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Indícios e denúncia, Eudes Quintino

Indícios e denúncia

Quando se fala em indícios, não só para os leigos, como também para os operadores da área criminal, tem-se a noção de circunstâncias que se apresentam e são relacionadas direta ou indiretamente com o fato perquirido.

domingo, 16 de julho de 2017

Atualizado em 14 de julho de 2017 12:10

A denúncia oferecida pelo delito de corrupção passiva contra o presidente da República, que contou inicialmente com o parecer favorável do relator Sérgio Zweiter (PMDB-RJ), apresentado à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados para autorizar, por dois terços de seus membros a instauração de processo contra o presidente, com a apresentação de novo parecer foi rejeitado, impedindo, desta forma, o prosseguimento da denúncia, que passa a ser da competência do plenário da Câmara. Mas é importante observar que os debates travados, envolvendo aqui a participação do advogado Antônio Claudio Mariz, trazem à tona algumas questões jurídicas relevantes e interessantes para a exploração acadêmica.

Dentre elas, destacam-se os indícios que, no entendimento da defesa do presidente, não são suficientes para suportar a postulação ministerial.

Quando se fala em indícios, não só para os leigos, como também para os operadores da área criminal, tem-se a noção de circunstâncias que se apresentam e são relacionadas direta ou indiretamente com o fato perquirido, porém com menor intensidade e de valor pouco representativo na avaliação da causa. São relacionados a fragmentos envolvendo os fatos e exigem uma operação de montagem, como se fossem um quebra-cabeça.

Porém, o Código de Processo Penal, prestigiando a categoria dos indícios, fez sua inserção no artigo 239, exatamente no capítulo referente às provas e lançou uma definição numa construção lógica e complexa: "Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias". Quer dizer, então, que pode ser considerado como prova, pelo menos indireta ou até mesmo início de prova.

A palavra indicium em latim, que originou o vocábulo português, tem uma conceituação abrangente, denotando a ação de procurar, marcar, fixar, indicar, encontrar vestígios, pegadas, com o sentido de apontar algo que tenha relevância na apuração de um determinado fato. Mas para se buscar a mens legis necessária para a interpretação, deve-se atentar para a palavra circunstância, contida no mesmo tipo processual. Circunstância, numa rápida definição, vem a ser tudo aquilo que gravita em torno de um fato que é conhecido e, pelo esforço interpretativo, assim como pelo emprego do pensamento lógico, pode-se chegar com mais facilidade ao fato que se pretende provar. Pode-se dizer também que é um ponto de partida onde são utilizadas as informações disponíveis em um busca do ponto de chegada, que vem a ser a conclusão daquilo que se quer atingir.

Na realidade, de acordo com a melhor lógica, vai se chegar ao fato que se pretende demonstrar por dedução, isto é, tudo aquilo que se concluiu após as análises das circunstâncias apresentadas, podendo se buscar uma conclusão válida pelo raciocínio utilizado e não por indução, como pretende o legislador, tendo como suporte a operação em que se analisa as circunstâncias e passa a generalizar a partir delas a verdade perquirida, sem, no entanto, chegar a um resultado seguro e satisfatório.

Indícios, desta forma, são obtidos via de inferência, pois cabe ao agente partir de um fato já conhecido para percorrer o iter necessário para chegar a outro que seja ainda desconhecido, cuja elucidação tem relevância.

É cediço que para o oferecimento da denúncia não há necessidade da apresentação de provas inconcussas e sim de indícios que permitam descrever o fato criminoso com todas as suas circunstâncias, segundo a regra basilar contida no artigo 41 do Código de Processo Penal. Já o artigo 312 do mesmo estatuto, que trata dos requisitos para a decretação da prisão preventiva, traz a exigência de que sejam indícios suficientes de autoria e o artigo 413, também do mesmo Código, quando trata da sentença de pronúncia, carrega a mesma exigência.

Por ser a delação estatal uma peça propositiva (res in judicium deducta), satisfaz-se com a prova indiciária colhida de forma idônea e que tenha condições de apontar com a segurança jurídica necessária a autoria e materialidade do delito, binômio indispensável na pretensão acusatória. Isto porque a opinio delicti deve traduzir de forma inequívoca e transparente a vontade do órgão persecutório judicial, em perfeita sintonia com o regramento processual vigente. Daí que a postulação é submetida ao crivo do Judiciário que poderá rejeitá-la quando ausentes os requisitos norteadores do artigo 395 do Código de Processo Penal.

Por isto que o caminhar probatório na peregrinação processual penal, ao atingir a primeira fase da postulação, consistente na apresentação da peça acusatória formal, mesmo que atenda à exigência mínima, vale-se do brocardo in dubio pro societate, demonstrando que prevalece o interesse maior, que é o da sociedade na persecução penal. Porém, o mesmo critério não pode ser adotado em caso de condenação, vez que aí se aplica o in dubio pro reo, em razão da exigência de provas robustas para tanto.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.





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