Maples, Hanna Field-Lowes, Paul Bromfield e Jacky Kelly (membros do escritório Weil, Gotschal X Manges, de Londres).

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*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

Jayme Vita Roso

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