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A ausência da ultratividade da norma coletiva - impacto na ausência de negociação

A ausência da ultratividade deve gerar por parte das empresas em esmo dos trabalhadores estratégias para lidar com a demora na negociação coletiva e a vigência das regras contidas na convenção finda.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Atualizado às 07:34

Até 2012 vigorava redação da súmula 277 do TST que indicava textualmente que as regras coletivas não integram.

277 Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho.

I - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.

II - Ressalva-se da regra enunciado no item I o período compreendido entre 23.12.1992 e 28.07.1995, em que vigorou a lei 8.542, revogada pela MP 1.709, convertida na lei 10.192, de 14.02.2001.

A redação foi modificada, sem que precedentes jurisdicionais - que deveriam servir de base para modificação - existissem, e a súmula passou a indicar que as normas coletivas integravam o contrato de trabalho individual até que fosse modificada por outro acordo coletivo.

Súmula 277 do TST

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

Na prática a redação fere textualmente a lei que indica a validade das normas coletivas por dois anos, e acaba por enfraquecer a negociação coletiva.

As razões indicadas pelo TST para tal modificação estaria na nova redação do parágrafo segundo do artigo 114 da CF, que indicaria a manutenção de regras anteriormente fixadas, redação oriunda da EC de 2004.

Diz tal parágrafo: § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (Redação dada pela EC 45, de 2004)

Pela simples leitura da lei verifica-se que a justificativa para alteração a redação da súmula não tem nenhuma relação com a Emenda Constitucional indicada, e pior, após 8 anos de vigência da EC nenhum Tribunal Regional decidira de maneira reiterada em sentido inverso ao da redação então vigente (não ultratividade).

Mais inda, o respeito Às proteções convencionadas anteriormente somente se aplica em caso de julgamento de dissidio coletivo, evitando-se redução de direitos por sentença normativa.

Não se aplica a negociação coletiva voluntária, pois se o fizesse, feriria a liberdade negocial das partes.

Então, se a garantia de direitos anteriormente conquistados só vale para sentenças normativas, porque o TST alterou a sumula 277?

Alterou porque o mesmo parágrafo contém exigência esdrúxula, para dizer o mínimo, de que as partes ingressem co dissidio coletivo "de comum acordo". Ou seja, o mesmo que se exigir de um casal às turras que proponham o divórcio litigioso "de comum acordo".

No entanto, a falha redação constitucional não pode ser vir de base para alteração de súmula sem precedentes normativos e justificada em hipótese legal que não se aplica às negociações voluntárias, mas somente, às sentenças normativas.

Em vista da ausência de precedentes jurisprudenciais anteriores, e em vista de ação judicial ADPF 323, decidiu o STF:

(.)

Dessa forma, a súmula 277 deixa de ser aplicada, e portanto, a rigor, neste momento voltam as regras convencionais a ter validade no prazo de sua vigência, que por força de lei é de no máximo de 2 anos.

Portanto, o primeiro efeito é : Ou as partes negociam ou as regras perdem validade.

Portanto cabe aos envolvidos nas negociações coletivas encontrar mecanismos de negociação para não chegarem ao impasse gerado pela redação constitucional falha.

Mas há outro efeito, e esse decorre da redação da súmula 51 do TST, que estabelece que normas regulamentar só pode ser alterada para contratos novos, não atingindo as relações contratuais anteriores.

Mas o que isso tem a ver com a súmula 277 e a ausência de ultratividade?

Para responder devemos considerar que os usos e costumes das empresas são fontes formais autônomas de direito do Trabalho, reconhecidos inclusive por lei, - veja-se a redação do artigo 8º da CLT - (Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.).

Assim, se uma empresa tem o costume de manter seus empregados em jornada de 40 horas emanais apesar de o contrato escrito prever 44 horas ou mesmo da norma constitucional prever 44 horas, e o faz reiteradamente, acaba por gerar uma norma interna tácita de que a jornada de seus empregados é de 40 horas semanais, sendo extra a superior à 41ª hora.

E as normas coletivas? Ora, se as normas coletivas não aderem ao contrato, e têm vigência somente durante a validade do instrumento coletivo que a institui, se a empresa não negociar, ou os trabalhadores não negociarem por longo tempo, e a empresa continuar a aplicar a regra, sem um instrumento coletivo que a autorize, poderá gerar uma nova regra agora derivada do costume de manter as disposições.

Tal situação somada ao previsto na súmula 51 do TST poderá gerar novos riscos jurídicos às empresas, cabendo a elas mais uma vez buscar o gerenciamento do risco, que pode ser feito de diversas formas, como prever já um prazo de vigência pós prazo convencional e enquanto as negociações se mantém no próprio instrumento coletivo, por exemplo, notificar os sindicatos de que manterão por determinado tempo, mas depois deixarão de aplicar tais regras, dentre outros que devem ser estudados a cada caso.,

A questão é que a redação da súmula mantendo a ultratividade fere a lei e a constituição, e não pode ser mantida. A ausência da ultratividade deve, no entanto, gerar por parte das empresas em esmo dos trabalhadores estratégias para lidar com a demora na negociação coletiva e a vigência das regras contidas na convenção finda.
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*Maria Lúcia Benhame é s
ócia-fundadora da banca Benhame Sociedade de Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo - USP e pós graduada em Direito e Processo do Trabalho pela mesma instituição.

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