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O mobbing e o Direito do Trabalho

Não é errado dizer que no Brasil o mobbing não é de amplo conhecimento, razão pela qual muitas vezes aparece embutido no pedido de dano moral.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Atualizado às 09:29

1. Introdução

Hodiernamente um tema tem ocupado com uma certa frequência as discussões nos tribunais trabalhistas, nas doutrinas e nas salas de aulas das faculdades. Trata-se do mobbing, espécie de dano moral que muitas pessoas não sabem ao certo o que significa. Porém, o mobbing é mais comum do que se pensa.

Não é errado dizer que no Brasil o mobbing não é de amplo conhecimento, razão pela qual muitas vezes aparece embutido no pedido de dano moral. Exatamente por isso é valioso trazer a apreciação internacional deste tema.

A intenção deste artigo é elucidar questões atinentes ao mobbing, tais quais: conceituação, fundamentos (legais, jurisprudenciais e doutrinários), características e consequências jurídicas dele advindas.

2. Dano moral: gênero

Antes de adentrar ao estudo do tema, imprescindível é saber o que é dano moral, já que o mobbing é subespécie do assédio moral, que por sua vez é espécie do dano moral.

A terminologia "dano moral" causa uma dúvida no entendimento de algumas pessoas. Tal ocorrência não é injustificada. De fato, "dano moral" algumas vezes se mostra um termo impróprio para denominar o efeito previsto. Àquele que se prende ao sentido denotativo, "dano moral" pode significar um prejuízo causado apenas na "moral" de outrem. Segundo o minidicionário Aurélio, o sentido popular de moral é "disposição de espírito; humor"1. Possivelmente, pode ser presumido, que se a índole, ou melhor dizendo, o ânimo da pessoa não for afetado, não há que se falar em "dano moral"2.

Então, o cerne desta questão é que "a expressão dano moral é criticada em razão da polissemia da palavra moral, que tem vários significados e aceitações num âmbito histórico e cultural"3.

Contudo, a doutrina e a jurisprudência abraçaram definitivamente este termo "dano moral" como qualquer tipo de dano que não seja descritível no mundo material. Fica então consolidado o entendimento de que, basicamente, o que for físico é dano material, já o que for metafísico é dano moral.

"Dano patrimonial ou extrapatrimonial é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade"4. "Quando ocorre um dano a um direito da personalidade, que não tem natureza patrimonial, configura-se o dano moral"5.

O dano moral encontra-se fundamentado legalmente no artigo 186 do Código Civil de 2002, que requer leitura concomitante do artigo 927 do mesmo diploma.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

3. Dano moral, Direito do Trabalho e Constituição

Total importância tem o estudo do dano moral no ambiente de trabalho, visto que os valores sociais do trabalho são parte dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da Constituição Federal de 1988). Além disso, é um dos objetivos da República Federativa do Brasil "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º, IV, Constituição Federal de 1988). Concomitantemente o artigo 193 da Constituição assinala que "a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais".

O trabalho, por trazer consigo uma gama de direitos fundamentais constantes nos artigos 5º e 7º (vários incisos do art. 5º da Constituição Federal de 1988 podem ser aplicados na relação de trabalho), possui uma finalidade social, que ultrapassa os limites do Direito Privado, concedendo ao ramo do Direito do Trabalho, pontualmente, certas características de Direito Público. Apesar disso, entendemos que o Direito do Trabalho é ramo de Direito Privado6, uma melhor correspondência. Tomamos a mesma opinião de Délio Maranhão: "Assim, embora no Direito do Trabalho, como no próprio direito civil, coexistam normas de direito público e de direito privado, unitariamente, Direito do Trabalho é Direito Privado"7.

Há um nítido interesse social envolto na relação de trabalho, motivo bastante para serem criados meios que busquem evitar a configuração de atos ilícitos, como o dano moral. "Aliás, o dano moral está correlacionado com os direitos da personalidade, que devem ser considerados inatos, integrantes do universo supra-estatal"8.

A aplicação irrestrita dos direitos fundamentais no trabalho e do trabalho decente é pressuposto primeiro para o verdadeiro reconhecimento da responsabilidade social empresarial, correspondendo, conforme ora se propõe, ao paradigma da relação de trabalho responsável. O próprio comportamento social da empresa, na relação entre capital e trabalho, apenas se configura com o cumprimento e a efetivação dos direitos trabalhistas. (ALVES, Marcos César Amador. Relação de trabalho responsável : responsabilidade social empresarial e afirmação dos direitos fundamentais no trabalho. - São Paulo: LTr, 2011, p. 135)

No âmbito do Direito do Trabalho, como ramo de Direito autônomo, o dano moral mereceu uma atenção diferenciada - decorrente das relações de trabalho. Este foi o tratamento dado pelo artigo 114, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, após a vigência da Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Mesmo assim, o dano moral no Direito do Trabalho ainda se encontra em evolução, sendo um desses estágios a disseminação do conhecimento de mobbing.

Na doutrina do Direito do Trabalho, temos efetivas definições do que é dano moral:

"Pode-se conceituar o dano moral como a lesão a direitos extrapatrimoniais da pessoa, violando a honra, a dignidade, a intimidade, a imagem ou outros direitos da personalidade, ou mesmo direitos fundamentais que preservem a dignidade da pessoa humana"9

"Entendemos como dano moral o menoscabo sofrido por alguém ou por um grupo como consequência de ato ilícito ou atividade de risco desenvolvida por outrem capaz de atingir direitos da personalidade e princípios axiológicos, independentemente de repercussão econômica"10.

"O dano moral refere-se à ofensa ou violação que não atinge os bens patrimoniais propriamente ditos de uma pessoa, mas os seus bens de ordem moral. Atinge-se, então, um bem psíquico. [...] O dano moral é o que atinge, pois, a intimidade, a privacidade, a honra, a imagem e a dignidade das pessoas."11.

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1 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio : o minidicionário da língua

portuguesa. ANJOS, Margarida dos., FERREIRA, Marina Baird. (Coord.) - 6. ed. rev. atual. -

Curitiba : Positivo, 2004, p. 563.

2 "Pois bem, o primeiro equívoco cometido sobre o tema em questão situa-se na própria nomenclatura utilizada. [...] Adotando a limitada denominação dano moral, corre-se o risco de entender que quando o fato não atinge a integridade moral do indivíduo não se teria uma hipótese típica a ensejar uma indenização" (SOUTO MAIOR. Dano moral nas relações de emprego. In: SEMER, Marcela., FELIPPE, Marcio Sotelo. (Orgs.). Coleção para entender direito. - 1. ed. - São Paulo : Estúdio Editores.com, 2014, p. 37-38).

3 MARTINS, Sergio Pinto. Dano moral decorrente do contrato de trabalho. - 4. ed. - São Paulo:

Atlas, 2015, p. 17.

4 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: obrigações e responsabilidade civil. - 17. ed. - São Paulo: Atlas, 2017, p. 491

5 NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Instituições de direito civil, volume I, tomo II : parte geral. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 348.

6 Neste sentido, conferir GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Introdução ao estudo do direito : teoria geral do direito. - 3. ed. rev. e atual. - Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: MÉTODO, 2015; e MARTINS, Sergio Pinto. Instituições de direito público e privado. - 8. ed. - São Paulo: Atlas, 2008.

7 MARANHÃO, Délio. Direito do trabalho. - 3. ed. - Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1974, p. 13.

8 SÜSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho - 3. ed. rev. e atualiz. - Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 376.

9 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Manual de direito do trabalho. - 5. ed. rev. e atual. - Rio

de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2012, p. 80.

10 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. -10. ed. - São Paulo : LTr, 2016, p. 428.

11 BELTRAN, Ari Possidonio. Direito do trabalho e direitos fundamentais. - São Paulo: LTr,

2002, p. 236.

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*Rubens Luiz Schmidt Rodrigues Massaro é advogado, mestrando em Direito Tributário, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho. Formação em Gestão Comercial. Pós-graduando em Administração e Associado à AATSP.


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