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A (im)prescindibilidade da representação da vítima em crime de injúria racial

De que adianta a existência da previsão legal se os aplicadores do direito ignoram-na? A lei existe e deve ser cumprida.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Atualizado em 25 de julho de 2017 08:23

O Código Penal prevê em seu art. 140, parágrafo 3º o crime de injúria racial, que consiste na ofensa à honra decorrente de atos relacionados à raça, cor, etnia ou religião.

A lei 12.033/09 alterou a classificação do crime de injúria racial, ao incluir à redação do art. 145 do CP o parágrafo único, determinando que o referido crime deverá ser processado mediante o oferecimento de representação da vítima, isso porque este crime é de ação penal condicionada à representação da vítima.

Em crimes em que a ação penal encontra-se condicionada a uma manifestação da vítima, é imprescindível que o oferecimento da denúncia venha acompanhado da representação do ofendido, de maneira que fique expressa a vontade deste em prosseguir com uma ação penal em desfavor do autor do delito.

O que se tem percebido é o reiterado descumprimento de tal disposição pelos órgãos julgadores, sendo pacificado o entendimento pelo Supremo Tribunal Federal de que a representação prevista no art. 145, parágrafo único do CP é mera formalidade, bastando que haja qualquer depoimento ou mínimo indício de vontade da vítima para autorizar o oferecimento da denúncia pelo órgão acusador.

Sendo pressuposto da ação penal condicionada à representação evidenciada pela legislação federal, é possível dizer que o Judiciário ao dispensar essa "formalidade" vem ignorando o que foi previamente estabelecido pelos legisladores brasileiros.

O grande problema é que com o desuso de tal previsão legal, não há apenas violação de legislação federal, mas verifica-se também a transformação de uma ação penal que é condicionada em uma ação penal que se torna incondicionada, pois este novo entendimento dá o "direito" ao Órgão Acusador de dispensar o requerimento da vítima, em uma espécie de ação em que esta é pré-requisito para a sua instauração.

Ainda sobre essa ótica, vê-se que os princípios do juiz natural e do promotor natural, que preveem a imparcialidade de ambos para o cumprimento do devido processo legal, estão sendo violados. A não aplicação do disposto no art. 145, parágrafo único do CP, certamente faz com que esses princípios sejam esquecidos, havendo uma confusão entre os papéis de todos os envolvidos em uma ação penal.

Nesta questão, o questionamento que se faz, diante do posicionamento adotado pelos Tribunais, é o seguinte: De que adianta a existência da previsão legal se os aplicadores do direito ignoram-na? A lei existe, e deve ser cumprida.

A representação não deveria ser tratada como mera formalidade, podendo ser vista como dispensável. Isso porque, ao dispensa-la mostra-se um completo descumprimento da legalidade, cerceando a oportunidade de defesa do réu e, ainda, viabilizando uma futura condenação sem o preenchimento de requisito legal.

É inadmissível que os Tribunais fechem os olhos a um artigo de lei tão significante, reduzindo a zero a importância de um instrumento que representa a livre e espontânea vontade da vítima de interpor uma ação penal e ver processada a pessoa que proferiu ofensas à sua honra, autorizando assim, a ação do Ministério Público.

Não é possível aceitar que a aplicação ou não da legislação federal se torne uma faculdade do Órgão Acusador ou até mesmo do Poder Judiciário, é um poder-dever. O dispositivo legal é claro acerca da necessidade de oferecimento da representação por parte da vítima, por se tratar de ação penal pública condicionada, devendo, portanto, ser respeitado pelos órgãos responsáveis pela aplicação e fiscalização da legislação brasileira.

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*Mariana Cardoso Magalhães é sócia do escritório Homero Costa Advogados.

*Ana Luisa Augusto Soares Naves é advogada associada do escritório Homero Costa Advogados.

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